Pueblo Colonial (foto: Arquivo Pessoal/ Manuel de Carvalho)
Uma chuva moderada caía, a temperatura estava em torno dos 16 graus e o clima lá fora não era muito diferente do que reinava dentro da minha casa. Nora, minha mulher, não queria de maneira nenhuma que eu fizesse essa aventura, pois achava muito arriscado encarar esse desafio sem ter um patrocinador.
Ela tinha razão: enfrentar uma viagem dessas com recursos escassos é uma loucura. Por outro lado, quanto mais dificuldade, mais interessante para o aventureiro. E assim, nesse clima, saí de casa às 9h do dia 2 de outubro de 2005.
Depois de pilotar quase cinco horas sob a chuva, parei para abastecer e almoçar na cidade de Miracatu, às 16h30 já estava em Curitiba e às 19h parei em Mafra, Santa Catarina, para jantar e pernoitar. A primeira noite dormi num hotel aconchegante, com ótimo café da manhã e saí às 6h, ainda sob a penumbra do fim da madrugada. Não estava muito frio ainda, entretanto, quando cheguei perto da Serra do Espigão, a região mais alta de Santa Catarina, o frio fez ranger os dentes.
Falta de combustível – Eram quase 11h, quando cheguei ao Rio Pelotas, que faz a divisa com o Rio Grande do Sul, um lugar é muito bonito. Do outro lado do rio parei para abastecer a moto e fiquei assustado com o preço da gasolina: R$ 2,90. Deixei para abastecer em Vacaria, mas, faltando 3 km para o próximo posto, a gasolina acabou. Eu havia esquecido de virar a chavinha do tanque, ou seja, já estava na reserva.
Empurrei a moto até um mecânico, sob um sol escaldante. No local não tinha gasolina, mas o rapaz chamou a concessionária da rodovia e depois de uma hora o problema estava resolvido. Depois disso, rodei até às 19h, vendo nos dois lados da BR 285 os arrozais gaúchos e passei a segunda noite em São Luis Gonzaga.
No terceiro dia entrei na Argentina. Resolvi sair do Brasil pela Ponte Internacional de São Borja, porque a BR 285 até Uruguaiana estava em péssimas condições. O preço da gasolina na Argentina também colaborou para eu sair do Brasil mais cedo. Lá, custava R$1,55 o litro. No entanto, peguei um vento lateral tão forte que não era possível passar dos 70 km/h.
Este lugar, Província de Corrientes, venta muito e a noite faz muito frio. Quando a noite caiu trouxe consigo uma garoa fria, que fez a temperatura cair para 6 graus. Pensei que ia morrer de frio e quase não consigo chegar à cidade de Cuatiá, pois as mãos e os pés estavam congelados.
Consegui um lugar para dormir numa pequena pensão e depois de um banho bem quente, saí para jantar e ligar para casa. Comprei uma pizza, comi a metade e deixei o resto para o almoço do outro dia. De manhã, saí com o dia muito bonito, com o sol dando o ar da graça logo cedo que nem parecia estar frio. Ledo engano: andei uns 5 km e fui obrigado a parar para colocar mais uma jaqueta, luvas e touca e mesmo assim, ainda sentia frio.
Na hora do almoço cheguei a Santa Fé, às margens do Rio Paraná, onde é possível passar para o outro lado por um túnel sub-fluvial de 2 km. Comi a outra metade da pizza num jardim aolado da rodovia em Santa Fé.
Mendonza – No meio da tarde, em São Francisco, encontrei seis motociclistas que iam para Mendoza. Eram motos bem antigas da década de 50 e 60. Andamos juntos
até Vila Maria, onde eles passaram a noite; eu andei mais 80 km e em Vila Maria liguei para casa. Após a ligação, tirei os óculos para pôr o capacete e saí com a moto sem colocar os óculos que ficaram sobre a bagagem. Resultado: ele caiu e a lente esquerda trincou em dois lugares. Foi complicado, mas tudo bem.
No outro dia, saí às 7h com uma manhã bem clara e com o sol já brilhando. Mais uma vez senti muito frio e tive que parar para me agasalhar melhor. Cheguei em Rio Quarto, onde troquei o pneu traseiro, consegui achar um pneu original, mas meu cartão de crédito não funcionou. Paguei em dinheiro e aproveitei para trocar a relação que é a coroa, corrente e pinhão.
Antes de sair de Rio Quarto, precisei trocar uns dólares por peso. Que dificuldade: entrei em três bancos, todos lotados. Na saída da cidade, passei o cartão num posto de gasolina e funcionou. Queria chegar a Uslapatta até às 20h, mas não consegui. Já perto de Mendoza, parei para abastecer e percebi que havia perdido meus pesos e alguns dólares que carregava na carteira. Prejuízo de uns R$ 150. Tive que falar com o gerente do posto para ele receber em dólar, porque o cartão não funcionou outra vez.
Cheguei a Mendoza ao cair da noite e comecei a subir a cordilheira umas 20h. Era um breu só, com uma curva atrás da outra e muitos túneis. Que estrada perigosa! Cheguei a Uslapatta às 22h, com apenas duas moedas de um peso e U$ 210 na bagagem. Usei as moedas para fazer uma ligação para casa e precisava arrumar um lugar para colocar o esqueleto na horizontal.
Esta pequena cidade é um lugar turístico, ou seja, é tudo muito caro. Depois de rodar as quatro ruas de Uslapatta, encontrei o Hotel Viena, onde paguei U$ 9. O preço era U$10. Não era muito dinheiro, mas diante da minha situação, qualquer trocado fazia diferença. Fui dormir quase meia-noite e como é um lugar muito frio só saí às 8h. Ao sair da cidade, fui contemplando a indescritível beleza da cordilheira, muitas vezes com a neve aos meus pés. Eu queria parar toda hora para admirar os detalhes.
Ao meio-dia cheguei à entrada do Túnel Cristo Redentor que separa a Argentina do Chile. Antes, porém, tive que dar U$ 6 para um guarda do Posto de Controle. Ele alegou que eu não portava a tarjeta de entrada no país. O túnel tem quase 4 km de extensão e é escuro e úmido. Depois do túnel passei por uma fila quilométrica de caminhões e aproveitei para conversar com alguns motoristas brasileiros que conheci na estrada. A fila era para passar na fiscalização, para os turistas foi rápido: fiquei só uma hora e quinze minutos.
Santiago – Às 15h30 estava em Santiago em uma sexta-feira com uma tarde bem cinzenta. Aliás, o céu do Chile está sempre cinzento. Ali procurei o endereço da Igreja Adventista. Liguei para casa, expliquei a situação e depois fui até a Igreja, que fica perto do magnífico Cerro Santa Luzia. Na Igreja conversei com o Guilhermo que, preocupado com a minha situação, me levou até o Pastor Milton Aranha. O Pastor Milton ligou para o Pastor Josias, que é brasileiro e trabalha na Associação Chilena. Conversamos ao telefone e ele pediu para que eu esperasse na Igreja, onde ele passaria às 21h para me pegar.
Ele estava em outra cidade dando palestras e chegou às 22h. Antes, eu já havia feito amizade com várias pessoas da Igreja. Dormi na casa do pastor. Aliás, tentei dormir, pois o meu pensamento era um só: como continuar com tão pouco dinheiro. Imaginei ir até Los Andes, de onde saem muitos caminhões para Argentina e Brasil, ali tentaria uma carona para subir a cordilheira. Acredito que a moto não teria condição de subir aquela ladeira tão íngreme.
Acordamos, fizemos o culto, tomamos café e depois fomos ao caixa eletrônico. Para minha surpresa, o cartão funcionou. Saquei trezentos dólares. Agora, poderia continuar a aventura. Despedi-me do pastor e de sua família e segui para Vinã Del Mar. Queria, pelo menos, cruzar esta bela cidade. Quando a noite caiu, eu estava a 140 km da próxima cidade. E agora?
Era um lugar meio deserto e o frio fazia tremer os ossos. Não tinha nenhum lugar para dormir e, para piorar, começou a garoar. Acho que nunca passei tanto frio. Parei num pequeno bar, eu tremia tanto que tive dificuldade para falar. Graças a Deus, do outro lado da pista havia uma pequena pensão, onde passei a noite. Aprendi que não se pode brincar com o frio do deserto. Saí bem cedo em direção a Antofagasta. Foi mais uma manhã muito fria. Às 17h cheguei a Chañaral. Tive que parar ali mesmo, pois faltavam 400 km para Antofagasta. É impossível andar de moto no deserto a noite. Aproveitei para andar na areia da praia e conhecer a pequena cidade.
Saí às 6h30. Coloquei toda a roupa de frio que levei e mesmo assim ainda senti um friozinho. No deserto só esquenta lá pelas 10h. Às 13h30 entrei na bela Antofagasta.
Procurei a casa do Pastor Osmar. Ele, sua mulher e filhos são brasileiros e moram no Chile faz alguns anos. Deixei a casa do Pastor Osmar às 16h. Agora, eram duas as opções de estrada: poderia ir pelo deserto ou pela beira-mar. Claro que escolhi o Oceano Pacífico. Parece que a brisa marítima ameniza o frio. Se eu fosse pelo deserto poderia passar em Calama e Picas, onde estão os geyseres. Infelizmente, não podia fazer turismo. Parei na Praia da Portada, um lugar simplesmente surpreendente.
Tocopilla – Às 19h30 cheguei a Tocopilla. Hospedei-me numa pensão cujo dono era um verdadeiro palhaço. Claro, que aonde eu chegava eu contava todo o meu drama financeiro, para conseguir algum desconto. Consegui um ótimo quarto, com jantar e o café da manhã por U$S 10. Muito bom por ser no Chile, onde tudo é muito caro.
Saí bem cedo, ainda escuro. Perto do meio-dia cruzei a cidade de Iquique e perto da divisa com o Peru, descobri que não havia nenhum posto antes de Arica. Corria o risco de ficar sem gasolina no deserto. Eu estava no meio da Costa cinza, um lugar lindíssimo, ao norte do Deserto do Atacama. Bem, não tinha outra alternativa, então segui viagem. Faltando 30 km para Arica, a gasolina entrou na reserva. Na reserva eu rodo uns 28 km. Eu, na medida do possível, mudava de posição na moto para suportar as dores no quadril, costas e ombros.
Resolvi então deitar na moto (isso ajuda na aerodinâmica), aconteceu que minha almofada caiu entre a corrente e a roda, quebrando a corrente e a sua proteção. A máquina fotográfica, que estava por dentro da minha jaqueta, também caiu, ainda com a moto em movimento. Na Argentina ela já havia caído do banco da moto. Que situação! Só um pingo de gasolina, a moto quebrada a máquina fotográfica detonada e tudo isso no deserto. Rapidamente comecei arrumar a moto, quando, na mesma hora, parou um
caminhão e o motorista ofereceu ajuda.
Foi por Deus. Em vinte minutos a moto estava pronta e a gasolina deu para chegar ao primeiro posto. Às 17h já estava na aduana peruana. Precisei de mais um pouco de paciência com a burocracia.
Ao sair do Chile, descobri que a gasolina no Peru custava R$ 3 o litro e pensei em voltar. Só no Peru eu iria gastar 90 litros. Pensei em sair pela Bolívia e entrar no Brasil por Corumbá. Esta era minha penúltima chance de abortar a aventura. Desisti dessa idéia e segui até Tacna, onde passei a noite. A noite foi terrível, porque o hotel era um verdadeiro muquifo. Como sempre, saí bem cedo. Subi uma pequena serra e entrei no deserto outra vez.
Desistência? – Passei em Monquegua e às 11h, cheguei na entrada de Arequipa. Esta era minha última saída para o Brasil se eu quisesse desistir. Ao me deparar com a placa indicando Arequipa fiz de conta que nem vi. Ali parei para comer uma fruta. Quando fui colocar o óculos, a lente soltou e caiu no chão. Pronto! O que fazer se tenho apenas 60% da visão. Bem, não tinha opção, precisava continuar.
Com muito cuidado cheguei em Camana, onde parei para almoçar. Comi um arroz com peixe simplesmente delicioso. Segui viagem, hora pelo deserto, hora beirando o mar. Parte da estrada junto ao mar é bem perigosa. Trata-se de uma grande escarpa. É a estrada lá no alto e o mar bem a baixo. Sem contar as curvas. Acho que foi o momento que me trouxe mais medo. Confesso que o medo me forçou a parar por uns 10 minutos para relaxar um pouco. Neste local, o mar estava a mais de 100 m abaixo da estrada. Que medo! Mesmo porque não havia defendas na pista. Esse trecho foi de 25 km.
Quando cheguei ao nível do mar foi um alívio. Esse lugar tem perigos como: arenamento, que é quando o vento sopra a areia para a pista e as pedras que caem das encostas.
Pernoitei na cidade de Chala. Saí ainda escuro em direção a Lima. Antes do almoço já estava em Nasca. Lá temos as Linhas de Nasca. Estendidas por uma área de 500 km2, do árido deserto do sul peruano. As linhas de Nasca são tão imensas que só podem ser vistas do alto. De perto é impossível distinguir as formas de trapézios, retângulos, ziguezagues, figuras de animais e plantas, construídas há mais de dois mil anos pela antiga civilização de Nasca. Segui viagem pelo deserto de Chilca, passei nas cidades de Ica e Pisco até que cheguei novamente ao mar.
Em Huancaulica, encontrei dois ciclistas argentinos que iam para Bogotá. Estavam na estrada há quase três meses. Ao chegar a Lima, procurei uma loja para trocar o pneu dianteiro. Parecia que eu estava em São Paulo. O trânsito era uma loucura. Muitas vans, micro-ônibus, carros e motos. Levei duas horas entre achar a loja e trocar o pneu. Dormi em Chancai, 80 km depois de Lima. No terceiro dia no Peru, cruzei várias cidades bem movimentadas como Ancon, Huacho, Chimbote e Trujillo.
Moto sem freio – Perto dessa última, encontrei mais dois ciclistas argentinos que iam para Cidade do México e lá pelas 16h, ao entrar na pequena Guadalupe, a moto ficou totalmente sem o freio traseiro. Que susto! A porca da roda traseira saiu. Perdi também o regulador da roda.
Acontece que eu ajustava a corrente todo fim de tarde, mas em Lima, o mecânico que trocou o pneu aproveitou para ajustar a corrente. Como era fim de tarde nem me preocupei. Certamente ele não apertou bem a porca. Por pouco o parafuso não saiu. Se tivesse saído, um grave acidente poderia ter ocorrido. Foi por Deus. Se a estrada fosse ruim, provavelmente o parafuso teria saído devido ao balanço da moto. Depois de arrumar a moto no único mecânico da cidade, pilotei até às 18h.
Estava no Deserto de Sechura, não dava para rodar à noite. Como era cedo, dei umas voltas na cidade e assisti a um culto na Igreja Adventista. No último dia no Peru, atravessei 150 km de deserto, passei em Piura, Sullana, Negritos, Taloca, Paita, Punta do Sol e Tumbes. Nas serras de Negritos a nossa Petrobras extrai petróleo. Acho que é por isso que a gasolina é tão cara no Peru. Na hora do almoço entrei no Equador, na Cidade de Hualquillas. Que loucura esse lugar. É um trânsito louco de pessoas, carros, moto-táxi, caminhões, bicicletas, camelôs e cambistas. Parece a Ponte da Amizade em Foz do Iguaçu ou a Rua Direita em São Paulo.
Ao entrar na aduana, fui informado que a autorização para atravessar o país com a moto
só poderia ser feita na segunda-feira. E agora? Fiz de tudo para conseguir esse documento. Não teve jeito. Aí, procurei a Igreja Adventista, onde fiquei até segunda-feira. Às 11h desse dia, já com os documentos em ordem, pude seguir viagem pelo Equador. Gastei U$10 com os documentos.
Ainda bem que nesse país a gasolina custa só R$ 0,80 e a comida era uma ninharia. Dormi na cidade de Patrícia Pillar, já perto da cordilheira. Essa noite foi terrível, tive uma disfunção gástrica. Mesmo assim, jantei numa barraca, na beira da estrada. É muito comum esse tipo de comércio às margens das rodovias.
Depois de atravessar a Planície Litorânea, onde se encontram as culturas de café, cacau e banana, comecei a subir a cordilheira. Foi mais um momento de expectativa. Será que a moto resistiria àquela subida? Subir a mais de 3000m acima do nível do mar com uma moto 125cc não é tão simples. Subi bem devagar e aproveitei para curtir a paisagem. Levei uma hora e meia para chegar no altiplano, onde está a capital. Cruzei a capital Quito, atravessei os túneis e logo depois estava descendo um grande desfiladeiro.
Belas paisagens – Entre Quito e Tulcán passei por paisagens belíssimas. Muito verde, plantações na beira de grandes abismos e pequenas cidades muito charmosas. Às 16h cheguei a Tulcán, divisa com a Colômbia. Esperei esse momento com certa ansiedade. Pensei que seria o país mais fácil de entrar, como na outra viagem; mas dessa vez não. Levei mais de uma hora para tirar a autorização para entrar no país com a moto.
Quando se fala em ir para Colômbia, as pessoas sempre dizem para tomar cuidado com as Farc-Forças Revolucionárias da Colômbia. No entanto, isso não me intimidou; entrei naquele país na maior tranqüilidade. Passei em Pieles, primeira cidade, às 17h30. Faltavam 90 km para chegar na cidade de Pasto, onde passaria a noite. É um trecho com uma descida sem fim. A paisagem é deslumbrante.
A estrada margeia um grande vale da Cordilheira Ocidental. No meio do caminho para Pasto, a noite chegou. Agora, cuidado redobrado. Eram muitas curvas à margem de grandes precipícios e, para piorar, a moto só andava bem na descida. Na subida, ela falhava bastante. Era o mau da altitude. Cheguei a Pasto às 19h30. Confesso que passei alguns sustos nessa hora e meia que andei no escuro. De Pasto parti para Cali.
Eu queria chegar a Venezuela por Santa Marta, norte da Colômbia, mas o tempo e a falta de grana eram meus grandes inimigos. Lamentei não poder passar em Medellin, Barranquilha e Cartagena, sem contar, que deixei de cruzar a ponte do Lago Maracaibo, um dos lugares mais bonitos da Venezuela.
De Cali fui para Arménia, cruzando uma região muito linda da Colômbia. Dormi numa cidade aos pés da Cordilheira Central. Saí às 5h. Levei uma hora e meia para subir 23 km da cordilheira. Ainda estava escuro quando fui parado pelos guardas do exército, bem no meio da subida. Esses foram bem chatos. Pediram para eu mostrar toda a bagagem. Isso me fazia perder muito tempo. Depois dessa íngreme subida veio uma descida de uns 30 km. Lá embaixo, uma seqüência de pontes, uma ainda em construção, sobre grandes precipícios. Lugares ótimos para pular de Bung Jump.
Passei por Ibagre, Girardot, cidades muito bonitas com estradas de primeiro mundo. Claro que todas com muitos pedágios. Numa determinada bifurcação em T não parei para ler as placas. Lembre-se que eu estava sem óculos e só conseguia ler as placas bem de perto. Acabei virando à direita e Bogotá, meu destino, estava à esquerda. Na dúvida, parei e perguntei para uma moça que estava em um ponto de ônibus.
Bate papo – Ela puxou conversa e quando viu que eu era do Brasil, foi logo lamentando a situação do seu país como, desemprego, violência, Farc, corrupção, inflação, dificuldade para estudar, etc. O sonho dela era morar no Brasil. Disse a ela que no Brasil não era muito diferente, só não tinha as Farc.
Tentei animá-la e depois segui meu rumo. Ao término da última subida da cordilheira antes de Bogotá, passei um grande susto: Um caminhão descia pela contramão, aí, eu joguei para minha direita, o motorista freou e o veículo derrapou. Vi aquela coisa grande vindo em minha direção. Foi por Deus que ele não me acertou. Perto do meio-dia, passei ao largo de Bogotá. Preferi passar por fora da cidade, para
não perder tempo.
Parei antes de Tunja, num lugar lindo, onde comi um carneiro assado simplesmente dos deuses. Queria chegar a Bucaramanga antes de escurecer. Acontece que peguei uma chuva torrencial. Continuei, pois não havia nenhum lugar para eu me esconder. Rodei assim por quarenta minutos.
Depois de passar um susto, quando quase caí numa curva, tive o visual mais lindo de toda a viagem: um arco-íris com todos os seus matizes adornando aquelas belas montanhas da Cordilheira Oriental. Bem, não pude deixar de filmar esta maravilha. Achei que não pegaria mais chuva. Que pena! Andei mais meia hora e caiu outra, agora mais forte que a primeira.
Ainda andei uns quinze minutos até que parei na varanda de um pequeno comércio. Era um clube e estava fechado. Fiquei com vontade de ficar ali mesmo. A chuva virou uma
leve garoa, então prossegui. Parei em San Luis. Perguntei a um motociclista onde havia uma residência (hotel barato na Colômbia), logo estava cercado por várias motos. Fui escoltado até uma residência.
Achei que o preço era muito caro. Resolvi continuar, no escuro mesmo. Informaram-me que era muito perigoso descer a costa à noite. Era mais seguro ficar por ali mesmo. Andei mais uns 20 km, graças a Deus, consegui uma residência antes de descer a costa (Cordilheira Oriental).
Perigo na costa – Pela manhã, pude conferir que descer a costa é realmente perigoso, até durante o dia. Também não poderia perder aquela bela paisagem. Só cheguei a Bucaramanga às 10h. De lá até Cucuta, divisa com a Venezuea, foram 190 km de estrada em reconstrução, que levei cinco horas para fazer. Nesse trecho, tem um lugar chamado Topon, a 3800 m acima do nível do mar. Foram 58 km subindo.
Em Santo Antonio, Venezuela, fiquei preocupado com a burocracia aduaneira. Ali eu já conhecia muito bem. Mas, para minha surpresa, tudo foi feito em dez minutos. Acho que eles resolveram desburocratizar. Bem, agora era só subir uma parte da Cordilheira de Mérida e chegar a San Cristobal.
Lá as estradas são muito boas, então resolvi andar até às 21h. Dormi em Palmira. Saí às 5h, pois precisava chagar em El Tigre naquele mesmo dia. Eram 1000 km num dia. Acabei rodando só 860 km. A corrente da moto apresentou um desgaste antes do previsto. Foram as cordilheiras que causaram esse desgaste. Eu também não fiz a devida manutenção.
Dormi numa pequena cidade depois de La Pascoa. Ao acordar, os raios do sol já entravam pelas frestas da janela. Foi aí que percebi que meu relógio estava no fuso horário da Colômbia. Saí como um louco. Em El tigre procurei a relação da moto, infelizmente não achei. Fui em frente assim mesmo. Precisava subir a Serra do Lema antes de escurecer.
Eram quase 800 km. Sei que seria impossível e só parei para abastecer. Às 18h entrei na Serra do Lema. Eram quase 30 km de subida. A moto jamais chegaria lá em cima na Grande Savana, com aquela corrente. Rodei 8 km e, numa curva muito fechada, a corrente soltou. Que sufoco! Eu não tinha lanterna. Com jeito, coloquei a corrente no lugar e parti. Não consegui fazer a curva e a corrente soltou outra vez.
Corrente quebrada – Dessa vez deu mais trabalho, porque soltou no pinhão. Arrumei outra vez. Agora rodei 1km e soltou novamente. Arrumei de novo, só que agora me veio um certo desespero: quantas vezes ainda teria que parar para arrumar a corrente? Pedi a Deus que me ajudasse. Era só eu e Ele naquela escuridão. Foi a última vez que parei. Subi o restante da serra com todo o cuidado.
Às vezes ouvia aquele barulho característico de relação gasta. Entrei na Grande Savana às 20h. Só consegui lugar para dormir no Acampamento Kama Meru, onde está o fabuloso Salto Kama Meru com seus mais de 60m de queda livre. Mesmo extremamente cansado eu poderia pilotar até Santa Helena, fronteira com o Brasil, portanto era mais prudente dormir no Kama Meru, mesmo com o alto custo do pernoite.
Também não poderia deixar de filmar o salto e a Grande Savana. Fiz a filmagem assim que o sol nasceu. Lá estavam dois moto aventureiros de São Luiz. Eles foram até o Caribe. Ao chegar a Santa Helena, troquei os bolívares que ainda tinha no bolso e fiquei com R$ 60. Claro que enchi o tanque antes de entrar no Brasil. Na Venezuela a gasolina
custa R$ 0,19 o litro. Na aduana não tive nenhum problema.
Às 9h, entrei no Brasil. Estava doido para comer um pão francês. Sabe qual foi a primeira coisa que vi ao entrar no Brasil? Buraco, claro! Segui pela BR 174 até chegar a Boa Vista. Graças a Deus a corrente agüentou. Em Boa Vista fiz a manutenção da moto. Às 18h30, cheguei a Roranópolis, onde tenho alguns conhecidos. Um bom trecho da estrada estava bem ruim. Saí de madrugada, um pouco antes de começar uma chuva moderada. Rodei uns 100 km sob a chuva.
Em Jundiá, onde começa a Reserva Indígina dos Waimiri Atroari, a estrada estava melhor. Atravessei os 130 km da reserva, quando começou uma chuva torrencial. Não conseguia enxergar nada, mas continuei assim mesmo. Precisava estar no Porto de Manaus até às 13h porque o barco ia sair às 15h. Entrei em Manaus às 12h40. Ao parar para fazer uma ligação, deixei a moto tombar. Resultado: a manete do freio quebrou, aí fiquei só com o freio traseiro. Entrei no barco às 15h. Foi um sufoco colocar a moto a bordo. O Rio Negro estava tão baixo que andamos no seu leito seco por uns 100 m até
chegar ao barco. Dois dias e duas noites no barco.
Santarém – Em Santarém, Pará, foi uma dificuldade para atracar o barco porque o Rio Tapajós estava muito baixo. Agora, em vez de eu pegar um barco para Belém, resolvi me aventurar na Cuiabá-Santarém. Foram 850 km de terra, lama, areia, pedra e muita poeira. Nem precisa falar dos sustos que passei nos dois dias e meio que levei para fazer este rali. Depois do Pará, entrei no Mato Grosso, depois Mato Grosso do Sul e, por fim, São Paulo. Minha última noite foi em Presidente Venceslau, a 570 km de casa. Depois de vinte e oito dias pilotando uma moto 125cc e percorridos 19.800 km, cheguei em casa.
Isso é só um resumo do que foi a minha aventura. Enfrentei muitas dificuldades, passei alguns sustos, encarei o desânimo, a saudade, a solidão, o cansaço, as dores, mas valeu a pena. Como diria Fernando Pessoa, tudo vale a pena se a alma não é pequena. E uma coisa é certa, o Senhor Deus foi comigo em todos os momentos. Por isso, louvo ao Senhor.
Meus amigos, espero numa outra oportunidade contar a minha próxima aventura que será a Travessia Pan-americana do Alasca à Patagônia.
Um abraço a todos.
Manuel de Carvalho
Este texto foi escrito por: Manuel de Carvalho
Last modified: setembro 29, 2006