Túnel levou atletas até a largada (foto: Alexandre Socci)
Equipe no Brasil Wild Extreme: Eu (Luciana), Scavuzzi, Josemar (substituindo nosso capitão Mauro) e Xuxu meu marido, navegador, correndo comigo pela primeira vez e no lugar de Marcelo. A chegada de Xuxu para integrar a equipe tornou nossos treinos ainda mais puxados. Ele pegava no pé!
Treinamos, nos reunimos, traçamos planos A, B, C…, tentamos treinar com Josemar (tão ocupado que treinava indo para o trabalho) e forçamos Scavuzzi a treinar. E durante todos os treinamentos, Mauro esteve presente como se fosse correr, dando dicas sobre tudo. O objetivo de completar a prova não parecia inatingível pelo programa da organização nem pelo tempo para corte, quilometragem etc.
Partimos para Paulo Afonso (BA) bem organizados! Chegamos com antecedência, mas os dois dias que se antecederam a largada foram bem movimentados: briefing, sacos de comida, suplementos, bike, logística.
No alojamento, tive contato com corredoras de vários lugares que já tinham completado o Ecomotion em 10º, 16º, 20º. A Rose, da Selva, já tinha feito o Desafio dos Vulcões e eu babava ouvindo suas histórias. Foi enriquecedor dividir quarto com tanta gente boa.
Largada: Segunda-feira, 10h30. Andamos em direção a barragem ao som do hino nacional. Descemos uma escadaria sem fim e sem luz até o túnel que nos levou ao deslumbrante cânion. Eu e Xuxu remaríamos de encontro aos nadadores, Scavuzzi e Josemar. Atrasamos nossa saída para ajudar outra equipe a consertar um furo no duck. Imaginem a muvuca! Gente gritando pra todo lado, cabeças na água, dificuldade de achar o povo (já vi esse filme!).
Um dos nossos ducks estava furado e tivemos que parar mais de dez vezes para enchê-lo. Combinamos as paradas com a hora de comer para otimizar o prejuízo de tempo. O cânion do rio São Francisco é a coisa mais linda! Só paredão! O vento contrário fazia ondas na água.
Xuxu se estressou comigo porque eu falava muito, e até ele entender que não consigo fazer corrida de aventura calada (é na corrida de aventura que se conhece as pessoas, depois de 13 anos juntos, heim!), eu só conseguia alisar a água.
Depois mais de 20 quilômetros remando quase sozinho, o que lhe rendeu uma tendinite, começamos a cantarolar juntos e nos entendemos. Esse negócio de correr com marido é um problema! Imagina remar 63 quilômetros calada?! Tá louco! Eu não agüentaria de tédio.
Scavuzzi e Josemar remavam tão forte que se distanciavam demais. Tive que ameaçar destituir Scavuzzi do cargo de capitão para que nos aguardassem.
O tempo passava, passava, o braço doía tanto que parou de doer, as pernas não tinham posição, anoiteceu, deu 7, 8, 9 horas e lá fomos nós. Como demorava!! Era água que não acabava mais. Lá pelas tantas, a cidade para onde íamos surgiu no horizonte em forma de luzes. PC1!
Chegamos! As pernas não obedeciam. Não conseguíamos ficar de pé. Muitos já haviam seguido, estávamos em 42º lugar, mas aquilo era só o começo. Não pegamos PCs virtuais para evitar desgastes. Fomos para o PC2. Como nosso plano era dormir de 1 a 2 horas por dia antes do amanhecer, procuramos abrigo e achamos um passeio estreito.
O cachorro não se pronunciou, a casa estava fechada e nos acomodamos. Mas o movimento de equipes era tão forte que incomodava. Não foi uma boa dormida! Como relações públicas da equipe, fui pedir água quente para o capuccino delicioso que Sandrinha mandou por Scavuzzi.
Fizemos um trekking forte até o PC2. Quanto mais o pé doía mais rápido eu andava. O caminho era sinuoso, tinha muito mandacaru e cansanção, coisa que veríamos até o fim da prova. Ah! E tinha cobra cascavel e jararaca, tinha caranguji (Gongo!), lagarta pra caramba e muita cabra!
No PC2 encontramos com várias equipes descansando. Comemos, bebemos, compramos sanduíches e partimos. Já chegamos no PC3 na segunda noite! Haja perna! Passávamos horas e horas sem ver nada que lembrasse civilização, mas dali até o PC4 foi rapidinho. A cidade era tão enladeirada quanto o Pelourinho, e o ginásio ficava no alto. Chegamos! Hora de encontrar com as caixas, fazer um capuccino e dormir um pouco.
Pegamos as bikes e partimos rumo aos PCs 6 e 7. Achei rápido, cerca de 7 horas, ou mais?! Josemar sentiu o ritmo e paramos numa sombra por algum tempo. Fiquei até habilidosa na bike, pulei uma vala que meu bumbum foi parar no bagageiro! Usar as sapatilhas foi um descanso para os pés, que já estavam reclamando.
A chegada ao PC7 foi uma parada para Josemar tomar soro. Tiramos o couro do rapaz! Aproveitei para pedir comida na casa de Dona Maria de Lourdes. Comemos feijão, carne de bode, macarrão e arroz. Conversamos muito, gratificamos e fomos embora, porque já era meio de tarde.
A idéia de subir a serra me enchia de energia. Uma animação impressionante! Toda hora perguntava pelo azimute, se tava conferindo, se era por ali mesmo, quanto faltava etc. Em nenhuma praia vi tanta areia como lá, mas a coisa só estava no começo. Entrava areia no tênis e os calos só pioravam. Era areia branca mesmo, de mar, fininha, conchinha, lagarta (argh!).
Fiz o trekking de meias e foi muito confortável. Josemar andou de papete, e Xuxu e Scavuzzi não reclamaram de nada. No sertão tem muito córrego também. Eles cortam as trilhas a qualquer momento. Tirávamos os calçados para passar e continuar com os pés secos.
O pôr-do-sol foi dos mais deslumbrantes que já vimos. Em cima da serra mora D. Maria de Lourdes que é parente de D. Maria de Lourdes lá de baixo. Paramos para o cafezinho com biscoitos… e capuccino! A luz era de candeeiro igualzinho lá na roça.
Comecei a contar pra D. Lourdes do meu tempo de criança, o que eu estava fazendo ali, porque eu gostava de ficar no mato e os meninos começaram a me chamar. Deixei lembranças pra D. Maria de lá de baixo e fomos embora.
Tem que ter uma pessoa na equipe com a função de me chamar na hora que eu estiver conversando demais! Mas tem que falar com calma, porque sou desobediente! Quando percebo que falei muito, já perdemos muito tempo. Tem que profissionalizar esse negócio! O pessoal da ponta estava a mais de 20 horas na nossa frente. Que esculhambação! E continuamos no nosso trekking!
O Xuxu-navegador brocou. Acertava todas e eu só fazia pentelhar. Conferiu o azimute, Xuxu, é por aqui mesmo!?. Ainda andamos muito. Dava para ouvir a dobra da minha perna fazendo TEC! TEC!, mas como sou durona, nem dava bola.
Scavuzzi parecia um bêbado contando uma piada atrás da outra e a gente ria o tempo todo. Acho que foi nesse caminho que comemos a famigerada farofa de ovo com calabresa que quase matou o meu marido!
Ah, tomei banho! Foram três banhos em cinco dias e escovava os dentes sempre que queria, andando mesmo. Os meninos é que aproveitaram que não tinha ninguém vendo e não quiseram saber de banho, nem de escova. Obriguei a usar, pelo menos, um desodorante porque tinha horas que era um absurdo! Francamente, não dava para ficar perto!
Daí, Xuxu começou a apresentar uns sintomas de intoxicação, como enjôo e ânsia de vômito. Chegamos ao PC8 num ritmo mais fraco. Mas dali até o PC9 que foi uma novela mexicana. O homem não conseguia pedalar! Aliás, ninguém conseguia pedalar naquele areial!
Xuxu estava mal mesmo, mas quando dava pra pedalar o miserável dava linha na gente! Fizemos o trecho num ritmo lentíssimo, parando muitas vezes. Josemar carregava duas mochilas e duas bikes, Scavuzzi administrava a situação e eu caía a cada quilômetro. Foram mais de dez quedas, comecei a quebrar o pau com a Judite, minha bike, porque ela não me obedecia, estava muito pesada etc.
Ficava pensando como é que alguém poderia ser tão cruel a ponto de colocar a gente num lugar daquele!? Que absurdo! Que sofrimento! Eram muitos dias! Era muita cueldade!! Muita areia! Muito deserto!
Eu só queria ir pra casa, mas concluindo a prova, claro! Sonhava com a cama do alojamento do Exército, mas antes tínhamos que chegar no PC9 para acabar com o sofrimento de Xuxu. Quando Petrolândia (PE) deu o ar da graça, saímos do areial e fomos para uma lama dura que me fez torcer o tornozelo, mas sou casca grossa mesmo e nem liguei.
Já no PC9, na quinta a noite, Xu foi para a enfermaria e nós fomos tomar banho, comer e tomar capuccino. Quase montei uma barraquinha de capuccino. Vinha gente de todo o Brasil tomar nosso capuccino! Dormimos duas horas e ficamos no PC por 6 merecidas horas. Saímos de madrugada para o trecho final da prova, mas não menos cruel.
Que povo miserável! Que sofrimento! Xuxu melhorou, mas não conseguia remar por causa da tendinite. Eu e Scavuzzi ficamos num duck e Josemar remou sozinho. Nesse trecho de remo, a vegetação era bem diferente do outro.
Quando amanheceu vimos um verde deslumbrante, tinham fazendas próximas ao rio, redes de pesca, criatórios de peixes. A cidade submersa estava ali em baixo. Cumprimentávamos os moradores e chorávamos de rir com histórias malucas. Eram 48 quilômetros até Paulo Afonso (BA).
Na portagem (sair do rio, passar pela barragem e voltar ao rio novamente), nos embolamos com os ducks, que pesavam muito. Tentamos de tudo. Perdemos um tempão pensando no que fazer, quando Josemar se irritou, esvaziou tudo e carregou na cabeça.
Eu e Xuxu dividimos as mochilas, sacos e remos e os outros carregavam os ducks! Foi difícil! Depois de muita luta, enchemos os botes e continuamos a jornada, que durou o dia todo, rumo a chegada.
Chegada: Sexta-feira, 21h00. Quando acabou, deu vontade de começar tudo de novo e fazer melhor!
Este texto foi escrito por: Luciana Freitas Leal
Last modified: abril 22, 2008