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Minha Aventura: Estréia inesquecível no Chauás Fast Night


Manoela durante a prova (foto: Roberta Spiandorim/ www.webventure.com.br)

Primeiro foi o Jéferson que, mesmo sem querer, me fez notar que algo estava errado: “Você tem certeza de que vai se inscrever nos 80km?”. Fingi que estava segura e respondi o email: “Claro que sim”.

Daí em diante as notícias só pioraram, a começar pela previsão de tempo. São Pedro mandara avisar que não teria dó dos aventureiros do Chauás. Depois foi o Lucas quem lançou outra bomba: o trecho de natação teria a “supervisão” nada convidativa de jacarés. Minha mãe teve um chilique. Fiz novamente que não era comigo e botei o pé na estrada ao lado de Guilherme De Biasi, com quem faria dupla na “estréia mundial” da equipe X-PRESS Sundown.

A semana que antecedeu o Chauás foi de preparação intensa. Havia remado uma boa quilometragem no sábado, encarado uma corrida de 10 quilômetros, seguida do primeiro mountain bike dos meus 29 anos de vida. Um tombo de batismo rendeu alguns roxos na perna e um ralado no cotovelo esquerdo como troféu. Achava eu que estava pronta para desafiar minha primeira corrida de aventura.

Até sair do Rio foi tudo muito tenso: comprar tênis, bússola e óculos, arrumar bike, ir ao supermercado, arrumar os equipamentos, almoço, Dutra… Lá pelas tantas, quando os caminhões e a chuva da Régis Bittencourt já consumiam nossos nervos e Iguape não chegava nunca, Guilherme solta a pérola derradeira: “Pois é, vai ser minha primeira corrida noturna e também a primeira prova com mais de 80km que vou fazer!”. Fantástico. Era Guilherme quem ia navegar. E a organização já avisara que os caminhos seriam os mais tortuosos possíveis. “O que estou fazendo aqui?”, me perguntava.

Em Iguape – Uma e meia da manhã, chovia e fazia frio. Iguape parecia deserta. No coretinho da praça da basílica o Jéferson me esperava com o mapa. “Falta mais alguém para chegar?”, perguntei, pensando em uns amigos de Brasília que estavam pra chegar. “Falta só um quarteto”, respondeu ele. “Não é a Oskalunga, não, né?”, rebati. “Isso mesmo, são eles, ainda não apareceram!”. Bem, pelo menos estávamos bem acompanhados na roubada.

Primeira missão, achar um hotel, o que só foi conseguido na segunda tentativa. Segunda missão, passar para o papel as coordenadas dos PCs. Sim, havia vida em Iguape e ela estava toda dentro da pizzaria em frente ao coreto. As head lamps apontavam para baixo, na direção das canetinhas coloridas, curvímetros, réguas e mapas.

Enquanto a lasanha não chegava, Guilherme se debruçava na mesa pra traçar os pontos, até que resolvi pedir ajuda pra turma ao lado, o Fabio, o Fabiano e o Rubão, da Endurance. Pegamos uma cola com eles, trocamos umas idéias e fomos dormir. Já era três da matina.

A gente sempre acha que 60 minutos é muita coisa. É nada. Inventamos de acordar às 9h, com uma chuva fina e tempo cinza entrando pela janela. Era o meu primeiro “instante anterior” a uma prova de corrida de aventura. Confesso que estava meio desnorteada. Havia deixado tudo mais ou menos pronto na véspera antes de dormir, mas a sensação era de que estava sempre faltando algo. Insistia em recapitular cada segundo que havia passado em companhia da Oskalunga e da equipe Madeira quando fiz apoio pra eles no Try On Adventure Meeting e no Brasil Wild. Isso era tudo o que a minha “grande experiência” mostrava. Engoli um pão com geléia (apesar de não gostar de geléia, sei que é um energético com algum valor para quem vai “ralar”).

Chegamos para a checagem de equipamentos assim, meio que desconfiados. A fila era grande e tratamos de ir montando as bikes antes de nos estressar com o resto. PÂ-NI-CO! As porquinhas que prendem a roda tinham saído e caído na mala do carro. Não uma apenas, mas as duas: a da frente e a de trás. Respirei fundo, ignorei meus 5,25 graus de miopia e achei ambas, com as respectivas molas. Pronto, bike a postos. Quer dizer… o freio de trás não funcionava, estava desregulado agarrando na roda. Heeeeeeeeeeeelp! Outra vez lembrei do curso de mecânica de bicicletas que deixei de fazer na Special Adventure antes do Brasil Wild… Ai, ai. Sorte que a Endurance estava por perto, com meu anjo da guarda Fabiano pra salvar a pátria.

Lucas não foi nada “fofo” no briefing. Falou dos jacarés, do asfalto escorregadio, da lama e lembrou que as equipes perdidas no trekking podiam rezar pra encontrar algum dos quartetos da Expedição de 150 quilômetros, que chegariam ao mesmo trecho de noite para salvar a turma…

Largamos. Minha idéia era ir “no sapatinho” porque não sabia como meu corpo e minha cabeça iriam reagir. O asfalto era um bom início para quem, como eu, tinha pouca (ou quase nenhuma) prática com mountain bike. A subida do morro, por sinal, foi boa. O problema é descer (ainda mais com a desculpa de não ter freios confiáveis). Todos os que eu ultrapassava caminho acima passavam batidos por mim ladeira abaixo. Fazer o que…Café-com-leite é assim mesmo.

Depois de muita lama e chuva, chegamos ao PC2/ AT1. Batata cozida, twix, gatorade e lá vamos nós para o trekking. O Guilherme mandou bem. Não sei como, mas ele conseguiu ver naquela selva toda um pedaço de mato amassado que, no mapa, recebia o nome de trilha. Parecia que tudo caminhava para dar certo até que no meio do caminho tinha um rio. Um rio todo torto, todo igual, sempre igual. E o danado do azimute dizia que estava tudo bem. Eu que o diga, entra no rio, sai do rio, vara mato, volta pro mesmo lugar e nada acontecia. Até que tivemos a linda (e óbvia) idéia de voltar pro ponto onde a gente sabia que estava certo e onde havia traços de vida humana. Um garoto de peixeira na mão apontou a direção correta e mais do que isso disse que estava indo para lá mesmo. Era só seguir. Eram 18h de um trekking que começara às 13h30min.

Com o guia – O bichinho ia batendo o facão de um lado pro outro e o vara-mato era menos sofrido. Encontramos as primeiras duas equipes semi-perdidas. Jair, nosso “guia”, explicou a direção do portinho do Cardoso, nossa próxima parada. Nos pediu total atenção nas quebradas e seguiu seu rumo carregando uma garrafa de pinga e cinco quilos de arroz. “Vocês vão chegar lá de noite, hein!”, alertou. Ligamos as head lamps e ele se admirou. Talvez estivesse pensando o quão louca é essa gente de cidade grande.

A noite caiu e a gente já tinha dado algumas voltas pelo mato. Encarávamos nosso primeiro mangue quando mais luzinhas apareceram no mato. Pouco antes da meia noite, já éramos oito duplas (quatro masculinas e quatro mistas) decidindo, juntos, o melhor caminho para tirar o pé da lama.

– Azimuta!
– Vara-mato pra norte!
– 330!! Nordeste!
– Vamos pra leste agora!

Essas eram as palavras de ordem no início da madrugada. Acabava um mangue, começava outro. E nada da trilha aparecer. E nada do PC dar as caras. E nada do final feliz fazer menção de sorrir pra nós. “E eu que reclamei que a Régis Bittencourt não tinha sinalização”, resmungou um dos perdidos na selva.

Algumas meninas começavam a reclamar de frio. Minha head lamp tinha caído em algum lugar obscuro do caminho e eu seguia na luz de almas bondosas como o Guilherme, Cesinha, a Ju e a Alessandra. Os homens se juntavam, de tempos em tempos, para traçar novas rotas. Até que apareceu uma trilha de verdade parecia uma avenida na mata! Todos se animaram, as pessoas riram de nervoso, até que a trilha acabou. E voltou o vara-mato, vara-mangue, vara-rio. Sim, porque a essa altura, por volta de duas da manhã, já tínhamos nos localizado, identificado o tal do Rio Una da Aldeia e acreditávamos estar nas cercanias do PC.

– Ô pecêêêêêêêêêêêê! Responde! (Silêncio)

Priiiiii, priiiii, priiii. Eram os apitos na calada da noite. Que continuava caladinha…

Apareceu um cano de PVC. Assim, no meio do nada. Cesinha, da K3, pergunta o que significa esse sinal de civilização fincado no chão. “Significa que entramos pelo cano”, respondi, tentando rir para não chorar.

Às três da manhã, mesmo com os cajados abrindo corajosamente passagem na folhagem densa, já não estávamos muito animados para prosseguir. Em bom português: já estávamos de saco (quase) cheio. Optamos forçadamente por esperar o dia clarear e seguir viagem. Sabíamos que parar por três horas em uma prova curta nos custaria boas colocações, mas parecia ser a alternativa mais coerente visto o panorama da nossa “excursão”: frio, fome, cansaço, desânimo de alguns. Abrimos espaço no chão úmido, rasgamos o saco dos cobertores de emergência, ficamos os 16 bem próximos para espantar o frio. Ouviu-se um ronco e gargalhadas gerais, naturalmente, a seguir.

Beto tentou fazer um fogo com Ju, Alexandre afastava-se do grupo e, a cada retorno, era interpelado como se os que estavam sentados estivessem vendo alguém novo se aproximar. “Não, galera, sou eu, Ale”. Invariavelmente era vaiado. Guilherme deu sua meia seca para Alessandra. Eu fazia as contas de quanto de comida teria para a travessia a remo.

O sol raiou, mas não espantou o frio. Pelo contrário, a manhã parecia mais gelada do que a noite. Seguimos viagem e em pouco tempo avistamos a trilha, o barranco, os ducks.

Eu que sempre achei que devia ser proibido por lei federal uma pessoa remar duck, estava é feliz de ver aquelas jamantas amarelas e laranjas. O garotinho do PC sorria sem entender de onde surgia aquela gente toda. As duplas, que até então formavam uma equipe, já se separavam em direção à “re-largada”. A partir daí, cada um seguiria seu caminho, procuraria o melhor barco, buscaria ser o mais rápido.

A recompensa – Estava inteira, Guilherme também. Partimos sem medo pelos 20 quilômetros do rio Una da Aldeia. Pouco à nossa frente, apenas duas duplas masculinas. Fizemos o remo em 3h24min, o quarto melhor dentre todas as equipes do Chauás Fast. O pedal final também não foi dos piores. Ao contrário, o sétimo mais rápido de todos os times participantes. Gratas surpresas.

Nunca vou esquecer a sensação de chegar no coretinho de volta, os Kalungas buzinando nos quilômetros finais de dentro da caminhonete. A foto, a medalha, o aplauso solitário da mocinha que anotava os tempos dos sobreviventes. Ficamos em quarto lugar, uma estréia inesquecível. A certeza de que vivemos algumas horas especiais em nossas vidas, com muitos desafios, companherismo e novas descobertas.

Mas… Lucas, cadê os jacarés?

Este texto foi escrito por: Manoela Penna