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Minha aventura: O primeiro apoio a gente nunca esquece


Chegada da equipe na madrugada (foto: Wladimir Togumi)

Manoela Penna é jornalista e começou a se envolver com corridas de aventura no ano passado, durante o Ecomotion/Pro do Rio de Janeiro. Passados poucos meses, o gosto pela aventura só aumentou e a jornalista pôde conhecer uma prova ainda mais de perto. Durante a primeira etapa do Brasil Wild, ela fez apoio para a equipe Madeira. Acompanhe o relato da aventura.

Foi na terça à tarde que piscou a janelinha do MSN. O “kalunga” Monclair Cammarota me convidava para fazer apoio da Equipe Madeira no Brasil Wild, dali a quatro dias. Era a volta dele a corridas de aventura depois de um ano dedicado ao trabalho e à universidade e, desta vez, Lico, Gui e Bárbara não seriam os parceiros, mas sim uma nova equipe de Brasília, formada por Daniel Romero, Rafael Serejo e Carol Ferraz. Perguntei o que exatamente era preciso eu saber. “Basicamente, saber colocar o pneu traseiro da bike”, respondeu ele. Topei.

Topei e tratei de arrumar um “supletivo” urgente para aprender o básico de sobrevivência em meio a bicicletas numa corrida de aventura. A galera da Special Adventure, loja perto de casa, no Rio de Janeiro, onde adquiri os equipamentos para eu mesma me lançar nessa loucura – só que como atleta -, comprou a briga. Logo me vi diante de uma bike, trocando a câmara, tirando e colocando pneus uma dúzia de vezes. Queriam ainda que eu pegasse a manha de ajustar o freio. “Ah, frear pra que? O negócio é acelerar”, disse, deixando de lado essa lição.

Confesso que passei o vôo até Sampa na sexta de manhã matutando sobre a baita encrenca em que eu tinha me metido. Sou jornalista, pensava, meu vocabulário não inclui coroa, catraca, e outros que tais; a minha praia é diferente, se fosse só fazer um miojinho, separar um par de meia seca, ou ajudar na produção, nas compras, tudo bem… Mas me meter com bicicletas e equipamentos de vertical eu estava achando um pouco demais. Justo eu, que ainda chamo uma Magrela de “Vossa Senhoria”. Sem falar que – isso era segredo de Estado, só tinha confessado ao Monclair, os outros três elementos do time não tinham a mais vaga idéia – minha carteira de motorista expirou em outubro último. Imagina ter que dirigir por 200 km…

Antes da prova – Na estrada a caminho do Sul de Minas, me saí bem na primeira missão. A turma não havia comprado contact para proteger os mapas e chegaríamos a São Lourenço com as lojas já fechadas. Passei a mão no telefone, liguei pro hotel que reservara na véspera e pedi à mocinha que comprasse seis metros para nós. Ela estranhou, mas comprou. 1 a 0 eu.

Foi lá pelo meio da viagem que Daniel soltou a bomba: “Minha bicicleta tem freio a disco. Você não pode pressionar o freio sem a roda porque se não desregula tudo. Cuidado sempre”. Pra que, fiquei neurótica até ver a equipe cruzando a linha de chegada.

Ao chegar no simpático Hotel Colombo, já com compras feitas, começamos a arrumar caixas e mapas. Com o mínimo de experiência no currículo (tinha passado pelo apoio da Oskalunga com TV Globo e ex-BBB Zulu, da Luta Olímpica, há duas semanas, na final do Try On Adventure. Mas isso durou apenas seis PCS e sem desmontar bike), já tinha na bagagem baby wipes, uma boa dúzia de power gel e vaselina. O que a galera adorou.

A largada seria às 7h30 e o relógio já marcava pra lá de meia noite. Rafa, Monclair e eu estávamos às voltas com mapas. Na verdade, eles faziam riscos na carta e eu apenas encapava tudo com contact, tarefa aprendida nos tempos de escola, quando cobria os cadernos de vermelho para Matemática, azul para Português, verde para Biologia… Mal sabia eu que ia sobrar pra mim ter que riscar o Norte Magnético também. O sono era tanto que Rafa não resistiu e passou para mim a canetinha vermelha. Muito prazer, Sr. Norte Magnético. “Vivendo e aprendendo”, pensei.

Entre acordar, tomar café, sair do hotel e arrumar o carro tivemos pouco tempo. Quase nenhum. Dani e Rafa amarraram a bike no Meriva que, com o banco deitado, levava duas delas desmontadas dentro e duas penduradas no transcaloi. Olhei, olhei e tentei “decorar” como as coisas se ajeitaram. Minha cabeça, a esta altura, estava no aeroporto, local de largada, onde eu teria que montar as bicicletas sozinha pela primeira vez.

Nem tão sozinha assim. Pedro, 22 anos, estudante de Gestão Ambiental em São Lourenço, seria o “apoio do apoio”. Amigo do primo de uma amiga minha (!!), também sobrara para ele um pouco da “roubada”. Mas Pedro tinha menos experiência no ramo do que eu, por incrível que pareça.

Largada – Fomos a segunda equipe de apoio a chegar na largada. E começamos a montar o quebra-cabeça. Cinco minutos foram suficientes para que tudo ficasse pronto. Não acreditei. Era só isso mesmo??

Ok, confesso que pedi um help ao Dú Padovani para verificar a marcha da tal bike de freio a disco porque, como se não fosse suficiente a novidade do disco, a mudança de marcha também se dava na alavanca do freio, o que me confundiu um pouco. Mas só um pouquinho mesmo, juro…

O Road Book era outro que ficava me “tacando o terror”. Nele, em negrito, a recomendação para os apoios não perderem tempo na largada e partirem logo para o AT1, sob pena de não dar tempo de chegar. Não precisa falar mais nada. Voei até lá.

Pobre Meriva, que quicava pela estrada e reclamava a cada batida numa pedra. Sorte nossa que não chovia, pois sem tração nenhuma, era o poder da mente que empurrava o carrão ladeira acima. A certa altura, um grupo de vaquinhas inventou de não querer sair da pista. Subi, buzinei, e nada. A roda girou em falso e não teve força para sair do buraco que se formava na lama. Tive que descer até a base da ladeira e tentar de novo. Subi outra vez sem desacelerar. Quase atropelei a vaca malhada. Pouco adiante, surge o vaqueiro, que acompanhava a cena em cima do seu cavalo. “Ooooopa. Essas vacas só amolam mesmo!”, disse ele, sorrindo. Agora alguém me responde porque raios ele não se mexeu para ajudar ao ver meu perrengue?

Enquanto o Meriva sofria, eu estressava o Pedro. “Vê se tem todas as bikes aí”, “Olha se tem algo batendo no freio da bike verde (a taaaaal do disco)”, “Se liga na roda solta batendo na coroa da vermelha”. No que, pertinentemente, o Pedro retruca. “Manu, você se preocupa mais com essas bicicletas do que com o carro”. Evidente que sim. Eu estava paranóica e graças à lição aprendida entre Natal e Florânia para a final do Try On, com o Monclair a todo instante mandando eu ver se as quatro bikes estavam se comportando bem. De mais a mais, a história das três bicicletas perdidas por uma equipe durante o Ecomotion/Pro do ano passado não me saía da cabeça.

Bem, vou abrir meu coração e dizer que até ver a equipe chegando (mesmo que na 33a posição) para assinar o PC no AT1 eu não fiquei tranqüila. Estava desesperada de eles terem tido algum problema por minha culpa com as bicicletas. Mas não rolou nada disso.

No quesito refeição, estava tudo na santa paz. Nosso timing era perfeito. Ficava tudo mais ou menos pronto e daí a pouco a gente finalizava o preparo. Era a conta justa pra ouvir o primeiro grito de “Madeeeeeeeeeeiraaaaaaaaaaa” chegando pelo caminho. Do nosso fogareiro saíram batatas cozidas deliciosas, água fervendo no ponto para fazer aquele nescafé e aqueeeele cup noodle, além de sandubas de requeijão. Sem falar no Malta de pêssego, que dizem ser um dos melhores já feitos neste planeta em todos os tempos.

Claro, tudo ia bem até escurecer no PC8, a saída para a canoagem. Não bastasse eu não ter pilhas AAA para head lamp e o gás ter acabado antes de cozinhar a batata, eu ainda tinha a tarefa sinistra de escolher um bom duck pra eles remarem. “Meu Pai, como se escolhe um Duck?”. Nas garagens de remo da Lagoa Rodrigo de Freitas, onde eu treino há dez anos, basta pegar o Empacher amarelinho e ir pra galera. Mas e no meio do mato, onde todos os gatos eram pardos? Pedi uma dica pro André Iervolino, que fazia o apoio da Landscape; ouvi um bizu do Felipe Meireles, da equipe da Renata Falzoni, e lá fui eu pro uni-duni-tê. Vou falar que quase chorei de emoção ao ouvir o primeiro comentário do Monclair ao chegar no AT. “Nossa, que ducks bons, cheinhos!”. Iaaaaaauuuuuuuu!

Problemas – Essa era a boa notícia. Mas o “kalunga” também deu a má notícia. “Caí e perdi um parafuso do freio. Tem que arrumar”. Gelei. Lembrei da “aula” que eu “matei” no tal supletivo. Hora de pedir ajuda pros universitários.

Quem salvou a pátria foi o apoio da The Run, que é mecânico de verdade. “Fica tranqüila, é simples”. Ufa, ainda bem que essas coisas complexas são simples pra alguém. E que bom que este alguém estava com o carro parado bem do meu lado.

A saída do duck foi a mais caótica. Geral com fome, Carol tremendo de frio depois de ter virado o barco com o Daniel e pouca luz. A batata estava sem sal, ainda por cima. Mas a energia era super positiva. Afinal, os Madeiras tinham saído da 33a posição, passaram pela 23a, pela 18a e agora estavam a caminho do último AT em 18o. Só na raça.

Nisso já era duas da matina. O sono apertando. Aproveitei que a galera ainda ia demorar um pouco pra chegar, estiquei os tapetes do carro no chão, peguei o cobertor e me cobri até a cabeça. Acho que uns 30 minutos depois ouço a voz dos Madeiras perguntando “cadê o apoio?”. Levando do chão e “bú!”, quase mato os quatro do coração de uma vez.

No friozinho da chegada, às cinco da manhã, estava num bate-papo animado com o Wladimir Togumi, a menina do PC e a moça que fazia o apoio da Armadda. No que chega um senhor, não sei se meio bêbado ou muito maluco e começa a discursar.

“Ontem de manhã tinha um monte de boboca nas charretes na praça. O que é isso? É muita gente. Aliás, a equipe de azul era enorme, tinha mais de cem pessoas!”. Pano rápido a “equipe de azul” a qual ele se referia era, simplesmente, todo mundo. Pois o colete dos atletas era exatamente azul.

Pouco depois das gargalhadas, ouço ao longe os gritos de “Madeiraaaaaaaa!”. A 13a equipe chegava do pedal derradeiro. Entre abraços e beijos felizes, teve espaço até para o quarteto dar a nota pro apoio. “Nota mil!”. Não sei se é verdade, mas eu preferi acreditar.

Este texto foi escrito por: Manoela Penna