Detalhe do Mandala (foto: Arquivo pessoal/ Alessandro Imbellone)
Em janeiro de 2006, resolvi voltar para os Estados Unidos com o objetivo de escalar muito e juntar dinheiro para participar da Copa do Mundo, que iria acontecer na Europa, na metade do ano.
Logo no começo da viagem, tive um problema dentário que me tirou de campo por três semanas. Depois de uma nova readaptação, senti que era hora de voltar a velhos projetos (trip 2003 e 2004) os quais incluíam alguns boulders que ainda tinham de ser mandados.
O primeiro da lista: Thunderbird, um boulder que tem somente dois movimentos “difíceis”, sendo que um deles eu já havia mandado, me levando a acreditar que estava perto da cadena… ilusão. Depois de mandar os dois movimentos, eu estava caindo num próximo “mais fácil” e na terceira tentativa meu dedo abriu num reglete. Assim, fiquei desmotivado quanto ao Thunderbird e passei todo o inverno sem querer saber dele.
Mandala – Motivado com a visita de dois amigos de Brasília, Alessandro e Diogo, resolvi fazer minha primeira tentativa no Mandala. Tive uma boa surpresa ao mandar o movimento “mais difícil” na primeira tentativa. O boulder é muito alto e sem outras pessoas para fazer a segurança de corpo e acumular “crash pads”, não dá muita vontade de tentar.
Em outro dia, estava trabalhando o Mandala junto com vários moleques. Três deles estavam viajando com os pais e o mais velho tinha apenas 16 anos. Essa foi uma das sessões mais motivadoras que já fiz, onde o nível das conversas e comentários não passava dos oito movimentos do boulder mais bonito que já vi.
Um dos garotos, Daniel Woods, estava tentando (e mandou) sair sentado, o que eleva o grau do boulder de V12 para V14. Esse foi o dia em que consegui dar um passo a mais e juntar a mão para cair em um outro movimento, para uma agarra de uma falange muito boa para a situação. Após algumas tentativas, cheguei até o último reglete da parede. Juntei a mão e caí. Só um movimento me separava da cadena. Sem pele não pude mais tentar. Depois desse dia sabia que encadenar o Mandala era só questão de tempo.
Recuperado, resolvi voltar ao Mandala. Não sabia se teria gente lá, então passei na casa de dois amigos, juntei cinco crash pads e fui. Novamente caí no último movimento, um vão considerável. Fiquei na dúvida se ia mandar ou não. Na tentativa seguinte, tudo perfeito: aderência, sapatilha; mandei todos os movimentos, juntei a mão no último reglete e me joguei pro “Lip” (borda).
Perdi os pés e cruzei pro agarrão. Nunca mais vou me esquecer desse momento. Um sonho de muitos anos. Todas as vezes que vinha a Buttermilks sentava na base do boulder e conversava com ele, falando que estava me preparando pra ele. Tenho muito respeito por esse negativo com perfeitos regletes, feito pelo Criador para todos nós! A sensação era de fim de temporada na rocha, com a realização do objetivo e cabeça voltada para a Copa do Mundo.
Enquanto isso, nos Estados Unidos havia mais tempo com boas condições de aderência, e comecei a trabalhar o Buttermilker, deixando o Thunderbird de lado. Estava fascinado pelo aprendizado que o Buttermilker me oferecia.
Encadenei o Mandala em quatro dias de tentativas, enquanto que o Buttermilker me custou quatro dias para fazer somente o primeiro movimento, porém tinha a vantagem de poder trabalhar todos os movimentos isoladamente, ao contrário do Mandala. Lesionei-me e, preocupado com as competições, abandonei o projeto, me recolhi e trabalhei mais. Europa estava garantida.
Para junho estavam agendadas três etapas da Copa do Mundo: Suíça, Itália e Áustria, uma em cada fim de semana, deixando o meio da semana para muita escalada em clássicos picos da Europa. Escalei dois dias na Espanha, em locais que até então eram desconhecidos para mim. Depois, peguei uma longa estrada com uma amiga espanhola até a Suíça, passando um dia pela clássica Chamonix.
Grindelwald era o destino, terceira etapa do ano. Todos estavam motivados para a seqüência de campeonatos e essa era minha segunda Copa do Mundo. Como na primeira, me classifiquei em trigésimo quarto. Uma semana em Magic Wood. Que lugar mágico: um rio no meio das montanhas na Suíça com vários blocos de granito para todo lado e com musgos cobrindo todo o chão da pequena mata ao longo do rio. Estava contente por poder fazer minha segunda visita a um dos melhores locais para escalada em boulder na Suíça.
Depois foi a vez da Itália, um local muito especial para mim, Fiera di Primiero, a mesma cidade da minha primeira Copa do Mundo e local onde passei meu aniversário nos últimos dois anos. Esse ano, um presente! Acabo a classificatória e estava em 18º, o que significaria minha classificação para a semifinal. Porém, três dos que escalaram depois de mim, ficaram na minha frente me botando em 21º, a uma posição da semifinal.
Zillertal foi o pico escolhido para escalar durante a semana, um dos melhores da Áustria. Uma semana mais tranqüila, já sentindo o cansaço de toda a temporada, escalei um pouco de via esportiva também. Parti para a cidade de Hall para fazer a última tentativa de classificação para a semifinal. Não seria lá, os boulders com um estilo “bombástico” (longos e de resistência) acabaram comigo, depois do terceiro de seis, não saía mais do chão. Terminei em 46º, mas estava satisfeito por mais uma experiência com muito aprendizado.
De volta aos EUA – No verão, as altas temperaturas deixam os boulders sem aderência nenhuma. Passei três meses escalando vias longas e vias esportivas fáceis, nada mais difícil que VIIIa (Br). Tuolumne Meadows, em Yosemite, foi o local onde passei a maior parte do verão.
Há duas semanas iniciei minha readaptação aos boulders. Estou tentando vias curtas mais difíceis e tenho tentado alguns boulders de grau mais fácil que me faltam encadenar. Assim que o frio chegar, trazendo perfeita aderência, volto para o Buttermilker, primeiro projeto dessa temporada.
Afinal, 2006 tem sido o melhor ano da minha vida e pode ser ainda melhor agora no final.
Eduardo de Moraes Carvalho, o Duda, iniciou a prática de escalada esportiva em 1995 e foi um dos pioneiros dessa modalidade no planalto central. No ano de 2000, fez a primeira ascensão da Plano Cartesiano (IXc), na Fercal (Brasília), e posteriormente iniciou diversas conquistas em uma das principais áreas de boulder do Brasil, Cocalzinho de Goiás. Em 2002, na Adventure Fair, foi campeão brasileiro de boulder, e no mesmo ano, no Chile, conquistou o 3º lugar no Sul-americano de boulder. No ano de 2003 encadenou o clássico boulder Midnight Lightning, em Yosemite, e vários V10 em Buttermilks e Happy Boulders, em Bishop, na região leste da Sierra Nevada – Califórnia. Em seu retorno ao Brasil, fundou junto com escaladores de Brasília a Associação de Escaladores do Cerrado (AESC). Em maio de 2004 voltou aos EUA e encadenou seu primeiro V11, em Bishop, partindo em seguida para uma estadia de 9 meses escalando na Europa, onde fez sua primeira participação na Copa do Mundo de Boulder, na Itália, e no Campeonato Mundial, na Alemanha. Em 2006 retornou à Bishop, onde encadenou o boulder Mandala (V12). Em junho fez a melhor participação masculina brasileira em Copas do Mundo, conquistando o 21º lugar, na etapa de Fiera di Primiero, realizada na Itália. Hoje reside em Mammoth Lakes – CA, motivado para mais uma temporada.
Este texto foi escrito por: Eduardo Carvalho
Last modified: novembro 27, 2006