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Lições do Atlântico ao Pacífico

Redação Webventure/ Aventura brasil

Bike é a primeira etapa do desafio. E  segundo Morgado  é a atividade com menos chance de lesão. (foto: Divulgação)
Bike é a primeira etapa do desafio. E segundo Morgado é a atividade com menos chance de lesão. (foto: Divulgação)

Cruzar a América do Sul, do lado atlântico ao lado do Pacífico, em 90 dias, praticando múltiplas atividades físicas, basicamente de aventura. Biking, duck, corrida e até a escalada do Aconcágua. Esse é o desafio proposto por dois brasileiros no projeto Travessia Fleury Atlântico ao Pacífico. Manoel Morgado e Romualdo Kubiak partem neste domingo (15/09) para cumprir o proposto.

Além das impressões que a escolha deste tipo de desafio imediatamente causam, sejam de ousadia, admiração ou de um “nossa! Esses dois perderam os limites!”, dois aspectos não podem deixar de ser destacados. Primeiro: trata-se de dois atletas experientes; um tem como uma de suas atividades principais guiar clientes por trilhas do Nepal e o outro é triatleta. E para o projeto contaram com a ajuda de profissionais da medicina e do esporte para orientá-los na melhor preparação.

O segundo detalhe talvez seja o mais curioso deles: a maturidade. Manoel tem 42 anos. Romualdo, 55. E saber disso traz à cabeça uma série de perguntas. Mesmo tendo se preparado, será que vão ter pique para completar o desafio? E por que, nesta altura da vida, eles escolheram um projeto tão exigente?

As respostas são dadas em depoimentos objetivos, cheios de convicção e algumas vezes emocionados que você vai ler neste Aventura Brasil.

Há cerca de 15 dias Manoel Morgado e Romualdo Kubiak se reuniram com jornalistas para apresentar o projeto Atlântico ao Pacífico, cheio de números que representavam propostas espantosas: 21 dias pedalando (2.787 km), 20 dias correndo (814 km), 20 dias remando (400 km), 20 dias escalando o Aconcágua e dois dias descendo corredeiras em bote inflável (duck).

Tinham explicações sobre o percurso, programação, os desafios a enfrentar em cada etapa, o treinamento, a equipe de nutricionista, preparador físico e médicos que o orientou… Mas fazer tudo isso com que propósito? Teste de limites? Recorde? Espaço na mídia? Esta era a questão não que podia deixar de ser feita. E Manoel foi o primeiro a responder: “Não estou buscando o resultado. Só o fato de estar realizando este projeto me basta.”

Atleta aos 40 – A mesma resposta foi ouvida de Romualdo. Mas ele completou a explicação do companheiro de desafio com uma história que vale a pena ser contada de novo. A história de como, somente após os 40 anos, se tornou esportista. “Eu sempre adorei natação. Morava no Paraná e não tinha piscina aquecida na minha cidade; assim, não procurava aprender a nadar. Aliás, nadava nos livros: devorava textos sobre as técnicas do esporte. Mais tarde, quando inauguraram a piscina aquecida, resolvi aprender. Descobri que no mesmo clube treinavam pessoas para natação em águas abertas. Me interessei, passei a treinar e me tornei atleta da modalidade”, narra.

Romualdo, que era servidor público, praticou águas abertas de 1985 a 1991, nadando de três a sete horas por prova. Depois, aos 44 anos, “cansado” da mesma atividade, descobriu o triatlo. Participou ao todo de oito Ironman no Brasil, o primeiro aos 50 anos, e venceu três. Neste meio tempo, viajou por 40 dias pelo Nepal, onde foi guiado por Manoel. E foi o escolhido por ele para ser seu companheiro nesta nova experiência multiesportiva. Os limites parecem chamar Romualdo para quebrá-los: “No fim, o resultado é o que menos interessa. O melhor é vencer etapas”. E finaliza, visivelmente emocionado: “Estou vivendo a melhor fase da minha vida”.

Correr atrás – Para o atleta, as pessoas de sua idade deveriam deixar de ver este aspecto como um empecilho para muitas coisas. “As pessoas que trabalhavam comigo chegavam ao trabalho sempre estressadas, cansadas. No fim do dia, iam ao bar para tomar cerveja. Eu ia correr, nadar… era uma ovelha negra”, lembra, com o constante bom humor.

“É uma lição que vale para tudo. Até para essa questão de reclamarem que as pessoas de mais idade não têm vez nas empresas. Falta elas irem atrás dos seus direitos, se valorizarem. Não me senti impedido de descobrir o prazer de praticar um esporte porque tinha mais de 40 anos. Eu fui atrás disso.”

Entre os milhares de quilômetros de pedal, as centenas de quilômetros correndo ou remando e a proposta de escalar a montanha mais alta das Américas, nenhuma delas é considerada a etapa mais difícil para a dupla. O maior desafio foi tirar o projeto do papel e torná-lo viável. É por isso os dois atletas dão mais valor a essa conquista do que ao próprio fato de cumprirem ou não esta longa jornada.

Foi de Manoel a idéia do projeto. Segundo ele, essa história começou quando quis transformar em atividade a frase que lhe veio em um sonho: “Atlântico ao Pacífico”. Estudou mapas e montou o roteiro separando-o nas modalidades pelas quais iria se deslocar junto com mais um parceiro. O primeiro escolhido se machucou nos treinamentos e teve de abandonar o projeto. Romualdo foi lembrado pelo preparador físico Marcos Paulo Reis. “Manoel precisava de alguém com quem tivesse um relacionamento bom. Não podia ser qualquer um. Consideramos que, mais do que o aspecto físico, o psicológico vai ter grande importância neste desafio. E o Kubiak tem esse bom humor irritante”, brinca Marcos.

Estudo – Outras parcerias foram fechadas, entre elas o patrocínio do laboratório Fleury, que vai aproveitar a travessia para estudar, junto com o centro de pesquisas da Escola Paulista de Medicina, os efeitos do desafio na dupla.

As nutricionistas Andréa Zaccaro e Tânia Rodrigues tiveram de criar uma dieta específica para que eles irão viver, adaptando tudo ao condicionamento, gostos e à idade de cada um. “A idade influencia na recuperação muscular. A necessidade proteica é maior com o passar dos anos”, ensina André.

Ela conta que os dois, apesar de praticarem atividade física com freqüência e terem cuidados com a alimentação, estavam com a dieta “bagunçada”. “O Manoel tomava um café da manhã que valia por quatro e não fazia lanche até o almoço, quando outra vez comia um caminhão”, descreve. “Ele reclamava de fadiga e de sono. Mudamos os hábitos e ele passou a comer menos no café da manhã e fazer lanches entre as refeições.”

“Já o Kubiat comia menos, também em função da idade e de ter uma massa muscular menor. Faltava uma quantidade proteica ideal e um cuidado maior com a recuperação”, conta a nutricionista. “Mas os dois, pela idade deles, estavam bem melhor do que pacientes de 28, 30 anos”.

Além da reorganização das refeições, Andréa planeja que eles adaptem a alimentação para cada etapa do percurso. “Uma regra que não muda é administrar carboidrato a cada 40 minutos. Mas a corrida vai exigir uma recuperação maior de nutrientes. Já na escalada, eles ficarão três dias parados nos acampamentos, então vão precisar de mais carboidrato e gordura”.

Em virtude de a previsão meteorológica na região da Lagoa dos Patos indicar que o El Niño está agindo de forma intensa no Sul do país, os atletas decidiram alterar a programação da primeira etapa e antecipar a chegada à Lagoa dos Patos, onde remarão. Trocaram a primeira etapa, que seria correndo, pela pedalada para chegarem mais rápido à lagoa, que fica em Porto Alegre (RS).

Remar na lagoa é novidade para Manoel, que até então só havia praticado canoagem em corredeiras. A intenção é remar 40 km/dia e, neste tempo, eles terão de ser auto-suficientes, carregando nos caiaques a comida e a bagagem e dormindo nas praias. Nas outras etapas, um carro de apoio irá levar os pertences e eles dormirão nas cidades.

O cronograma prevê quase uma maratona (42 km) por dia na etapa a pé. O fato de estarem acostumados a pedalar e correr não tira a atenção da dupla à essas etapas. “Na bike, onde faremos 150km/dia, o risco de lesão é praticamente nulo. Mas na corrida, o impacto é brutal”.

Paciência – A escalada do Aconcágua (pela via normal) é apontada por Romualdo como a atividade em que deve ter mais dificuldade. “Tenho sinusite, é um agravante quando se está no ar rarefeito”, diz. Até agora a maior altitude que em ele escalou foram 6.200 metros, no Nepal. O Aconcágua tem 6.962m.

Na fase de treinamento, com o primeiro parceiro da travessia, Manoel chegou a 300 metros do cume. “Ventava muito e desistimos. É preciso ter paciência para conseguir escalar o Aconcágua. Por isso planejamos ficar três dias em cada acampamento (de um total de três até o cume), nos aclimatando”, revela.

A etapa seguinte será descer o rio Aconcágua em bote inflável. As corredeiras chegam a classe IV no primeiro dia (a escala de dificuldade vai de I a V) e III no segundo. Será o último desafio e a Viña del Mar, no Chile. E a hora de contar mais esta história, como descrevem os desafiantes: “as lições aprendidas na prática de esportes ou na montanha traduzidas, no cotidiano, em desenvolvimento de inúmeras qualidades como dedicação, disciplina, habilidade de trabalho em equipe, desenvolvimento de liderança, planejamento e respeito à natureza”.


A I Travessia Fleury do Atlântico ao Pacífico tem patrocínio do Laboratório Fleury e apoio de Asics, Qualyfruit, EcoViagem, Olímpia, PowerBar. Site oficial: www.atlanticoaopacifico.com.br

Este texto foi escrito por: Luciana de Oliveira

Last modified: setembro 13, 2002

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