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Manoel Morgado relata como foi a subida do Vinson, na Antártica

Redação Webventure/ Montanhismo

Manoel Morgado completa os Sete Cumes (foto: Arquivo pessoal)
Manoel Morgado completa os Sete Cumes (foto: Arquivo pessoal)

O brasileiro Manoel Morgado relata como foi a subida do Vinson, a montanha mais alta da Antártica, com 4.892 metros de altitude. Com o feito, realizado no dia 11 de dezembro de 2011, ele se tornou o segundo brasileiro a completar os Sete Cumes, formado pelas montanhas mais altas de cada continente (com a América dividida entre Norte e Sul, mais o continente gelado). O primeiro brasileiro a conseguir o feito foi Waldemar Niclevicz, em 1997.

TEXTO DO MORGADO:

Como em boa parte das minhas escaladas, o dia de cume amanheceu com céu azul e sem vento, condições fundamentais para um cume tão frio como o do Vinson, a mais alta montanha da Antártica. Já estava no continente há oito dias e a temperatura não havia subido para mais do que os 15 graus negativos, embora dentro da barraca chegasse a ficar razoavelmente confortável com o sol de 24 horas que rodava ao meu redor, como se fossem eternas 16 horas. A única hora que não tinha sol, apenas luz, era quando em seu trajeto ele entrava atrás de uma montanha. Aí, mesmo dentro da barraca a temperatura desabava.

Com luz o dia inteiro até então, tínhamos acordado tarde e começado a escalar ainda mais tarde. Raramente saíamos antes do meio-dia. Para que pressa? Hoje [no dia que o cume foi realizado, em 11 de dezembro], porém, a situação era outra: a previsão de tempo nos dizia que a manhã iria ser tranquila, mas com o decorrer das horas o vento se intensificaria e no dia seguinte já estaria ao redor de 20 quilômetros por hora. Pode parecer pouco, mas com a temperatura prevista no cume de 32 graus negativos, um vento de 20 quilômetros por hora joga a sensação térmica em perigosos 45 graus negativos.

Saímos em duas cordadas: eu, Marion e David em uma e Dean, Karsten e Peter em outra. Desde o dia da subida das cordas fixas entre o campo 1 e 2, o desempenho do Peter nos preocupava. Ele tinha ficado 1 hora atrás e tinha chegado ao campo 2 (o high camp) exausto, além dos limites de segurança. E como o ideia era que se um descesse, todos desceriam, o dia começou tenso. Em poucos minutos, Peter já estava ficando para trás apesar do ângulo suave da subida que enfrentávamos. Após 1 hora, Dean pegou a mochila de Peter, viu o que era realmente essencial e colocou em sua mochila. Mais leve, Peter seguiu um pouco melhor.

Eu estava me sentindo bem e deslumbrado com a paisagem ao meu redor. O campo 2 lembrava o promontório do campo Canadá no Aconcágua, só que completamente branco. Mil metros abaixo estava o platô do campo 1 e, além disso, milhares de quilômetros de gelo e neve da Antártica. A imensidão do continente, mais de duas vezes o tamanho do Brasil, assombra. O silêncio, quando não há vento, transmite uma paz indescritível. Quando pensava onde estava, em quão remoto o lugar era, uma grande felicidade me invadia. Em uma época na qual já não existem lugares vazios, remotos, distantes, estar lá, no meio daquele imenso nada, era um privilégio. Na região estavam apenas 14 pessoas de três pequenas expedições. Os alemães tinham feito o cume no dia anterior e já tinham descido para o campo 1. Os norte-americanos tinham chegado um dia depois de nós e ainda estavam no campo 2. A caminho do cume apenas nós seis. A montanha era nossa naquele dia glorioso.

A preocupação com o meio ambiente intacto é enorme. Nos campos há um buraco para urinar e todos os dejetos sólidos, sejam restos de comida, fezes ou lixo são levados de volta ao Chile. A água de lavar louça é filtrada e colocada nos buracos de urina. Os pequenos resíduos sólidos levados para baixo. A caminho do cume todos levam garrafas para urinar, pois não se urina na montanha. Com isso, esta é a montanha mais limpa do planeta. Assim, coisas que aconteceram comigo no dia de cume do Everest, como diarreia por tomar neve derretida contaminada, simplesmente não acontecem aqui.

Após 6 horas de escalada lenta por causa do Peter, que a esta altura estava sendo praticamente puxado pelo Dean por uma corda, chegamos ao colo que separa o cume verdadeiro de um cume auxiliar. A altitude começou a se tornar mais presente, pois, apesar de ali estar a “apenas” 4.900 metros, com a extrema latitude (80 graus ao sul) e o frio, a montanha na realidade se comporta como se ficasse a 5.500 metros, pelo menos. Mas, para compensar, a parte que se segue é a mais bonita e interessante da escalada: uma crista de neve e rocha com paredes muito íngremes em ambos os lados, que me faz dividir minha atenção entre colocar cada pé exatamente no lugar preciso e olhar a paisagem que se descortina lindamente aos meus lados.

E assim, após mais de 1 hora de subida, finalmente estou no topo da mais alta montanha da Antártica. Com isso, completo um projeto que começou sem eu mesmo saber que estava começando, há 20 anos, na Austrália: fazer os Sete Cumes. A emoção que me invade é imensa e as lágrimas correm pelo meu rosto mas apenas por uns poucos centímetros antes de se congelarem com o frio imenso que está fazendo.

Dentro do avião de carga russo, que me leva de volta ao Chile, repasso os momentos tão intensos que vivi nessas duas semanas. Amei cada minuto. Mas, olhando aquelas planícies sem fim da Antártica, me volta o grande desejo de fazer a travessia de esqui da costa até o polo, plano inicial que não ocorreu por falta de patrocínio. Quem sabe em 2013?

Este texto foi escrito por: Manoel Morgado, para o Webventure

Last modified: janeiro 2, 2012

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