Simulação de técnica de resgate (foto: Arquivo pessoal/ Karol Meyer)
No último sábado (29), o funcionário público Rodrigo Lobo Vieira, de 41 anos, foi encontrado morto após a prática de mergulho com técnicas de apnéia, na praia da Barra de Maxaranguape No Rio Grande do Norte. De acordo com o Ministério Público do Estado, Rodrigo estava em um passeio com amigos e decidiu mergulhar, sozinho, para ver mais um cardume no retorno do grupo. Demorou a voltar, e meia hora depois seu corpo foi encontrado.
No texto abaixo, a colunista do Webventure e recordista em mergulho em apnéia Karol Meyer explica técnicas da modalidade, riscos e dicas para segurança na prática do esporte
O mergulho livre ou em apnéia é perigoso? Normalmente a mídia somente expõe as conquistas realizadas pelos campeões, gerando a noção de que as performances são somente realizadas por atletas de elite. Essa versão gera no público a idéia de que o esporte não seria recomendado aos iniciantes ou ainda que pudesse ser mais perigoso para estes. Entretanto, não é bem isto que acontece…
O mergulho livre é um esporte radical, de risco, para todos aqueles que o praticam, sejam iniciantes ou atletas de elite. Jamais poderemos negligenciar a segurança em treino ou em tentativas de performance.
Faço parte da geração moderna da apnéia, iniciada no final de 1996, quando o mergulho livre tornou-se um “esporte”, ou seja, com regras internacionais de competição, recordes e segurança, definidos e registrados pela AIDA – Associação Internacional para o Desenvolvimento da Apnéia, da qual participei ativamente para a difusão da pratica do esporte em 1999 com segurança. Foi com o mesmo objetivo, fundei a Aida Seção Brasil.
A cada ano que passa, assistimos a uma evolução única, jamais vista em outros esportes, tanto nas modalidades de piscina, classificadas com “indoor”, quanto nas modalidades de profundidade ou “outdoor”.
Os “apneístas” praticam apnéia de lazer ou de competição, em meio natural ou em piscina, retendo a ventilação para realizar performances, pelo prazer da sensação de evoluir no mundo aquático sem auxilio de equipamentos.
Limites O ser humano é naturalmente competitivo e busca definir “recordes”, que no mundo da apnéia chamamos de “personal best” (melhor performance pessoal), ou simplesmente “pb”. Cada um em seu nível busca por seu “pb” em determinado momento. Portanto, falar de performances e de segurança é falar da prática da apnéia!
Nenhuma atividade esportiva, nos dias de hoje, está isenta de riscos…
O conceito de segurança engloba tudo aquilo que podemos fazer, dizer, pensar individualmente ou coletivamente, que permite a prática de uma atividade com o máximo de prazer e o mínimo de risco. Na prevenção de acidentes no mergulho em apnéia, temos que considerar vários elementos que compõem o quadro de risco dos apneístas. Identificando-os, torna-se mais fácil o seu controle:
Mídia – A imagem deturpada do esporte propagada por filmes foi e é, até os dias de hoje, causa de vários acidentes na França e em outros países. A atitude correta dos veículos de comunicação e dos próprios atletas em divulgar a necessidade da prática com segurança é essencial para evitar acidentes futuros.
A AIDA foi a primeira entidade a homologar regras de segurança e as atualiza anualmente, de acordo com a evolução do esporte. No site da Aida Brasil tem-se acesso a todas as informações necessárias para praticar o esporte com segurança, e participar de eventos ou mesmo anunciar tentativas de recorde dentro das normas estabelecidas www.aidabrasil.com.br.
Pontos essenciais:
Material: Mergulho iniciantes: até 15m, geralmente perto da costa. Pode ser praticado com bóia e cabos que assume a função de uma verdadeira “linha da vida” e permitem o desenvolvimento de um treinamento seguro, sob a supervisão de um instrutor. Atenção: Sem este material, não há treino!
Sem visibilidade ou corrente, acrescentamos ainda um cabo de segurança que segue preso ao cinto e ao cabo-guia, com um sistema de quick-release para emergência. Normalmente, o material de segurança do mergulhador em apnéia é da mesma origem dos praticantes de escalada e de rappel.
Para profundidades maiores, o uso de um barco é recomendado (em caso de distância da costa), bem como unidade de O2 e requisitos normais de segurança de embarcação (rádio, celular, contato resgate). O cabo deverá conter marcação correta para evitar erros e servir também como referência para o mergulhador, devendo estar sempre bem estirado (peso adequado no fundo) e identificado com uma cor visível, normalmente um disco amarelo ou branco no final.
A segurança é um dos principais fatores que interferem na performance do apneísta!
Felizmente, ao longo da minha carreira, estive sempre cercada por pessoas de alta competência; raras foram as vezes que interrompi um treinamento por considerar inadequados os fatores de segurança (seja por mudança da condição do tempo ou por falta de profissionalismo do organizador), mas já registrei situações difíceis simplesmente pelo stress gerado por não confiar na segurança oferecida durante um treinamento. Nesses casos, não houve alternativa: simplesmente interrompi os treinos.
É necessário atenção às características do ambiente no qual o mergulho em apnéia é praticado. Em piscina, em mar, em lago, sob que condições de visibilidade, temperatura, correntes? Água é água. Mesmo em piscina, os cuidados não poderão ser deixados de lado, sob pena de termos graves conseqüências, por vezes fatais.
A idade dos praticantes varia desde os 16 aos 55 anos, dos mais variados perfis. Ainda existem aqueles que insistem em praticar a apnéia envolvidos em uma esfera de misticismo, no mergulho solitário e arriscado.
Por mais tentador que seja jamais tente uma performance sozinho, sem condições adequadas. Caso não tenha um grupo, reserve um tempo para formá-lo e, enquanto isto, treine fora da água. Há vários treinos eficientes chamados de apnéia “dry”, ou, no seco.
Procure realizar um curso também de RCP (ressuscitação cardio-pulmonar), para estar apto a auxiliar no socorro!
O mergulho em apnéia é coletivo ou não deverá existir! (Loic Leferme)
Do treinamento à educação – O perigo, portanto, está mais no indivíduo e nas condições da prática do que na própria apnéia. Somente a educação, a instrução por intermédio de cursos e a paciência poderão conduzir os iniciantes, ou mesmo veteranos, à uma prática correta, por meio de um treinamento regular e um progresso lento e seguro.
Jacques Mayol quebrou a barreira dos -100, realizando 105m com a idade de 57 anos, com 30 anos de trei namento!
– Regra número 1: Não se treina ou se pratica mergulho em apnéia sozinho, mesmo que seja em piscina ou por simples brincadeira.
– Na apnéia estática, combine sinais de comunicação com a pessoa que esta supervisionando, pelo menos a partir de 50% da performance. Se a pessoa não responder ao toque com o sinal pré-estabelecido, será tocada novamente na seqüência e, caso não responda, deverá ser retirada imediatamente da água, mesmo que tente manifestar-se de outras formas para indicar que está bem.
– Em cada treinamento, sempre mostre a sua presença, tenha uma dupla, diga quando partirá e quanto planeja atingir em cada mergulho.
– No mar: tenha sempre um ponto de apoio para recuperação do apneísta entre uma descida e outra. Desse flutuador, um cabo desce até o fundo, permanecendo esticado por um lastro de 10 a 20 quilos preso na extremidade final. Dessa forma, o cabo, bem esticado, funciona como um ponto de apoio bem firme.
– Use sempre cabos com marcação e com a profundidade a ser atingida, tenha sempre um apneísta de segurança e, de acordo com a profundidade, planeje seu sistema extra de segurança, incluindo cabo de segurança, contrapeso e mergulhadores scuba técnicos, caso necessário.
– O apneísta de superfície deve manter a mão no cabo, assim saberá, pelo tato e vibração do cabo, quando seu companheiro chegou ao fundo e poderá partir (sempre com o mínimo consumo de oxigênio, ou seja, usando os braços) para encontrá-lo nos últimos -10 à 20 metros no retorno à superfície.
– A informação sobre o tempo do mergulho (dive time) é muito importante é serve como informação de segurança, em caso de necessidade de acionamento do contrapeso.
– Equilíbrio com o lastro de chumbo é fundamental. Você deverá estar neutro na metade da profundidade máxima que planeja atingir. Exemplo: se sua meta é ati ngir 15 metros de profundidade, deverá retornar à superfície, sem utilizar as nadadeiras, desde os -7,5 metros. Se você descer a -30 metros, este ponto se situará a -15 metros. FACILITE O SEU RETORNO, que é 60% do mergulho!
– Não escolha roupas de cores escuras como preto ou azul marinho, pois você estará “invisível” na água, o que dificulta a sua localização para quem está na superfície ou acima de você na água.
– Quando seu companheiro retornar à superfície, pergunte se ele está bem (mesmo em piscina). Caso ele não responda, segure-o firmemente. Mesmo que ele responda ou demonstre que está bem, nunca lhe dê as costas. Uma síncope ou apagamento podem ocorrer até 20 segundos após o retorno à superfície.
– Jamais fique no fundo, mesmo se você estiver se sentindo bem. Prefira a apnéia estática para prolongar sua apnéia, estando próximo da superfície.
– Em piscina, pratique sempre próximo de algum apoio, escada, borda ou bóia. Na apnéia dinâmica tenha sempre acompanhamento paralelo dentro da água, nos últimos 50% de sua performance.
– Não solte o seu ar dentro da água. Guarde o ar!!! Bolhas podem ser interpretadas como sinal de apagamento.
– Não hiperventile (respiração ampla, profunda e silenciosa, sem fluxo violento).
– Não negligencie a compensação dos ouvidos. Se tiver problemas para compensar os ouvidos, não insista. Descanse um pouco antes de uma nova tentativa. Se o problema persistir, pode ser sinal de uma gripe, resfriado ou outra ocorrência clínica. É bom consultar um médico.
– Não esqueça da respiração ao sair da água, elevar a máscara e restabelecer-se.
– Respeite seu organismo: jamais mergulhe doente (gripado, sinusite) ou quando estiver em tratamento por medicamentos. O organismo não responderá normalmente. Álcool e fumo são também inimigos.
– Pare de olhar seu relógio ou seu profundímetro durante o mergulho. Você tem toda a vida para progredir! Jamais forçar! A apnéia é, acima de tudo, uma escola de paciência!
Este texto foi escrito por: Karol Meyer
Last modified: fevereiro 2, 2011