Aventureiros arrumam as motos em frente à Cordilheira dos Andes (foto: Arquivo pessoal)
Saímos no dia 1 de novembro por volta das 7h30 e retornamos no dia 29 de novembro, por volta das 17h, um dia antes do previsto. No último dia rodamos cerca de 680 quilômetros, pois estávamos ansiosos para voltar para casa.
A expedição foi realizada com duas motos Falcon, compradas especialmente para a viagem. Foram adquiridas com certa antecedência, para dar tempo de testá-las e avaliar características e robustez.
Partimos de Elias Fausto (SP) com destino a Foz do Iguaçu (PR), atravessando a divisa com a Argentina. A partir daí, estávamos fora do lugar comum, imerso em cultura, costumes e língua diferentes, aprendendo a cada dia um pouco mais sobre nossos vizinhos. As cidades-chaves na Argentina foram: Posadas, Corrientes, Resistencia e San Salvador de Jujuy.
Corrupção – No Brasil e na Argentina, as maiores dificuldades enfrentadas foram relacionadas à polícia rodoviária, pois são extremamente corruptas. Na Argentina fomos parados por eles durante toda a travessia e faziam questão de vistoriar todas as nossas documentações na esperança de arranjar uma brecha para extorquir dinheiro, mas estávamos preparados para essa situação. Até extintor de incêndio nos cobraram, mas mostrei a eles a legislação de trânsito Argentina que eu carregava comigo, onde estava escrito que esse item é dispensável para motocicletas. Quando não havia mais o que procurar, solicitavam uma “ajudinha” para pintar a guarita.
Em Possadas, por volta das 22h30, pegamos uma rota proibida para motos e a polícia de trânsito nos parou imediatamente. Disseram que seriamos multados por duas infrações e que custariam 400 pesos argentinos, podíamos pagar diretamente a eles ou ficaríamos presos até segunda-feira. Ainda argumentei sobre os avisos de proibição, que eram inexistentes, mas os dois policiais ficaram irritados e começaram a falar alto. Então eu pedi perdão, pois éramos brasileiros e não conhecíamos as regras de trânsito da cidade, disse também que não tínhamos dinheiro, que estávamos de passagem pela cidade e que precisávamos abastecer e ir para um hotel.
Eles disseram que se déssemos dinheiro a eles nada aconteceria conosco. Pedi então para nos levarem a um posto de gasolina, lá eu poderia pensar em algo melhor para sair daquela situação. Chegando ao posto, os guardas ficaram longe para ninguém desconfiar. Enquanto isso, eu pedia para os frentistas nos ajudarem de alguma forma, eles ficaram indignados com a situação e disseram que deveríamos sair por trás do posto de gasolina, foi exatamente o que fizemos, fugimos e voltamos para a estrada na esperança de encontrar um lugar para dormir. Esses policiais devem estar nos esperando até agora. Isso é o que dá tentar passar brasileiros para trás.
A próxima etapa foi chegar ao Chile através do caminho fronteiriço denominado Passo Jama, com paisagens impressionantes. Essa estrada atravessa sinuosamente a Cordilheira dos Andes, a mais de 4.500 metros de altitude, o que exige certa cautela para evitar o “mal de altitude”, que causa dores de cabeça e náuseas, dentre outros sintomas. A travessia precisou ser feita vagarosamente para o organismo se aclimatar, não esquecendo de beber muita água.
Imprevistos acontecem. Quando estávamos subindo os Andes, nos distraímos com fotos e filmagens. Quando vimos, tomamos um susto, pois o sol já estava se pondo. Ainda faltavam cerca de 40 quilômetros para Susques, onde passaríamos a noite. Nos apressamos para não pegar o frio intenso da cordilheira.
A má visibilidade ocasionada pela escuridão acabou causando um acidente. O Dario se chocou com um burro que estava atravessando a pista. A colisão foi violenta, pois meu parceiro estava a cerca de 80 km/h. Foi assustador ver a moto se desfazer e ver o rapaz ser lançado a metros de distância por causa do impacto. Ele passou a noite no hospital, mas graças a Deus não sofreu nada mais grave que escoriações.
O equipamento de proteção foi fundamental para sair ileso do acidente. Esse acontecimento minou minha confiança e por um momento me perguntei se valia a pena continuar a viagem. Seria esta a pior eventualidade que enfrentaríamos? Não ficamos doentes durante a viagem, mas enfrentamos umas crises respiratórias por causa do ar seco e empoeirado do deserto.
Chegando ao Chile, o destino foi a cidade denominada San Pedro de Atacama, situada no deserto de mesmo sobrenome, muito conhecida dos expedicionistas e viajantes. Chega a ser um ponto de parada obrigatório. Aos arredores desta cidade ficam o “Valle de La Luna”, região mais árida de todo o deserto, e o “El Tatio”, local repleto de Geisers.
O trecho no Chile foi pequeno e a viagem seguiu para Uyuni, na Bolívia. Ali está situado o “Salar de Uyuni”, que é a maior planície salgada do mundo. Ainda na Bolívia, o trajeto seguiu pelas cidades de Oruro e La Paz, chegando finalmente à divisa com o Peru.
Belezas do Peru – No Peru, o trajeto incluiu principalmente as cidades de Puno, Nazca e Cuzco. Próximo a Cuzco está a notável Machu-Pichu que dispensa apresentações. Em Nazca está o objetivo mais distante da viagem, as “Linhas de Nazca”, constituídas de imensas figuras de animais ou geométricas traçadas no solo plano do deserto, cujas linhas se constituem em extensas esteiras de pedras. O curioso é que, de tão extensas que são as figuras, elas não são perceptíveis do solo, mas apenas por vistas aéreas, dando margens a cogitação das razões pelas quais foram feitas e dos efeitos que podem causar.
O retorno ao Brasil foi feito através da Bolívia, passando pelas cidades de La Paz, Cochabamba, Santa Cruz, San José e Puerto Suarez, na divisa com o Brasil. O retorno ao nosso país foi feito por Corumbá, mas isso não significa que a viagem tinha acabado, pois ainda restavam cerca de 1.400 km até chegar ao ponto de partida.
Durante todo o trajeto enfrentamos longas horas de viagem, chuvas torrenciais de alagar estradas, desertos infindáveis, montanhas geladas, altitudes de tirar o fôlego, de forma que seria impossível não passar fome, dor, calor ou frio, mas foi tudo suportável por alguém que já esteja um pouco calejado por aventuras. Não chegamos a ficar nenhuma noite sem dormir, talvez tenhamos dormido mal alguns dias por pura ansiedade referente às dificuldades que nos aguardavam no dia seguinte.
As motocicletas se comportaram bem durante o trajeto. Por serem carburadas, apresentaram falhas durante a queima de combustível em altitudes elevadas, mas isso era de se esperar. O máximo que precisamos fazer foi retirar o filtro de ar para corrigir esse problema. Nem o acidente do meu parceiro foi o suficiente para comprometer a parte estrutural e mecânica da moto. Somente no último dia de viagem minha moto amanheceu com o pneu furado, mas de todos os males esse foi o menor que poderia acontecer.
Acredito que a viagem em si tenha sido uma grande experiência, pois foi uma lição que contribuiu para o amadurecimento e crescimento pessoal.
Aprendemos a conviver com pessoas de comportamentos totalmente diferente dos nossos e, acima de tudo, aprendemos a respeitar suas crenças e seus costumes. Fica difícil dizer o que mais gostamos durante a viagem, mas acredito que a beleza natural dos lugares por onde passamos foi o que mais nos fascinou. Vimos de perto a Cordilheira dos Andes, atravessamos o Deserto do Atacama, passamos pelo deserto de sal de Uyuni, pelo Lago Titicaca, vimos lagoas salgadas, azuis, verdes e vermelhas, animais exóticos como lhamas, guanácos, vicunhas, viscachas e flamingos, conhecemos as Linhas de Nazca e Machu Pichu. Estes são lugares de beleza ímpar, rodeados de mistérios e fascínio, as palavras são poucas para descrevê-los.
Procurei sempre me comunicar com os moradores dos lugares por onde passamos para saber mais sobre eles, suas experiências de vida e histórias. Eram pessoas pobres e sofridas, sem estudo, mas que tinham muito a ensinar. Passamos por povoados minúsculos e com poucos recursos, mas por incrível que pareça, sempre tinha uma lojinha com acesso à internet. Foi assim que atualizei o blog da viagem.
Durante a travessia dos Andes, na divisa da Argentina com o Chile, encontramos uma garota, Aletea, viajando sozinha de moto com seu cachorro. Passamos a viajar juntos, pois ela também queria atravessar o Deserto de Atacama. Essa travessia foi mais demorada do que o esperado. Atrasamos dois dias no cronograma, pois ela, por uma questão física, era mais lenta que nós nas estradas. Ela levou diversos tombos durante o caminho e nossa presença foi fundamental para seu sucesso. Depois que chegamos a Uyuni, ela confessou que estava há duas semanas esperando companhia para a travessia.
Logo nos separamos, pois os caminhos já não coincidiam mais. Ganhamos tempo mais a frente sacrificando dois dias de descanso. No final das contas, conseguimos cumprir o cronograma e não desviamos de nenhum objetivo. Chegamos a nos perder no Atacama, pois os caminhos se dividiam e depois se dividiam novamente, cheguei a pensar que teríamos que passar a noite no deserto mas, por pura sorte, encontramos pelo caminho algumas pessoas que conheciam o percurso.
Cansaço que compensa – A viagem foi extremamente cansativa, mas nada que uma boa noite de sono não revigorasse. Valeu a pena, a experiência, o aprendizado e a diversão compensam cada segundo de sacrifício.
Gastamos algo em torno de R$ 2.700 em 29 dias de viagem, incluindo alimentação, estadia e combustível. Valor irrisório pela experiência. Ainda não parei para pensar em outra viagem. Por enquanto, os objetivos são outros, mas é difícil para alguém de natureza inquieta ficar parado por muito tempo.
No total foram cerca de 9.700 quilômetros de estrada, dos quais cerca de 1.000 eram de terra, o que nos proporcionou uma grande oportunidade de crescimento pessoal e que agregou também experiências que influenciam na vida profissional. Afinal de contas, mais importante do que coragem para se chegar a um objetivo, é a capacidade de planejamento.
Thiago de Castro Serra, analista de sistemas, 32 anos, idealizador do projeto.
Dario Forti Martins, publicitário, 26 anos.
Este texto foi escrito por: Thiago de Castro Serra
Last modified: dezembro 14, 2006