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Maurício Neves fala sobre os problemas no último dia do Rally RN 1500

Redação Webventure/ Offroad

Maurício chegou a atravessar o carro na largada (foto: Theo Ribeiro/ www.webventure.com.br)
Maurício chegou a atravessar o carro na largada (foto: Theo Ribeiro/ www.webventure.com.br)

Maurício Neves, campeão do Rally RN 1500 de 2009 fala, em uma entrevista exclusiva para o Webventure, sobre a confusão que aconteceu no último dia de competição, quando liderou, juntamente com Riamburgo Ximenes e Stanger Eller, a decisão de não largar para o trecho especial. Confira, na íntegra, o depoimento do piloto:

Os primeiros dias da prova
Ninguém contava com o desafio da natureza, as chuvas. E já estava chovendo há muito tempo. Entendo os problemas que o Klebinho (Kleber Tinoco, organizador da prova) enfrentou, ele estava em uma situação complicada, mas ele tinha apostado nisso.

O rali começou complicado, com uma etapa muito curta. Era para ser uma prova longa, um bom preparativo para o Rally dos Sertões, acabou parecido com uma etapa do Campeonato Paulista, bem curto. A medida que os problemas vão surgindo, todos começam a ficar estressados. No primeiro dia o estresse não foi grande, ainda era o começo, tinha expectativa de melhoras. O segundo dia foi cancelado, não houve problemas dentro da trilha, mas gerou mais ansiedade.

Todos gastaram muito dinheiro para ir até o Rio Grande do Norte, estavam aborrecidos, mas entendendo o problema e que não era culpa da organização. No terceiro dia de prova, era um dia significativo, com 79 quilômetros por duas vezes e já era interessante, bastante variação de terreno.

O quilômetro 30 da prova, era uma passagem de rio muito difícil e só eu consegui passar. O Jean (Azevedo) ficou preso, depois o Felipe Bibas também. Ele tentou por outro lado e ficou preso. A partir daí, ninguém mais tentou e eu segui a prova normalmente. O rio estava com nível alto, o fundo dele não era bom, mas acho que o Jean passaria, mas deve ter tido algum problema. O Bibas errou, não tinha como ele passar pelo outro lado.

Todos fizeram um desvio, encontraram uma saída e voltaram bem à frente na trilha. A direção de prova e o comissário da CBA tentaram achar uma saída para achar uma saída e criaram, com ajuda do GPS, três trechos para a prova: o primeiro até o rio, o segundo após o rio até o radar e o terceiro após o radar. Nisso o estresse foi grande, pois muitos se sentiram prejudicados com essa decisão. Eu fui um deles, pois fui o único que não saiu do trecho inicial e no fim do dia, depois dessa decisão da organização, fiquei com a segunda colocação.

Isso já aconteceu comigo em 2004, quando o Ingo (Hoffmann) ficou preso em uma ponte e somente o Guilherme Spinelli e eu conseguimos atravessá-la, e a especial foi cancelada, tivemos que entender a decisão da organização (isso aconteceu no Rally dos Sertões de 2004).

Novamente, gerou um estresse enorme. Eu entrei com recurso que se fosse criada a alternativa para os outros pilotos, tomassem uma penalização de acordo com o regulamento. A cada ponto que não é passado, existe uma punição de dez minutos. Afinal de contas, eu passei em todos os pontos; mas o recurso foi indeferido. Eu poderia ter ganho essa etapa com facilidade, no entanto fiquei em segundo. E tudo foi juntando e às vésperas do último dia de prova, o nível de nervosismo dos competidores ultrapassava limites.

Para se ter uma idéia, estávamos nos posicionando para a largada e foi anunciado mais um corte de percurso, de 113 quilômetros para duas voltas de 33 quilômetros valendo como especial, no mesmo trecho. Mais uma vez, a especial não valeria 100% dos pontos e corria o risco de não valer nem a metade, se não realizasse as duas voltas (a quilometragem da especial foi anunciada no briefing do dia anterior e entregue as planilhas contendo os 33 km).

Os competidores que chegavam à linha de controle para largar atolaram pela quantidade de lama que havia ali. E nessas confusões, acúmulo de nervosismo, dois pilotos quase chegaram às vias de fato, tivemos que separar a confusão.

As notícias que chegavam via rádio sobre a especial das motos eram sérias: o Zé Hélio havia sofrido um acidente com suspeita de fratura, um piloto de quadriciclos foi resgatado com problemas na coluna.

Já havia um atraso mínimo de uma hora, e com isso, começamos a fazer as contas que todos os carros completariam a primeira volta e já estaria tarde para a segunda largada. E é proibido por regulamento largar após às 17h.

Eu, como um dos mais velhos, me senti na obrigação de fazer alguma coisa. Conversei com o Stanger Eller e o Riamburgo Ximenes, que são locais, comentaram que passariam cerca de 4 ou 5 carros, pois o piso não agüentaria. Juntando todas as informações, resolvemos conversar com todos os competidores, avaliamos os riscos e decidimos não largar para a especial. Iríamos largar para uma prova que talvez não contasse pontos para o Campeonato Brasileiro, arriscaríamos os equipamentos caríssimos bem próximos do Sertões, o resgate seria complicado, pois o helicóptero acabou batendo com as pás em um caminhão de uma equipe de apoio da KTM. Não haveria um resgate aéreo ativo, caso algum acidente acontecesse.

Reunimos todos os pilotos e navegadores, como numa assembléia, subimos em cima de um carro e expusemos todos os problemas. Fizemos uma votação para saber quem era a favor do cancelamento, mas como muitos levantaram a mão, ficou uma grande confusão. Realizamos novamente a votação, mas perguntando quem era a favor da realização da especial e somente um piloto levantou a mão, o Jean Azevedo. Neste momento, ele foi claro dizendo que gostaria de largar e era contra o cancelamento, mas como era minoria, abriria mão de sua vontade. Ele tinha o direito de não concordar, mas aceitou o que todos se propuseram: não largar.

Quando estavam todos reunidos, esta foi a posição do Jean. O Riamburgo até perguntou se o Jean correria sozinho, e ele disse que não iria sozinho. Ele foi voto vencido e o comissário da CBA acatou a decisão, comunicou o Deco e, neste momento, choveu muito forte, os pilotos já tinham entrado em seus carros com destino a Natal.

Foi quando o Jean entrou na freqüência da prova e disse ao diretor da prova que estava pronto para largar. Isso não pode acontecer! Você pode não concordar com a decisão, mas a maioria já tinha definido o que aconteceria. Muitos competidores já não estavam mais por ali e nada mais poderia ser feito.

Ele acabou fazendo uma pressão para largar e neste momento eu devo ter perdido a razão e tudo que tinha feito em prol do esporte, não dava para arriscar tanto para não conquistar 100% dos pontos. Me descontrolei, atravessei o carro em frente à largada, discuti via rádio com o Jean, com ele insistindo em largar e eu dizendo que a atitude dele era infantil. O Deco entrou no meio da confusão e comunicou que a especial estava cancelada, foi quando ele deu meia volta e foi embora.

Não houve briga, nem dedo na cara. Foi tudo via rádio e a prova inteira que estava na freqüência escutou tudo. Naquele momento o Deco falava com o Jean, o Jean dizendo que queria largar e eu falando que não ia largar! Virou um barraco.

Foi a primeira vez que os pilotos se reuniram e tomaram uma decisão. Isso só havia acontecido com atletas das motos. A direção de prova e a organização não tiveram responsabilidade, tinha tudo para ser perfeito mesmo. O único erro foi a decisão de prosseguir, seria melhor se fosse adiada. Poderia acontecer isso no domingo anterior a prova. As pessoas só viajaram a partir de segunda-feira.

Problemas anteriores – Não conversei com o Jean após a confusão, ele não estava na premiação. Nos cruzamos no hotel, no aeroporto. Estou tranqüilo, mas a situação entre nós já não era boa. Ele teve um problema no fim do ano passado e, por conta disso, tomaram uma punição e perderam o campeonato. Eu não tive nada a ver com isso, um comissário da CBA viu tudo e tomou as providências.

Aquilo trouxe uma situação ruim, já havia um clima estranho. O Jean é uma pessoa muito difícil de lidar, mas estou tranqüilo. Admiro o Jean por tudo o que já fez e conquistou nas motos, fui fã e admiro a coragem de sair das motos e entrar nos carros e ser um piloto competitivo. Acho que ele ainda conquistará nos carros todos os títulos que tem nas motos, mas como competidor, ele não teve uma atitude legal e não posso aceitar isso!

Comentário de Jean Azevedo – “Antes de qualquer coisa, aproveito este espaço no Webventure para deixar claro que não sou a favor de polêmicas, falta de união e brigas dentro do esporte. Nestes 20 anos, seja de moto ou agora de carro, sempre privilegiei atitudes que valorizassem a modalidade, mantendo a segurança de competidores, bem como a competitividade saudável, digna. Luto e sempre lutarei pela melhora e evolução do off-road nacional.

Em relação ao acontecido durante a última etapa do Rally RN 1500, também queria ressaltar aqui que em nenhum momento tive alguma discussão com o piloto Mauricio Neves. Além disso, e sei que algumas pessoas gravaram a conversa no rádio para comprovar, não ameacei largar nesta etapa final.

Vamos aos fatos: após a votação entre os competidores de carro pela não realização da última etapa, expressei a minha vontade de largar, pois havia conversado com pilotos de moto que já haviam andado na mesma especial e me disseram que ela estava segura. Ciente que não largaria sozinho, apenas entrei em contato pelo rádio, utilizando a freqüência da organização, para conversar com o Sr. Deco Muniz, diretor de prova, para confirmar o cancelamento. Após resposta do Deco que seria interessante falar com o Sr. Fernando Leal, comissário da Confederação Brasileira de Automobilismo, fiz o que me foi aconselhado. Novamente, via rádio, contatei o Sr. Fernando.

Como competidor profissional, sei que é necessário ouvir um pronunciamento oficial dos organizadores e autoridades cabíveis para confirmar qualquer tipo de cancelamento em um rali. Nada mais lógico do que isso. Após o segundo contato pelo rádio, com a explicação do Sr. Fernando sobre o cancelamento, o piloto Mauricio Neves entrou na mesma freqüência e simplesmente pedi para ele não interferir em minha conversa. Em nenhum momento quis discutir (o que não o fiz) e nem brigar. Não vejo nenhuma vantagem em nutrir qualquer tipo de confusão ou provocação. Apenas queria um esclarecimento. Uma posição oficial da prova, algo totalmente necessário naquele instante. Ao receber a confirmação do cancelamento segui em direção a Natal, naturalmente e sem demais complicações.”

Para o piloto Maurício Neves, os prejuízos serão menores se a prova fosse cancelada uma semana antes. Acompanhe o último trecho da entrevista:

A prova poderia ser adiada por motivos meteorológicos, o prejuízo seria menor. Minha equipe percorreu mais de dez mil quilômetros para chegar à Natal para eu ganhar uma etapa, ficar em segundo em outra e conquistar oito pontos. Não fiz nada!

Está claro que o RN 1500, assim como todas as provas que acontecem no Nordeste, nesta época, ficam inviáveis por conta das chuvas. Não dá para insistir. Hoje temos uma tecnologia que prevê o tempo dez dias à frente, não tem como brigar coma natureza.

Me senti mal em certos deslocamentos da prova por passar em vilas completamente alagadas, pessoas que perderam ou estavam para perder tudo, enquanto nós fazíamos rali. Isso mexeu muito comigo, fiquei constrangido, não tínhamos como parar para ajudar.

Premiação – Falei durante o briefing e na premiação, pedi desculpas à todos. Na premiação parecia um velório, alguns acharam que eu tinha surtado e quebrado tudo. Pedi desculpas pelo ‘barraco’ e não pela atitude, que se fosse necessário, tomaria a mesma decisão. Pedi desculpas pela confusão com o Jean, eu me descontrolei, mas fui muito sincero.

Este texto foi escrito por: Bruna Didario

Last modified: maio 5, 2009

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