Jipeiros fazem fila para ajudar vítimas das enchentes no Rio (foto: Arquivo Pessoal Carlos Lobo)
Jipes percorrendo o terreno acidentado em meio à chuva que não cessa, trilhas cheias de lama, localidades sem energia elétrica nem telefone. O cenário descrito poderia facilmente fazer parte de um rali. E seria até melhor se fosse. Mas não foi por isso que alguns jipeiros encararam estas e inúmeras outras dificuldades na região serrana do Rio de Janeiro, devastada pela chuva no início do ano. Foi tudo em nome da solidariedade.
Logo depois que surgiram as primeiras notícias da tragédia que se desenrolava em cidades como Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis, ainda no dia 11 de janeiro, jipeiros começaram a se organizar para partir da capital fluminense e ajudar os milhares de afetados pelas chuvas até agora, já são mais de 850 mortes confirmadas, cerca de 450 desaparecidos e quase 30 mil desabrigados na região serrana do Rio.
A gente formou vários comboios e conseguimos até uma quantidade de doações maior do que a gente esperava (4 toneladas). Tivemos que contratar caminhões e vans para levar, conta Carlos Lobo, 32 anos, gerente de TI, e que foi para a região ainda no primeiro final de semana após a tragédia. Nos comboios, além de muita vontade de ajudar, estavam típicos carros off-road, como Troller, Bandeirante, Willys, Hilux, L200, Grand Vitara, Cherokee e Tracker.
Vários lugares estavam descaracterizados, lembra Lobo. Ele e quase todos os que se propuseram a ir para a área afetada foram auxiliados por Maurício Bueno. Empresário, com 44 anos e jipeiro há 15, Bueno usou seus conhecimentos de rádio amador para montar uma central em Nova Friburgo, no Pico da Caledônia, responsável pela comunicação da cidade com o Rio, já que a situação era de calamidade.
Chegamos lá no olho do furacão. Tinha acabado de acontecer a tragédia. A gente ainda viu muita água correndo pelas casas, muita lama, a cidade estava sem luz e telefone, sem comunicação nenhuma, relata Bueno. Já Frank Perdiz, outro jipeiro, descreveu o cenário como dantesco. É realmente chocante ver uma cidade destruída, afirma o advogado de 35 anos.
Obstáculos – O ato nobre de solidariedade, porém, teve que superar muitas dificuldades para ser realizado. Além das informações desencontradas, os jipeiros encararam estradas tomadas de lama, trilhas precárias e perigos diversos. Lobo e seu grupo, por exemplo, foram os primeiros a chegar a Banquete, um distrito da cidade de Bom Jardim, após 40 minutos de trilha. Uma ponte, único acesso à região, havia caído.
Pior ainda foi em Nova Friburgo, numa localidade próxima ao centro, mas que permanecia praticamente isolada. Foi gente na frente amarrando os cabos dos guinchos (dos veículos) nos postes. Isso porque era uma coisa de 100 metros. Foi um negócio bem perigoso mesmo, diz Lobo, que viu o mesmo cenário que Frank Perdiz. Chovia muito ainda. A água ainda caindo pelo rio central de Friburgo, uma coisa impressionante, conta Perdiz.
Pegamos um caminho que era só para 4×4, por que a estrada normal estava bloqueada, lembra Maurício sobre uma situação corriqueira para os jipeiros nos dias logo depois da tragédia. Entre veículos muito bem preparados com bloqueio do diferencial, pneus lameiros, guincho e suspensão elevada e outros nem tanto, eles eram a única alternativa para fazer os donativos chegarem a regiões de difícil acesso.
Apesar de todo o estrago causado pelas chuvas, os obstáculos superados pelos jipeiros para entregar donativos e auxiliar de uma forma geral os atingidos pela tragédia eram constantemente recompensados. As demonstrações de reconhecimento da população foram feitas em forma de aplausos, bênçãos, rezas e até gritos emocionados pela chegada de ajuda.
Lobo recorda da ida até a localidade até então isolada, em Bom Jardim. Essa comunidade deixou a gente muito emocionado. Não tinha chegado ainda nenhum ajuda mais substancial. O pessoal tinha necessidade de tudo, afirma Carlos. Ali quem chegou mesmo fomos nós, a primeira ajuda real, completa o jipeiro. Perdiz tem relato semelhante, mas de uma localidade em Nova Friburgo.
Chegamos a um lugar bem distante do centro que ainda estava sendo muito pouco atendido pelas autoridades. Não tinha luz, não tinha água potável, não tinha telefone, lembra Frank, que, assim como muitos outros jipeiros, ainda levou donativos para localidades de Petrópolis. Mesmo também devastada pelas chuvas, a região central da cidade estava melhor que a do município vizinho.
Bueno, por sua vez, também ajudou no transporte de profissionais do poder público, além de abastecer estabelecimentos com combustível para os geradores de energia. Meu carro é que levou o diesel para manter o hospital da Unimed funcionando. Isso foi uma das ações mais importantes que fizemos por lá, diz Maurício. Ele foi mais um a testemunhar a emoção dos moradores que recebiam os donativos.
A gente chegou, as pessoas aplaudiram a gente, deram beijo. Fiquei emocionado, chorei, outras pessoas também, relembra Bueno, que só não gostou da atitude de algumas autoridades, que chegavam a atrapalhar a distribuição das doações. Estavam mandando veículo 4×4 para lugar que dava para ir de patinete, reclama ele. Nosso trabalho é usar nossos veículos e nossa experiência para conseguir chegar a lugares onde outros carros não chegariam.
Quer ajudar? – No momento, já 20 dias após os primeiros desdobramentos das fortes chuvas que atingiram a região serrana do Rio, algumas das principais instituições de apoio às vítimas da tragédia estão apenas recebendo donativos em dinheiro. Isso por que as doações de água, alimentos e roupas superaram o esperado, e falta estrutura para selecionar e distribuí-las com eficácia.
Uma das opções é a Cruz Vermelha, que disponibiliza uma conta no Banco Real para doações agência nº 0201, conta corrente 1793928-5. A instituição foca a sua atuação agora no suporte prolongado às vítimas, com apoio psicológico e atendimento médico. Já a ONG Viva Rio está à procura de outras instituições para repassar as muitas roupas arrecadadas na campanha, tamanho o excesso de doações.
Enquanto isso, os jipeiros cariocas ainda não esqueceram da tragédia. Agora com o poder público já mais presente, eles se organizam para ajudar apenas comunidades que realmente estejam necessitadas. A gente está reorganizando os comboios para dar tiros mais certeiros, adianta Carlos Lobo.
Este texto foi escrito por: Rafael Bragança