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Minha Aventura: Aksa e as pedras no rim no Brasil Wild Extreme

Redação Webventure/ Corrida de aventura

Carla recebeu atendimento no meio do percurso (foto: Arquivo Pessoal/ AKSA)
Carla recebeu atendimento no meio do percurso (foto: Arquivo Pessoal/ AKSA)

Como todas as outras 57 equipes, muita expectativa, preparo, ansiedade e curiosidade cercaram os dias que antecederam o Brasil Wild Extreme. Incontáveis noites no Google Earth, muitos telefonemas entre a equipe para discutirmos suspeitas, informações novas e tudo que envolvia uma prova que tinha tudo para ser ímpar no Brasil, ou seja, uma prova longa e expedicionária em local com condições climáticas e ambientais totalmente diferentes das que já havíamos conhecido, e o sofrimento extremo já era conhecido.

Talvez o que tenha entristecido a equipe após ter sido a primeira a se retirar da competição tenha sido a privação de lá estar e viver, sofrer, rir, chorar, ajudar, ser ajudado, xingar e ser retribuído com um abraço…

Talvez o que tenha nos entristecido tenha sido o compromisso com nós mesmos de trilhar com sucesso um novo e diferente caminho chamado “Quarteto Misto longas”.

Nada pior que vc sentir-se forte, confiante, determinado como há muito não se sentia, e ser tirado da prova não por não agüentar o tranco, não por estar mal alimentado ou hidratado, não por não estar tão bem equipado ou com o psicológico 100% forte, mas sim por ter visto aquela paisagem toda que pretendíamos conhecer nos escapar das mãos e da visão por um cólica renal.

A ‘não possibilidade’ da mulher titular da equipe ir a esta prova na data marcada, nos fez buscar alguém, já que não tínhamos uma segunda mulher que fosse forte, e mais, tivesse ‘sangue nos olhos’ e não temesse dor ou roubadas, e foi ai então que surgiu a Carla Lima.

Carlinha foi escolhida não só por pedalar muito há anos e ter escolhido este esporte como seu hobby pessoal nos finais de semana. Não foi escolhida por ter em suas pernas a força já conhecida por um dos atletas AKSA.

Carla foi escolhida quando um dia, em tom de brincadeira, dissemos: “Se precisar vamos ter que comer calangos durante esta prova.” Assim que a frase foi completada, Carla com face séria completou: “Ué…se precisar mesmo nós comemos…” Risos seguiram-se pelo que acabávamos de ouvir e talvez pelo alívio em estar certo que ali estava a mulher certa que completaria tudo que já estava programado, e que sem ela jamais seria colocado em prática. Bem-vinda, Carla!

É certo que no remo já prevíamos uma má colocação, pois a Carla não tinha tanta afinidade com este esporte, porém, vale aqui dizer, que depois que ela estava remando há muitas horas, e eu vendo que ela nada mais ajudava na evolução do duck, por muitas vezes repeti: “Carla, pode parar um pouco, descansa os braços”, e claro, a resposta não poderia ser outra: “NÃO VOU PARAR!”. E mais uma vez, quase que involuntariamente, o sorriso silencioso vinha ao meu rosto.

Finalmente chegamos ao PC0 (escolha feita pela equipe). Na verdade, a estratégia inicial era eu e Carla descermos e fazermos um treking até este PC virtual, mas a atitude ponderada do Repolho (Ricardo Assumpção navegador) em pedir informação a um pescador em seu “barraco” à beira do São Francisco nos fez não só mudar a estratégia como perceber que, se caso tivéssemos seguido nosso plano, estaríamos em uma roubada já que, segundo tal pescador, a trilha era fechada, difícil e ficava no alto, logo, impossível de descer no momento necessário.

Assim que chegamos no PC0 começou nosso problema. Carla, acreditando tratar-se de uma dor muscular nas contas, deitou-se sobre uma tabua e puxou os joelhos em direção ao rosto acreditando que a dor passaria. Pediu Dorflex para os locais, que prontamente atenderam.

Bom, hora de ir, roupas quase secas, hidratados, mochilas reformuladas e mapa na mão. Daí por diante as dores de Carla tornaram-se rapidamente algo insuportável que faziam-na andar de cócoras.

Por duas vezes tentei colocá-la em carros que passaram por lá e essa menina, dura na queda, perguntou: “Quantos quilômetros tem esse trecho?”, e após responder que se tratava de uns 11 ou 12 quilômetros, ela acelerou o passo dizendo: “Então vamos acabar essa P… logo”.

Estes largos passos não duraram mais que um quilômetro, e depois de aceitar minha nova tentativa de colocá-la em um carro, Carla sucumbiu à dor. Ironicamente, este terceiro carro jamais passou por nós. Carla, deitada no chão, gemendo, e certa que se tratava de uma cólica renal. Tínhamos Buscopan nos suprimentos de primeiros socorros, mas ”caramba…ficou tudo com a outra dupla!”.

Percebendo que a chance de um novo carro passar era remota e eu não poderia mais contar com isso. Lembrei que estava com meu celular e que na minha lista de amigos tinha os celulares do Alemão e Julio (organizadores da prova). Tentativas em vão. “Esse número se encontra fora da área de serviço, favor tentar novamente mais tarde. O que fazer agora!? Como proceder?! Calma João! Vamos agir e não reagir”, dizia eu a mim mesmo.

Quando, pensando alto, praguejei: “Droga! Como vou falar com alguém!?”. Carla, a menina sem experiência, com dores inimagináveis por mim, disse: “João, aquele papel (race book) que vocês deixaram no hotel, eu achei que devia trazer comigo e está na minha mochila”.

Ufa! Estávamos salvos, lá estavam vários telefones para contato e, após algumas tentativas, falei com Paulinho, da organização, e que até hoje não sei quem era e tão pouco pude agradecer. PAULO, OBRIGADA POR SUA AJUDA!

E, após uma hora mais ou menos, e vários telefonemas para o celular das mais diferentes pessoas em nossa busca, pedindo referências, vem o alívio traduzido em duas luzes distantes, paralelas, mas que vinham em nossa direção. Equipe médica!

Engraçado que mesmo mantendo a calma, fazendo tudo que podia para aliviar a dor, e pensando com frieza, quase uma lágrima veio aos meus olhos, não por se tratar de algo que eu desconhecia, mas sim por uma profunda alegria e alívio em estar certo que aquela guerreira, finalmente, após de tantas provas seguidas de coragem, teria, naquela agulhinha, o seu prêmio ou reconhecimento garantido.

Após Buscopan intravenal e dipirona intramuscular, as primeiras palavras de Carla para o médico não mais me surpreenderam: “Doutor, você me dando estes remédios não desclassifica a equipe, né?”, e para alívio de consciência, sem motivo, e já se sentindo culpada por um possível insucesso da equipe, ela ouviu: “Não, Carla, isso não desclassifica”.

Porém, seguido desta informação, veio o conselho: “Eu preciso informar a vocês que ela está com uma pedra no rim. Essa pedra, assim como causou essa dor aqui, pode causar a mesma coisa mais para a frente. Além disso, todo atleta precisa hidratar muito! Em uma prova esta não existe a não hidratação, mas, para uma cólica causada por uma pedra, uma das precauções é a não hidratação até atendimento”, disse o médico.

Pronto, para mim estava claro. O fim da prova havia sido declarado.

Mesmo depois de dores durante o resto deste treking, parada para dormir e aliviar dor. Mesmo depois das dores fortes voltarem a ser sentidas já na chegada ao PC2, onde mais uma vez encontramos o médico, a Carla não queria parar e só concordou quando calmamente eu expliquei a importância dos rins durante a atividade de um corredor de aventura, e quais os graves riscos que ela corria.

No rosto de Carla ficou clara a tristeza, e explícita ficou a preocupação em nos prejudicar e sentir-se culpada na frustração de todo um projeto caro, esperado como um filho e com um bom resultado final muito certo, frente a tudo que havíamos feito para nos preparar.

O resto não é muito difícil de imaginar. A tristeza dos outros dois integrantes da equipe quando chegaram a nós. A busca de passagens aéreas e terrestres para voltar o mais rápido possível aos braços da esposa, filha, amigos, alguém que pudéssemos dividir tão pesado processamento de informações, e a busca por erros possíveis.

Eu busco hoje enxergar essa prova de forma a conduzir-me melhor nas próximas. Sei o que senti, o que cada um na equipe sentiu e, se tem a maior lição entre todas as que possam ser tiradas desta experiência é: tudo é imprevisível e a maior decepção não foi forte o bastante para me derrotar, não foi forte o bastante para derrotar a equipe AKSA e hoje foi transformada em uma singular lição de vida frente a todos os outros infortúnios causados por ela.

Gostaria, de verdade, elogiar a estrutura médica desta prova. O capricho que Alemão e Julio têm com suas provas é histórico, mas sempre as valorizei por conta das belezas naturais, e hoje faço aqui meu mais importante elogio por ter sido prova real da qualidade do atendimento médico e da rede de comunicação entre todos para nos encontrar…PARABÉNS À TODOS OS PROFISSIONAIS BRASIL WILD EXTREME.

E eu seria injusto em não declarar aqui minha admiração pela Carla. Só eu posso tecer tal elogio por ter sido o ‘dupla’ dela por todo esse distante curto trecho percorrido na prova. Em poucas palavras, vi muito mais competitividade, superação, sagacidade e simplicidade nesta menina Carla, que em muitos corredores que conheço, e parte, em mim mesmo.

Julio, Alemão, nos dêem outra chance! Montem logo outra prova como esta, algo único, desafiador e belo. Não só nós queremos isso, como o esporte corrida de aventura quer e precisa!
Parabéns!

Este texto foi escrito por: Webventure

Last modified: maio 13, 2008

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