Neblina no último dia (foto: Arquivo Pessoal)
Um certo dia descobri que se trabalhasse de forma firme e árdua, poderia realizar grande parte dos meus sonhos. Quando um sonho acontece, outro maior toma o seu lugar. Acredito que essa é a essência de quem vive, não apenas se deixa existir.
Foi assim que nasceu o meu barco, o Potara, que em tupy significa Querer, condição essencial para a realização dos sonhos. Foram dois anos e meio de trabalho e, finalmente, o Potara foi batizado num lago aqui em São Bento do Sapucaí (SP), onde ficou por um bom tempo, juntando limo no casco e nas amarras. Só depois que eu percebi que o limo maior juntava na minha cabeça, foi então que descobri um caminho para o Potara. Iria atravessar a represa da CESP entre Paraibuna e Redenção da Serra, em 15 dias.
Depois de tudo preparado, coloquei o barco num caminhão e seguimos para a represa. Uma falha no desembarque fez aparecer uma pequena ruptura no casco, atrasando a minha travessia em quatro dias.
Dizem que sexta-feira não é um bom dia para partir, mas como não acredito muito em crendices e achando que o pior já passara, mal amanheceu e eu já estava pronto para a saída. O primeiro dia na água foi de adaptação à minha nova casa, que balançava o tempo todo.
Dias na represa – A maioria dos meus dias na represa foram marcados pelo sol e, apesar do calor do meio-dia, não tinha vontade de nadar. Já à tarde, a temperatura cai bastante e, com a experiência, descubro que tomar banho à noite é mais fácil.
Depois de quatro dias navegando, uma longa península aparece bem na minha frente quase cercando meu caminho. Paro para descansar um pouco e sou abordado por um pescador que vem matar a sua curiosidade. Desde a partida, essa é a primeira pessoa com quem converso.
Contrariando todas as minhas previsões, as margens da represa são desertas e, na maioria, estão cobertas por plantações de eucaliptos. Com isso, tinha que confiar na minha bússola e nos poucos pontos de referência do meu mapa.
Meu último dia de remada nasceu especial. A neblina, companheira constante, parece que parou o tempo nessa manhã, atrasando o aparecimento do sol e tornando únicas as minhas fotos.
À tarde, um temporal desabou sobre a represa, o que me fez remar na chuva por um bom tempo. A saudade de casa e dos amigos transformou a noite em uma eternidade. O novo dia começou com uma fina garoa que nem chegava a me molhar e, em pouco mais de meia hora, cheguei na praia. Finalmente o Potara atingiu seu objetivo.
Sentado na proa, com a carranca olhando a cidade, sem pressa, esperava pelo caminhão que levaria o Potara de volta à São Bento do Sapucaí. Enquanto isso, fitava o horizonte relembrando os dias anteriores.
Pensando bem, nada no mundo é mais gostoso do que a vitória, por menor que ela seja, por insignificante que possa parecer. Somente os que lutam pelos seus sonhos conhecem esse valor.
Este texto foi escrito por: Nico Ferreira
Last modified: dezembro 1, 2006