O alpinista brasileiro Waldemar Niclevicz anunciou às 9 horas de hoje o fim da expedição ao K2, a montanha mais perigosa do mundo (8.611m), situada no Paquistão. Segundo ele, a grande quantidade de neve no local e a morte de um alpinista provocaram a decisão. “Acreditamos ainda que não existam alpinistas suficientes para dar seguimento
aos trabalhos ainda necessários, ou seja, a montagem do acampamento 4, a 8.050m, isso tanto se a escalada for realizada pela
Tomo Cesen ou pela Abruzzos (as vias do K2). Este é, sem dúvida, o maior motivo da nossa desistência. Sem contar a morte do
romeno Mihai que nos deixou bastante abalados.”
Há dois anos nenhum alpinista consegue chegar ao cume do K2. As estatísticas mostram que até hoje 122 conseguiram completar a escalada e 54 morreram na tentativa, uma média assustadora de uma morte para cada dois êxitos.
Esta é a segunda vez que a Montanha da Morte vence Niclevicz. Em agosto, do ano passado, ele chegou bem perto do topo. Faltaram apenas 571 metros, mas ventos de 100km e a neve quase na cintura fizeram o alpinista adiar o sonho de ser o primeiro brasileiro a chegar ao cume do K2.
Foram 72 dias de tempo instável e desentendimentos na expedição que tinha, além de Niclevicz, o italiano Abele Blanc e o espanhol Pepe Garcez. Logo no começo da aventura, o trio desistiu de escalar primeiro o Gasherbrum (8.035m), como planejado, por causa do excesso de alpinistas no local.
Em seguida, partiram para Hidden Peak (8.068m), outro vizinho ao K2, e já estavam perto do cume quando esbarram no mau tempo. Niclevicz reuniu os alpinista que estavam no local e todos teriam decidido não arriscar um ataque ao cume. Mas, no dia 4 de julho, Abele e outro alpinista, Christian Kunter, resolveram completar a escalada e chegaram ao topo do Hidden, mesmo com ventos fortes.
A atitude irritou Niclevicz. “Por um lado estou contente que estejam bem e tenham conseguido escalar uma das grandes montanhas do mundo, mas, por outro lado, estou desapontado pelo individualismo de nossos companheiros e pela falta de respeito à própria vida”, comentou.
Dias depois, o brasileiro abriu mão de escalar o Hidden e voltou ao Gasherbrum. No dia 10 de julho, Niclevicz tornou-se o primeiro brasileiro a chegar ao cume dessa montanha. E aproveitou para pedir a namorada em casamento, num dos poucos momentos de descontração no Paquistão. “Essa vitória ofereço para a mulher da minha vida, Adriana Carioba, com que espero me casar assim que voltar ao Brasil.”
O maior golpe
Houve atraso de uma semana até ele e Abele chegarem ao K2. Garcez só se juntou aos companheiros dias depois, pois preferiu tentar escalar primeiro o Hidden. Seguiu-se, então, uma série de más notícias. Primeiro a morte do romeno Cioroianu, atingido por uma pedra durante a escalada. Depois, Niclevicz anunciou que estava com edema pulmonar. A doença seria a causadora da “tosse de montanha”, como dizem os alpinistas, bastante comum em grande altitudes.
Mas o maior golpe sofrido por Niclevicz foi a desistência de Abele, a quem considera um ídolo. “Qual não foi a minha surpresa hoje, mais que isso, minha grande decepção, quando Abele Blanc vira para mim e diz simplesmente que amanhã vai embora…”, escreveu. O experiente italiano preferiu voltar para casa ao saber que outros renomados alpinistas tinham desistido do K2 naquela semana, por causa das péssimas condições de tempo e da neve que chegava a 7 mil metros de espessura. Só permaneceram no K2 Niclevicz, Pepe, e uma expedição coreana.
Depois disso, Niclevicz passou mais 11 dias no acampamento base da montanha lamentando o mau tempo e ainda traçando planos para uma improvável escalada. Ele e Pepe teriam escolhido a rota Tomo Cezen, a mesma dos coreanos. Para usar as cordas fixadas pelos colegas, teriam de pagar um “pedágio” de 500 dólares.
No último relato enviado diretamente do K2, o paranaense previu que tempo continuaria ruim pela resto do mês e ainda revelou que haveria um coreano desaparecido. “O mau tempo trouxe muitos problemas para todos os que tentavam escalar alguma montanha do Karakorum. No Broad Peak, com 8.047m, apenas a 3Km do K2, está desaparecido um coreano desde sábado, provavelmente deve estar morto.” E encerrou: “Mais uma vez fui obrigado a respeitar forças infinitamente maiores do que a minha. O K2 está num momento de fúria, mas sei que posso ousar novamente. Um dia voltarei.”
Niclevicz retorna ao Brasil na próxima sexta-feira (6/08).
Este texto foi escrito por: Webventure
Last modified: agosto 2, 1999