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Minha aventura: Equipe Paradofobia conta detalhes sobre o Desafio de Los Volcanes


Ponte tibetana no trecho final (foto: Arquivo pessoal)

Depois de muita batalha por patrocínio, de repente lá estava eu, embarcando para Buenos Aires. Tudo aconteceu muito rapidamente e acho que só nos demos conta de que estávamos ingressando no Desafio de Los Volcanes quando realmente chegamos lá.

De Buenos Aires foram 20 horas de viagem na van do nosso apoio Pablo até chegar na cidade da largada, San Martin de Los Andes. Muita correria na preparação de tudo e muita coisa tivemos que deixar de lado. O tempo foi muito apertado e infelizmente não tivemos como testar nossos kayaks e nem organizar toda a logística do nosso apoio.

Dia 25 de março, domingo de sol. A largada estava prevista para às 14h e nós tivemos que colocar tudo na van numa certa correria para chegar na largada a tempo de ainda comer nossa última refeição. Mas quando chegamos lá tivemos uma surpresa: esse dia tão ensolarado era também um dia de ventos muito fortes. A largada era de kayak e o lago estava repleto de ondas

As bandeira dos países representados na prova estavam fincadas na areia e se agitavam sem parar com o tufão que lá estava presente. Daí vem o primeiro boato de que a modalidade da largada seria alterada. Por um lado, um certo alívio por não ter que largar de kayak naquela situação, mas por outro uma certa decepção por não fazer o percurso originalmente desenhado.

Mudanças – De repente surge Guri, o criador do percurso, dizendo que exigia a presença de todos às 13h30 para um comunicado. Estávamos todos nós lá imaginando o que poderia ser, mas sabíamos que alguma coisa iria mudar. Às 13h30, com um megafone na mão, ele anuncia que a largada foi adiada para o dia seguinte, no mesmo horário. Para alguns uma decepção, mas para outros um motivo de alegria.

Nós éramos os mais felizes no momento, porque sabíamos que teríamos um dia a mais para fazer tudo que não tinha sido feito. E foi assim que agimos. Testamos nossos kayaks, fizemos neles pequenos reparos, preparamos nossa logística de sono e de alimentação e plastificamos os mapas, coisa que não tínhamos feito até então!

No dia seguinte, tudo de novo. Guardamos nossas coisas na van e, ao olharmos para o céu, podíamos ver o vento movimentando rapidamente as nuvens. Imaginamos como estaria o lago, mas sabíamos que daquele dia não passava. Mas quando chegamos mais uma grande surpresa: não existia vento algum! Era como se o Guri tivesse feito uma mágica porque as condições estavam perfeitas para a largada. O frio na barriga começou ali. Kayaks alinhados, todo mundo preparado. Estávamos prestes a ingressar numa das mais duras corridas do mundo, o Desafio de Los Volcanes. Numa contagem regressiva de 10 segundos, Guri gritava de um pequeno barco na beira d’água. Foi dada a largada da sétima edição da prova!

Saímos remando em kayaks duplos por um lindo lago de águas claras, buscando ao longo da costa as placas dos PCs virtuais. Logo ali já podíamos ver o nível das equipes argentinas, que sumiam de nossas visões. Mas isso não nos preocupava porque sabíamos que estávamos numa prova de sete dias. Em seguida, um trekking de 10 quilômetros, que fizemos todo correndo.

Havíamos combinado de começar a prova num ritmo tranqüilo para depois ir crescendo. Mas, com a euforia da largada, isso se tornou impossível! Depois do trekking voltamos aos nossos kayaks para fazer os mesmos 35 quilômetros de remo de volta, dessa vez buscando os PCs virtuais na outra margem. Nesse momento já estava escuro e frio e pudemos ter uma idéia do quanto sofreríamos durante as noites.

Chegamos de volta ao PC3 e encontramos nossa equipe de apoio, que nos recebeu com uma maravilhosa sopa. Com isso foi possível amenizar um pouco o frio que sentíamos no momento, mas não tínhamos idéia ainda do frio que sentiríamos naquela noite.

Pegamos nossas bikes e saímos pedalando forte para esquentar. Nesse trecho de 70 km conseguimos passar algumas equipes e isso nos animou muito. Mas o frio começava a ficar muito forte e a sensação era de que estávamos congelando.

Muito frio – Quando o Tico olhou para mim levou um susto! Minha roupa já estava branca, coberta de gelo e parei imediatamente para colocar um anorak por cima. As mãos e os pés estavam completamente dormente e a nossa sorte foi ter chegado à fronteira. Lá havia uma lareira e chá quente e isso nos salvou. Tivemos que ficar lá por cerca de uma hora para conseguir descongelar. Quando a equipe Cosa Nostra chegou, nós estávamos de saída. Faltavam ainda 30 km e chegamos ao PC4 logo que amanheceu.

Havíamos planejado de pagar algumas horas de sono ali, mas a organização nos informou de que não seria possível. Tivemos que preparar nossos equipamentos obrigatórios, comer e sair logo em seguida.

Sabíamos que o trecho pela frente seria muito difícil. Nele, teríamos um duro trekking para encarar os primeiros trechos de cordas. E essa foi uma das partes mais bonitas da corrida. O visual era inacreditável! Um lugar muito árido, de vegetação baixa e muitos espinhos. A terra escura vulcânica era pesada e nos fazia afundar, o que nos impossibilitava de correr em descidas muito íngremes. Parecia que estavamos esquiando! E no fundo, nada mais nada menos que o maravilhoso vulcão Lanin.

A subida para o PC foi violenta, com muitas pedras soltas. A chegada ao topo foi realmente uma recompensa. Depois disso um rapel numa cachoeira linda, que demorou um pouco devido ao congestionamento gerado pelas equipes que lá estavam. Nessa hora a prova embolou mais uma vez. Em seguida do rapel veio a maior ascensão da prova! Num paredão chamado de Garganta do Sapo as quatro cordas estavam penduradas, mostrando os 70 metros livres a subir. As pessoas que lá estavam pareciam formigas perto da imensidão daquele lugar. E na prova foi o tempo todo assim. As montanhas mostravam seu real tamanho quando chegávamos perto.

Depois daquele duro trecho, retornamos ao PC muito felizes e satisfeitos! Havíamos passado pelo primeiro grande obstáculo da prova. As equipes que não conseguiram subir foram eliminadas ali mesmo. Não existe tolerância nenhuma pelos organizadores da prova. Se um integrante da equipe não subir ela está toda fora da competição.

De volta ao PC, finalmente conseguimos parar algumas horinhas para descansar. Foram quatro horas no total, contando transição e sono e, de lá, saímos para mais um trekking de 40 km.

Saímos antes do amanhecer e ainda fazia muito frio. Seguimos sem parar e, com um pouco de euforia, acabamos nos perdendo. Encontramos muitas equipes perdidas nesse trecho de mata fechada com bambu. Ficamos muito tempo batendo cabeça até que achamos o CPO, onde deveríamos cruzar o lago

Perdemos algumas posições mas isso nunca nos deixava para baixo. Cruzamos o lago, quando nossa vez chegou, em três botes que já estavam quase vazios. Dali, seguimos no interminável trekking beirando o rio. Muitas vezes conseguíamos ver o Vulcão Lanin, esse presente em quase toda prova. Depois de muito tempo de trekking finalmente chegamos ao CPO de transição para bike. Nossos apoios não estavam lá, mas haviam deixado comida e bebida junto às bikes. Aproveitamos o sol que ainda restava para fazer o perigoso downhill de 16 km que abria esse trecho.

Subida perigosa – Muitas pedras soltas na descida e mais uma vez passamos pela fronteira. No fim do trecho perigoso chegamos numa pequena cidade, que durante a prova era coisa rara.

Em seguida, uma subida de 4 km, que não era pedalável e que exigia que colocássemos as bikes nas costas. Um sufoco para subir… Mas quando finalmente chegamos ao PC o lindo visual compensou. Ali estava quase anoitecendo e conseguíamos ver do outro lado do vale a subida cavernosa que ainda teríamos que encarar.

Esse trecho de pedal foi realmente desgastante. Ainda encaramos um outro perigoso downhill de noite até chegar no PC. Muita pedra e erosão e eu estava com pouca luz. Nessa hora a equipe desceu toda junta, usando o que havia restado de farol, até finalmente chegar no PC. Estávamos exaustos e decidimos pagar seis horas de sono. Meu tornozelo estava muito inchado e nosso apoio Edson fez uma sessão de gelo para tentar amenizar a dor. Mas acho que o cansaço é grande e nessa hora a dor parece ficar menor.

Acordamos e nos aprontamos para encarar um trecho de 35 km de kayak, saindo de um rio e terminando num lago, ainda no escuro. O rio era muito raso e encalhamos muitas vezes. Quase viramos na primeira corredeira e decidimos parar por uns 40 minutos na margem, perto de uma fogueira armada por uma outra equipe que ainda dormia. Foi o tempo de clarear e assim conseguíamos nos orientar melhor dentro do rio. Mas mesmo assim tivemos que sair e carregar os kayaks inúmeras vezes até chegarmos no lago. Já no lago, podíamos avistar o PC e nosso apoio que lá estava para recolher os kayaks.

Transição rápida e saímos para um trecho de trekking e costeira. Andamos bem nesse trecho e encontramos muitas equipes emboladas. Conseguimos despistá-las pelos pastos e com isso chegamos na frente no CPO de travessia em via ferrata. Eu nunca tinha visto isso e coloquei rapidamente minha cadeirinha de escalada e me posicionei na beira do rio.

Foi nessa hora que eu escutei o fiscal de PC falar: Vai carioca, isso é fácil para você! Eu tinha que atravessar nadando! A cadeirinha, mosquetões e a corda eram apenas para não deixar que a força do rio me levasse. E sem pensar muito mergulhei na água gelada. Mas a água era muito gelada! Meu coração disparou no mesmo momento, defesa do nosso corpo para suportar aquela situação. E acho que o corpo não suporta muito tempo naquela água, tanto que quando saí estava anestesiada.

Mas tudo bem, passado aquilo eu só queria que minha roupa secasse. E seguimos em ritmo forte de trekking para esquentar. Entramos na costeira que parecia interminável e pegamos os dois PCs virtuais até chegar no PC e encontrar com nossa equipe de apoio.

Essa hora é sempre gratificante porque comemos bem, trocamos de roupa e saímos “novos” para o trecho seguinte. Purê de batata, sanduíche, suco… tudo isso se torna maravilhoso! Nos aprontamos para encarar o maior trecho de canoagem da prova, noite a dentro.

Conseguimos aproveitar ainda umas 2 horas de luz e isso nos ajudou a avistar a direção e os PCs virtuais no caminho. Tínhamos que remar 42 km naquele lago interminável. No kayak oceânico, não conseguimos uma boa posição então, depois de um certo tempo, o simples “sentar” e esticar as pernas se torna complicado. Nesse momento procuramos cantar e conversar para fazer o tempo passar, até enfim avistar as luzes do próximo PC.

Transição – Mais uma vez fizemos uma rápida transição e saímos para fazer nosso último trecho de bike, que iria durar a madrugada toda. Fazia muito frio, como em todas as noites, e tentávamos parar o mínimo possível para não congelar.

Os downhills estavam muito perigosos e estávamos quase dormindo em cima das bicicletas. Percebemos que estávamos nos arriscando demais e decidimos parar por 30 minutos para dormir um pouco. Eu sabia que essa decisão me prejudicaria um pouco porque sinto muito frio, mas procurei agüentar firme. E passados os 30 minutos, eu já estava batendo queixo, sofrendo.

Cortamos o cobertor de emergência e eu coloquei alguns pedaços por dentro da minha roupa para ajudar a aquecer. E assim pedalamos forte e assinamos o PC em 16º lugar. Ali decidimos dar uma parada de quatro horas para dormir e descansar, pois estávamos entrando nos trechos de trekking que iriam fechar a prova.

Fazia muito calor na hora que saímos do PC, mas levávamos nossa mochila carregada de roupas de frio, água e comida. Mas acho que não calculamos corretamente o trecho que viria e levamos pouca comida. Eu percebi isso cedo e por isso comecei a economizar no que podia.

Sanduíche eu levei apenas um, então dava pequenas mordidas para que não acabasse logo. E assim fomos pelo enorme trecho de trekking rumo ao PC 12. Fizemos uma opção mais longa de ir direto por uma estrada. Mas o que parecia mais complicado se tornou mais simples, uma vez que as outras equipes se perderam pelas trilhas.

Nessa hora nos encontramos com a equipe Trópicos, do Brasil, e eles estavam perdidos há muitas horas. A única opção que eles não haviam tentado, e que era a opção certa, era seguir direto pela estrada até o PC. Mas nós também não sabíamos disso e a dois quilômetros do PC (descobrimos isso muito depois) entramos numa trilha à esquerda e subimos uma montanha.

Ali subimos muito e quando chegamos ao topo, nos deparamos com um dos mais bonitos visuais da prova. O céu estava rosa e podíamos ver os diversos vulcões da região, com seus picos nevados. Estava anoitecendo e ainda tínhamos a esperança de chegar ao PC com luz. Mas escureceu e lá estávamos nós, perdidos.

Batemos cabeça durante muito tempo e começamos a ficar com sono e com frio. Decidimos abrir a barraca e acampar, pelo menos para descansar um pouco. Os ventos sopravam com muita força e assim passamos a noite na montanha.

Depois do descanso, a percepção do erro – Logo ao amanhecer nos levantamos e começamos a procurar mais uma vez o PC. Depois de algumas idas e vindas nos demos conta de que o erro aconteceu muito atrás e então começamos a voltar para o início daquela trilha.

Quando batemos de volta na estrada, seguimos na direção que devíamos ter seguido e depois de andar dois quilômetros, lá estava o PC. A vontade foi de chorar, mas ao mesmo tempo foi uma alegria saber que estávamos de volta no caminho certo.

Não tínhamos mais comida e o PC 13 estava longe. Conseguimos algumas bolachas de água e sal no PC e aquilo foi o suficiente para nos animar. Seguimos felizes em direção ao PC 13 e diante de toda aquela beleza, o trecho passou “rapidamente”. Fomos cantando e quando nos demos conta já estávamos próximos. Foi uma grande alegria chegar ao PC 13. Nossa equipe de apoio havia deixado comida lá!

Pagamos a última hora de sono que devíamos, mas não dormimos. Ficamos sentados comendo e arrumando as coisas para o trecho final da prova. Guri, o organizador da prova, nos felicitava dizendo que já éramos vencedores. Com essa alegria encaramos o final da prova.

Seguimos para um grande trecho de cordas, que mais parecia uma gincana. Primeiro uma tiroleza, depois uma ponte tibetana, depois um jumar. Mais duas horas de trekking no escuro para encarar os dois últimos trechos de jumar, numa enorme cachoeira. Naquele momento, tudo estava maravilhoso. Havíamos sobrevivido aos vilões da prova e nos faltava subir o Vulcão Villarica, o mais esperado.

Nessa noite, o frio não nos pegou porque estávamos muito bem agasalhados. Subimos ao PC 14, nos glaciais do Villarica e ainda paramos para tirar fotos no lugar tão bonito. Depois de finalmente conquistar o vulcão, iniciamos a descida para finalizar a prova.

Passamos a noite toda descendo aquele enorme vulcão. Muita pedra, areia, e descida… só descida. Acho que foi só ali que nos demos conta do quanto havíamos subido. Sofremos com o terreno irregular até que finalmente chegamos à estrada. Ainda tínhamos que andar oito quilômetros. O sono começou a tomar conta e já estávamos começando a tropeçar quando nos deparamos com uma equipe dormindo no canto da estrada. Para nossa grande surpresa aquela equipe era a Cosa Nostra Sul Brasilis, também brasileira.

Acordamos nossos amigos e fomos conversando juntos até o PCO para pegar nossas bikes e cruzar a linha de chegada. Estávamos muito felizes!

Além de completar o Desafio dos Vulcões sem cortes, em 12º lugar, também faríamos uma chegada 100% brasileira. E foi mesmo uma festa! Chegamos cantando a música dos Vulcões, acordando os moradores de Pucon, brindamos no pódio e lá ficamos por bastante tempo, batendo foto, brindando e comemorando.

Sem dúvida essa prova foi uma das nossas maiores vitórias na corrida de aventura.

Manuela Vilaseca
Coordenadora de projetos

Este texto foi escrito por: Manuela Vilaseca, equipe Paradofobia