Webventure

Minha aventura: de bike pelo Pantanal


Paulo em um dos momentos de descanso apreciando a natureza (foto: Arquivo pessoal)

Mimoso, terra natal do ilustre brasileiro, patrono das comunicações: Marechal Cândido Rondon. Está situada em pleno Pantanal, ladeada pelas Baías de Chacororé e Sia Mariana, pelo Rio Mutum e tantos outros, como o Rio Cuiabá que se interligam com as baías.

Após um período de planejamento e preparação, estava tudo em ordem: bike, suprimentos e equipamentos para acampamento. Ao todo, 40 quilos de bagagem.

Iniciei a viagem saindo de casa no dia 19 de julho de 2006, as 6h30 da manhã. Passando pelas ruas do meu bairro, logo alcancei a saída da cidade e peguei a BR em direção à Santo Antônio de Leverger. Após 20 quilômetros, parei no Posto da Polícia Rodoviária e deixei com os policiais uma bela e nova calota de um VW, que encontrei no acostamento.

Recebi algumas informações, votos de boa viagem e segui em frente, parando de quando em quando para tomar água e evitar a desidratação (na semana da viagem, a umidade do ar estava baixíssima).

Chegando a Santo Antônio, liguei para casa dando notícias e tranqüilizando a família apreensiva. Afinal de contas, o ciclista completara, com a graça de Deus, 53 anos. Aproveitei para abastecer os recipientes de água, tomar refrigerante para refrescar e aumentar o astral. Acabou o asfalto. Daqui para frente, só estrada de terra cascalhada com a famosa “costela de vaca”, muita pedra e poeira.

Obras – Nos 13 quilômetros seguintes, a estrada estava em obras, com grande movimentação de maquinários e caminhões. O piso da estrada estava cheio de buraquinhos, formado pelo rolete “pé de carneiro” e uma trepidação de soltar obturação do dente. Mas estava pedalando com uma satisfação tremenda, alegre e ansioso em conhecer a região Pantaneira.

Ao meio-dia parei no rio Aricazinho. Desci com a bike sob a ponte, me refresquei no rio, preparei um almoço bem caprichado e comi com satisfação a primeira refeição preparada na viagem.

Hora de seguir. Recoloquei tudo em ordem na bike e saí as 14h30 pedalando tranqüilo. As 15h40 cheguei à Barra do Aricá. Desde Santo Antônio meu celular estava fora de serviço, fui então a um orelhão na comunidade para dar notícias para a família. Feito isso, procurei um local para montar acampamento. Uma moradora permitiu que eu ficasse no cantinho da chácara, bem na foz do Rio Aricá com Rio Cuiabá, uma beleza de lugar.

Dormi bem a noite e saí de lá as 8h30. Como disse no início, estrada dura para bike, muita pedra, cascalho com areia, costela de vaca, mas muita coisa bonita pra ver. Ouvia sons de pássaros e sentia o aroma das flores silvestres. Tinha também pequenos lagos formados ao lado da estrada, com aves se banhando, pequenos jacarés e peixes.

Em determinado trecho, em frente a Fazenda Tamandaré, após um breve descanso sob uma sombra de árvore, reiniciei a pedalada e logo tomei um susto. Haviam dois touros enormes, um de cada lado da estrada, em seus respectivos pastos, mas querendo brigar. Cavavam o chão com as patas e esturravam. Passei entre os dois de pernas bambas, com medo de pularem a cerca quando me vissem. Levei uma boa distância para ficar tranqüilo.

Depois de um trecho com muitas subidas, cheguei a Porto de Fora ao meio-dia. Parei na lanchonete do posto para comer e descansar. Aproveitei também para telefonar para a família. Eram 14h30 quando saí em direção a Mimoso. Trajeto muito bonito, com belos riachos e pântanos.

Ao avistar Mimoso, uma satisfação espetacular. Desde menino, estudava na escola sobre os feitos de Marechal Rondon. Conhecer sua terra natal me emocionou muito naquele momento.

Cheguei as 17 horas e, passando pelo trecho de asfalto da Colônia (povoado), com suas belas chácaras ao pé do morro descendo para o pântano. Logo encontrei uma moradora junto à porteira da chácara e pedi permissão para acampar próximo à entrada, no que fui prontamente atendido por ela e seu filho.

Noite – Ligação feita pra família do orelhão ao lado do Memorial Rondon, que está em construção, voltei para montar acampamento. Com a barraca montada, logo anoiteceu. Lampião aceso, preparação do jantar, banho de balde tomado, barriguinha cheia e noite bem dormida.

Acordei as 6 horas da manhã e fiz um bom café. Arrumei com calma a bagagem na bike, me despedi de Dona Shinda e aproveitei para fotografá-la. Logo, mandarei as fotos pelo correio.

Saí da chácara em direção ao Memorial Rondon, onde fotografei o local. Segui rumo ao rio Mutum, onde cheguei as 10 horas. Precisei ficar embaixo da ponte, junto com outras pessoas que por lá estavam, esperando passar uma grande boiada. Assim que passaram, subi, atravessei a ponte e acampei do outro lado do rio. Havia ficado uma vaca no meio da ponte com a perna quebrada (buracos na ponte de madeira ocasionaram a quebra). Segundo os boiadeiros, é comum acontecerem vários acidentes com animais nessa travessia, apesar do cuidado de uma equipe em reparar o tablado da ponte.

Sob a ponte armei acampamento. Local excelente, lindo, onde pretendia ficar duas noites. Mas aí entra a história de que tem onça preta nas imediações, inclusive ter sido avistado por várias pessoas, segundo me contou um senhor mimosense. Mas nenhum ataque a pessoas foi registrado próximo à ponte. Mas tinha o fato de ter uma vaca machucada a menos de 10 metros da minha barraca.

Depois do jantar, fiz uma grande fogueira e fiquei acordado, pescando em cima da ponte. Lá pelas 23 horas de uma noite lindamente estrelada, desci para a barraca, arrumei a fogueira e coloquei mais lenha. De vez em quando parava uma caminhonete para ver a vaca e todos faziam um comentário sobre a onça que viria comê-la. A noite ia e eu aqui embaixo, sozinho com a adrenalina batendo forte. Fiquei nesta situação até não mais agüentar de sono.

Lá pela uma da manhã entreguei os pontos. Coloquei algumas coisas para fazer barulho em volta da barraca, entrei e me fechei. Orei pedindo proteção a Deus. Acordei às 5 horas com uma caravana de ralizeiros que pararam para ver a vaca, que também escapou da onça. Só não escapou dos boiadeiros que logo chegaram e sangraram a coitada.

Eu com “decisão tomada” em partir após o almoço, curti o que pude a parte da manhã no belo lugar. Já havia usufruído a tarde anterior, antes da tal história da onça. Após um suculento e caprichado almoço, arrumei tudo na bike e parti por volta das 14 horas rumo à Mimoso.

Porto de Fora – Chegando lá, fui direto ao colégio me abastecer da excelente água, telefonei para a família e saí as 15h30 com intenção de pernoitar em Porto de Fora. Sabia que o horário seria apertado e que não seria fácil acampar no trecho, pois era pantanoso. Portanto, tinha que pedalar com regularidade. Não sei se por causa de pedalar contra o relógio, mas parece que o trajeto fica cada mais longo, difícil de vencer – ou talvez por causa da noite mal dormida por culpa da onça. Só sei que começou a anoitecer e faltavam cerca de dois quilômetros.

Cheguei ao posto as 18 horas. Tomei um refrigerante e pedi permissão ao proprietário, que já me conhecia da passagem da ida, para montar acampamento no pátio, no que fui prontamente atendido e ainda me ofereceu para usar o banheiro do posto para tomar um banho. Acampamento montado e banho tomado, fiz uma refeição caprichada. Fiquei de papo com um senhor que cuida do posto e da borracharia.

Nisto chega uma van de turismo com várias pessoas que precisavam arrumar os pneus. Conversando, falaram que tinham visto uma onça preta enorme, atravessando a estrada bem tranqüila, no trecho depois da ponte do rio Mutum, bem naquela mata. Mal sabiam eles que eu havia dormido sozinho na cabeceira da ponte na noite anterior. Quando contei a eles, disseram que eu escapei de uma boa, só não tremi porque estava em lugar seguro, mas a sensação não foi nada boa.

Depois que a van partiu, fui dormir para recuperar o sono perdido. Levantei as 5h30, arrumei a bagagem na bike e esperei abrir a lanchonete para tomar o café da manhã. Telefonei para a família – nunca mencionando a tal onça -, abasteci os recipientes de água e parti as 8h30 rumo a Barra do Aricá.

Foi um trecho duro com sol muito quente, sem contar a poeira, aliás, poeira não faltou nos trajetos de terra da viagem. Além disso, o trecho tinha pedra, cascalho com areia. Passei novamente pelo trecho dos touros, mas eles não estavam lá e logo cheguei na boa sombra solitária. O sol estava muito forte e descansei cerca de 20 minutos, conversando com duas pessoas que chegaram de bicicleta, vindas de uma fazenda próxima. Nos despedimos e seguimos rumos diferentes.

As 11 horas a fome apertou e parei para fazer o almoço. Caprichei no rango para dar força no pedal. Preparei até uma limonada, só faltou um gelinho. Descansei um pouco após o almoço, arrumei tudo na bike e pé na estrada. As 12h30 cheguei à Barra do Aricá. Ao lado havia uma grande festa com muita gente, alguns vieram falar comigo e insistiam para que comesse com eles. Mas eu já tinha comido feito um leão pouco antes. Agradeci o convite e eles me trouxeram uma vasilha com três tipos de doces: doce de leite, de batata e de laranja. Fiquei sensibilizado e muito grato.

Saindo dali fui para o local onde havia acampado na ida. Na lanchonete, pedi refrigerante e comi o delicioso doce, não todo porque era muito, reservei parte para o jantar. As 14h30, segui com intenção de pernoitar no rio Aricazinho, onde cheguei as 16 horas e pedi para o caseiro da Fazenda permissão para acampar na beira do rio. O local é muito gostoso, montei a barraca e fui tomar um banho de rio. Brinquei na água até entardecer, me vesti e fui pescar. Peguei uma bela de uma jurupoca. O jantar estava ganho. Preparei um belo de um ensopado. A noite foi bem dormida, sem medo da onça.

Reta final – Na manhã seguinte, arrumei tudo na bike e saí em direção a Santo Antônio, trecho de estrada em construção, pedalando com cuidado, muito pó. Cheguei na cidade as 11 horas. Parei no início da cidade em uma sombra de mangueira.

As 15 horas, cheguei ao Posto da Polícia Rodoviária e parei para me abastecer com água gelada. Abasteci, bebi, agradeci e pedal para Várzea Grande, com muito cuidado na BR, já que o número de carretas é grande. Atravessei o rio Cuiabá e, em seguida, entrada para a cidade. Com cuidado fui chegando e revivendo cada belo momento desta minha aventura, pensando… relembrando… quarteirão a quarteirão cheguei em casa as 17 horas de 24 de julho. Feliz e muito bem de saúde, sem assaduras, entorses, dores, somente o cansaço natural de um esforço bem administrado com a graça de Deus.

O odômetro da bike registrou a distância: 309 quilômetros, ida e volta.

Este texto foi escrito por: Paulo Toschi