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Melhores do Brasil visam Everest neste ano


Vítor (esq) e Rodrigo viajaram para a Bolívia para treinar. (foto: Divulgação)

Nunca houve tantas tentativas de brasileiros de chegar ao topo do mundo no mesmo ano. E nunca com tanta gente qualificada para isso. Foram anunciadas, no último mês, três expedições brasileiras que buscam o cume do Everest (8.848m) com os principais nomes do nosso alpinismo. E todos vão escalar sem oxigênio suplementar, ou seja, contando apenas com os seus esforços na grande altitude, onde o ar é rarefeito.

Já estão no Everest os paulistas Paulo, físico nuclear da USP, e Helena Coelho, ex-professora do Estado. Por enquanto, não há notícias do andamento da expedição, que não conta com telefone via-satélite. Será a quinta vez que o casal escala no Himalaia, sempre sem ajuda de carregadores, os famosos “sherpas”, nem cilindro de oxigênio.

Histórico – O Everest, por duas vezes, trouxe evidência à dupla. Primeiro, em 1999, quando desistiram de tentar chegar ao cume e, porque estavam no acampamento, conseguiram receber um pedido de ajuda e realizaram o complexo resgate do português João Garcia. O alpinista estava descendo do cume quando retornou para ajudar o companheiro de expedição, o polonês Pascal Debrouwer.

Com o frio intenso e a noite chegando, João se perdeu e teve parte do nariz e dedos das mãos e dos pés congelados. Foi encontrado por Paulo, socorrido e com ele desceu no dia seguinte até a base da montanha. Sobreviveu e continua escalando, mesmo tendo tido dedos das mãos amputados. Pascal não teve a mesma sorte: provavelmente sob os efeitos da altitude do Everest, se perdeu e teria sofrido uma queda fatal em um precipício.

Prêmio – O salvamento mudou, por alguns meses, a rotina de Paulo e Helena, com reportagens em jornais, revistas e TV. Dois anos depois souberam que, por este feito, foram eleitos para o Fair Play Prize (Prêmio de Ética), que equivale a um Nobel da Paz no esporte, oferecido pela Unesco e recebido pelo casal em cerimônia durante o último mês de março.

Discretos, eles nunca foram adeptos do marketing em cima de suas escaladas. Tanto que no ano passado, sem avisar a quase ninguém, foram ao Everest novamente e chegaram aos 8.300 m de altitude.

Por que desistiram tão perto? Paulo explicou, com a serenidade de sempre, durante o Circuito Webventure de Palestras, em 2001: “Tínhamos energia para ir ao cume, mas duvidávamos que conseguiríamos voltar com a mesma tranqüilidade”. E completou: “A montanha não vale uma ponta de um dedo nosso. A gente volta outra vez. Ela sempre vai estar lá, esperando.”

Neste ano, será mais um encontro, agora com o patrocínio de PowerBar e continuando com Iram Metalúrgica e Hi-Tec. E pode ser “o” encontro. De Kathmandu, capital nepalesa, Helena Coelho descreveu os planos de escalada com exclusividade, no último dia 15 de abril: “Sairemos amanhã de madrugada para a fronteira com o Tibet. Devemos fazer os trâmites de entrada na polícia de fronteira amanhã mesmo e subir para Zangmu ou Nyalan (que é nossa intenção). Vamos começar, então, o nosso trabalho de aclimatação, que inclui quatro noites em cidades do caminho antes de chegar ao acampamento base do Everest, a 5.200m de altitude”.

“Serão uns três ou quatro dias ali, para montagem de campo base e também para aclimatação. E, depois, subiremos para o Campo Intermediário (5.800m) e para o Base Avançado (6.400 m). Mais uns dois dias de aclimatação e aí começa a montagem dos acampamentos de altitude. Um no Colo Norte (7.000 m), outro a 7.800m e uma barraca apenas para fazer água a 8.300m”, conta. “Desceremos para descansar no Campo Base e, depois, e aguardaremos uma janela de tempo bom para ir ao cume.”

Sem levar oxigênio, “nem para emergência” – Helena lembra que “falar assim, parece fácil”. Mas não depende só deles. “As condições climáticas, o tempo para aclimatação são uma incógnita. Naturalmente, não levaremos cilindro de oxigênio, nem para emergência”.

Por que sem oxigênio? A comunidade dos alpinistas valoriza muito que alguém consiga superar os limites do ar rarefeito e todos os sintomas por ele provocados no corpo. Paulo Coelho, um dos mais experientes alpinistas brasileiros, tem sua explicação: “A idéia é ter o maior contato possível com a montanha e a essência da escalada em grandes altitudes. Quando se usa oxigênio artificial, você tem a sensação de que a montanha é menor, é como se trouxesse a montanha à sua altura”.

O paranaense Waldemar Niclevicz, acaba de anunciar sua ida ao Everest, escalando pelo lado do Nepal. Ele já possui o título de ser o primeiro brasileiro, ao lado do teresopolitano Mozart Catão, a alcançar o cume da maior montanha do mundo, em 1995, pelo Tibet. Outra diferença é que, desta vez, Niclevicz também quer chegar ao topo sem o uso do oxigênio artificial, recurso que teve para fazer o cume em 95.

Retrospecto – Em 91, quando ele pisou na montanha pela primeira vez, subiu até os 8.500m sem suplemento de ar. Não chegou ao cume. Em 2000, a caminho do topo do K2 (a segunda maior montanha do mundo, com 8.611m), em sua terceira tentativa, se viu diante da opção de deixar os cilindros de ar para não carregar tanto peso. Afinal, o carregador da sua expedição sofreu um acidente e não poderia continuar servindo aos alpinistas. Sem o ar suplementar, ele chegou ao cume ao lado do italiano Abele Blanc.

“O ideal é não usar, mas o oxigênio é praticamente aceito por grande parte dos alpinistas no mundo devido ao alto risco de não usá-lo após os 7.500 metros (a chamada Zona da Morte)”, explica Niclevicz. “Quem nunca esteve nesta altitude deve usá-lo, afinal as chances de chegar lá em cima sem ele são pequenas. Das 1.115 pessoas que chegaram ao cume do Everest, apenas 81 não usaram oxigênio suplementar sendo que sete delas morreram durante a descida”.

Niclevicz terá a companhia dos brasileiros que estiveram com ele, em 2001, no cume da parede da Trango Tower (Paquistão): Marcelo Santos, o Bonga, e Irivan Burda. Um quarto alpinista ainda não foi definido. Além do “teto do mundo”, os brasileiros planejam escalar, na seqüência, o Lhotse (8.501m), no mesmo maciço do Everest.

Desafio ainda maior – O objetivo é fazer a travessia Everest-Lhotse sem voltar ao acampamento-base. “Se tivermos condições, será assim. Se não, desceremos ao base, vamos nos recuperar uma ou duas semanas e depois faremos a investida ao Lhotse”, explica Niclevicz.

O alpinista e sua equipe estão em busca de patrocínio para a façanha. Enquanto isso, a preparação segue. “Temos três meses pela frente até a data de partida (agosto). Há dois meses estou realizando um trabalho fisiológico e já estou vendo os resultados. Isso me anima bastante”, finaliza Niclevicz. Ele vai aproveitar a expedição, que terá informações enviadas diariamente da montanha, para destacar este que é o Ano Internacional da Montanha, segundo decreto da Unesco.

Quem também vai investir no Everest neste ano é a dupla que conseguiu entrar para a história do alpinismo ao ser a primeira do Brasil a escalar o Aconcágua (6.692m) pela face Sul, considerada a mais difícil. O feito foi alcançado em janeiro deste ano, com partes da escalada coberturas pela maior rede de televisão do país. Os próprios “colegas” de alpinismo consideraram uma das maiores façanhas já realizados por brasileiros.

Do topo das Américas, Rodrigo Raineri e Vítor Negrete optaram pelo “topo do mundo”. O desafio foi anunciado pouco depois do feito no Aconcágua, durante um bate-papo com internautas do Webventure.

Rodrigo, de 32 anos, e Vítor, de 34, moram em Campinas (SP). O primeiro tem uma academia de escalada, a Grade VI, e guia seus alunos a montanhas. É instrutor de escalada em rocha há 11 anos e, em gelo, há três. A chegada pela face Sul foi a quarta vez que Rodrigo obteve o cume do Aconcágua, sendo as outras três pela chamada “rota normal” (noroeste). Como experiência fora da América do Sul, ele já esteve duas vezes no Mont Blanc (4.808m), na França.

Vítor também guia grupos, mas sua principal ocupação é como acadêmico da Unicamp em engenharia da alimentação. Já esteve três vezes no cume do Aconcágua, uma em cada rota conhecida: normal, Polacos e a Sul. Também participa de expedições com bicicleta e de corridas de aventura.

Treino visando o primeiro “oito mil” – Nesta semana, a dupla chega à Bolívia para escalar as montanhas Illimani (6.490 m) e Huayna Potosi (6.088 m), que ambos já escalaram anteriormente. O objetivo da viagem é intensificar o ritmo de treinamento, aprimorar o preparo físico e psicológico e ter contato com gelo e alta altitude. Será a primeira expedição depois da escalada no Aconcágua.

Ainda na busca de patrocínio, a expedição partirá em agosto deste ano, contando com carregadores e aparato tecnológico para comunicação. A tentativa no Everest, pela face Sul, também será sem uso de oxigênio e esta vai ser de cara a primeira experiência da dupla em um “oito mil”. Assim é chamada cada montanha com altura superior a esta. Existem 14 no total, são elas: Everest, K2, Kangchenjunga, Lhotse, Makalu, Cho Oyo, Dhaulagiri, Manaslu, Nanga Parbat, Annapurna, Gasherbrum, Broad Peak, Shishapangma, Pakistan.

Este texto foi escrito por: Luciana de Oliveira