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Minha pedalada épica pela África de 900 km,16.000 m de subidas e 12 micro climas!


Muita garra para conseguir terminar o percurso. (foto: Arquivo pessoal)

Neste Minha Aventura Mario Roma conta como foi participar da Cape Epic 2005, a maior competição de mountain bike do mundo, que aconteceu em abril, na África. Confira!

Uma tarde de outubro após a Transalp 2003 estava em meu escritório com aquela famosa sensação de que vou agora fazer, quando recebi um e-mail de Sonja Güldner-Hamel, a diretora de marketing da Transalp, me convidando para uma nova prova em Fevereiro 2004. Opa, o ânimo já subiu e foi aumentando conforme ia lendo. Local África do Sul, distância 600 km, subida 12.000 m e oito dias. Logo respondi agradecendo, pedindo uma extensão deste convite para a segunda edição em abril e 2005.

Foi sem duvida a melhor coisa que fiz pois o desafio aumentou para 900 km e 16000 m de subida – quase duas vezes a subida do Everest e a prova teria na segunda edição a presença de campeões mundiais, olímpicos, além de 32 paises e 423 equipes de dois bikers cada. Convidei meu amigo Paulo Noto e como esperava a resposta foi imediata, vamos nessa! O Team Webike Imigrantes.org estava composto. Começamos nossos treinos com o apoio do Alexandre Lima.

Mas numa bela tarde já estávamos na Central de Serviços da oficina de nosso mecânico e amigo Marcelo Lovece que tinha preparado nossas bikes e estávamos embalando elas para o desafio. No dia seguinte estávamos nos despedindo de nossas famílias no aeroporto, o peso de responsabilidade estava em ambos estampado, pois éramos a primeira equipe luso-brasileira a participar e inúmeros amigos e outras pessoas da área nos tinham enviado mensagens de apoio e estariam observando nosso desempenho. Não queríamos desapontar ninguém, era como estivéssemos representando a grande tribo de MTB brasileira.

Chegamos em Knysna e pudemos rever velhos amigos e fazer novas amizades dos mais diversos lugares do mundo, cada um com sua história de corredores de Maratona de Sables, a figuras do Guinnes Book of Record`s, todo tipo de homens e mulheres possível encontrar numa prova destas. Apesar das diversas experiências que todos era como se fosse a primeira vez, talvez seja isso que nos faz participar de diversas aventuras,a cabeça fica a mil por hora tentando lembrar de tudo que possa nos ajudar.

É como se um filme de aventuras começasse de rolar em nossas cabeças a mil por hora, será que esqueci de algo, treinei o bastante, a minha bike vai agüentar, como vai ser? E por ai milhares de bites de dúvidas são processados constantemente em nossas mentes. Sempre terminando na grande dúvida e maior medo: será que vou conseguir terminar?

1º dia: Knysna Saasveld
Distância: 128,5 km
Subida: 2.940 m

Eram 5 h e o hotel já estava todo em pé no café da manhã. Já se fazia sentir a adrenalina. Às 6h30 da manhã estávamos no gate de elite lado a lado com 48 bikers dos melhores do mundo como campeões olímpicos, mundiais, e atrás de nós podíamos ver um mar composto de 846 bikers cercado por fotógrafos,parentes e amigos para apoiar esse grupo de corajosos atletas prontos para atravessar 900 km da inóspita África.

Às 7 h sobe uma esplendorosa manhã de sol o tiro de largada foi dado, o barulho das marchas se fez sentir, e estávamos na frente de este enorme pelotão pedalando pela estrada rodeada de habitantes locais aplaudindo. Essa etapa foi repleta de florestas, single trek, duas fortes subidas e na primeira grande descida perdi minha corrente por causa do power link (elo que liga a corrente) e só no inicio da subida senti a falta dela. Tive de subir tudo de novo e consegui achar a corrente perto do topo.

Nossos corpos e bikes estavam cobertos de lama, devido aos dois dias de chuva anteriores, o frio se fazia sentir, me questionava constantemente cadê aquele calor africano, enquanto minhas pernas ficavam cada vez mais travadas do frio. A segunda descida parecia um bike rafting, pois a água era tanta que a descida era uma verdadeira cachoeira.

Mas após 07h52min16 cruzamos com um sorriso estampado em nossos rostos a linha de chegada. Nossa alimentação durante as etapas se limitava às famosas barras energéticas que após 5 horas são extremamente árduas de descer estômago abaixo, gel e bebendo diversos litros de água e isotônicos. O maior privilégio alimentar era no ponto de água 2 e a fruta que a organização disponibilizava e uma coca-cola.

Aí começou a rotina que seguiria pelos próximos dias, fomos primeiro pegar nossos sacos e reservar uma das mil tendas que eram montadas todos dias por uma equipe de 30 estudantes da área marketing. Seguimos para o bike wash, local onde crianças locais se ofereciam para limpar as imundas bikes. Após cuidar das nossas companheiras vinha o desejado banho, num caminhão construído espacialmente para a prova com 40 chuveiros com água quente; mais um capricho da organização que em todos os aspectos não se esquecia de oferecer o melhor para todos.

Após o conjunto limpo bikers e bikes seguíamos para o bike park onde as bikes eram scanneadas e guardadas durante a noite. Nos dirigíamos para o jantar que era servido entre às 17h e 18h, enquanto jantávamos era apresentado as fotos e filme do dia a entrega das camisetas de lideres e por fim o briefing do próximo dia.

Às oito horas todo mundo estava se recolhendo em suas tendas uma para cada piloto, e essa agitada e rápida vida seria a rotina pelos próximos sete dias, sem esquecer da média de 7 horas de pedal e um consumo médio de 6000 calorias por dia.

2º dia: Saasveld – Herbertsdale
Distância – 144,6 km
Subida – 2.720 m

Às 5h tocou um som de bombeiros…era o despertar para segunda etapa em Herbertsdale, uma cidade que num dia triplicou sua população com 500 habitantes. No café da manhã se sentia no ar o clima de preocupação pois poucos atletas nunca tinham feito uma prova de 144 km e 2720m, muito menos uma etapa de uma prova de oito dias. Durante a etapa todo mundo ficava no aguardo da placa 1km para o ponto de água; eram 3 pontos de água por etapa e no segundo onde tinha frutas. Após 09h10min41 cruzamos exaustos mas realizados essa mega etapa. Nessa noite, ao vermos os resultados, ficamos sabendo que mais de 30 equipes já tinha abandonado.

3º dia: Herbertsdale Riversdale
Distância – 104 km
Subida – 1.435 m

Acordei quebrado das duas megas etapas e das duas noites de enda,aproximadamente a uns 30 km da chegada o pneu traseiro do Paulo rasgou, fizemos um curativo com silver tape, o que nos levou a chegar com atraso de uma hora, mas tínhamos saído de uma situação complicada e terminado mais uma etapa, em 6h22min38. As crianças locais nos pediam autógrafos nos fazendo sentir verdadeiros astros.

4º dia: Riversdale Barrydale
Distância – 110,6 km
Subida – 2.425 m

Às 5h30 já se fazia sentir o cheiro de protetor solar e vaselina no ar. Tínhamos os famosos Monster Climing (subidas monstruosas), sendo duas logo neste dia. Sem dúvida eram subidas enormes e extremamente difíceis. Os joelhos iam aos poucos sentido o esforço e subimos o primeiro monstro num ritmo bom. No quarto dia o visual estava ficando mais árido e o sol era muito forte.

Após a segunda subida chegamos no Grootvadersbos Nature Reserve e o impossível aconteceu´: Paulo sofreu uma queda e quebrou o eixo traseiro… isso mesmo, estávamos a 35 km da chegada no topo de uma montanha no meio da África sem eixo da roda traseira.

Decidi ir na frente e procurar uma peça em algum lugar, o tempo de podermos ser desclassificados me vinha na idéia e estávamos a 35 km e a 3 horas de ser fechada a chegada. A média de velocidade a pé não ultrapassaria os 3 a 4 km por hora e isso nos tiraria da prova. Após chegar na base da montanha e pedalar alguns quilômetros cruzei com um grupo de cicloturismo, expliquei minha situação e imediatamente o organizador retirou um eixo traseiro de sua bike e me deu.

Sai voando em retorno, montamos a roda e descemos a montanha direto para a linha de chegada, sorrindo por 30 km. Sem dúvida essa foi uma etapa inesquecível em nossas vidas. Esse é o espírito de uma ultramaratona de etapas de MTB em equipe, vencer obstáculos juntos, dois por um! demoramos 8h17min, mas com um gosto de vitória inesquecível.

5º dia: Barrydale Montagu
Distância – 107,4 km
Subida – 1.135 m

Largamos em direção aos Big Five (cinco grandes), que significa leões, leopardos, rinocerontes, elefantes e búfalos. Essa era a torcida que nos esperava para salutar. Na entrada do parque fomos cumprimentados pelos Rangers armados, que estavam monitorando os animais. No ponto de água os leões estavam a 150 metros. Chegamos cedo com 6h30min54 em Montago e aproveitei para conversar com Kevin Vermaak, o diretor da prova, um indivíduo extremamente calmo e simpático, que me contou que tudo começou há três anos quando ele correu a La Ruta (prova de MTB na Costa Rica de três dias que vai do Atlântico ao Pacifico subindo do nível do mar a 3200 m de altitude) e resolveu fazer uma prova do tipo na sua terra natal. E um ano depois era lançada a Cape Epic.

6º dia: Montagu Villiersdorp
Distância – 127,3 km
Subida – 2.030 m

Uma etapa lembrada por espinhos e assim foi. Batemos um recorde pessoal: oito furos, cinco para o Paulo e três para mim pelo caminho. Eram diversas equipes na mesma situação e após o segundo ponto de água uma grande seção de areia branca e um empurra bike árduo que nos levou ao topo da montanha e uma descida espetacular para o rio de Poesjeuls. Era rápida e divertida em uma superfície semi-rochosa.

As montanhas apareceram em um anfiteatro rochoso em torno de nós; era como algo de dentro do Senhor dos Anéis, o vento contra se fazia sentir até os quilômetros finais, mas mais uma vez o team Webike – Imigrantes.org vencia mais uma etapa em 7h56min54. Nessa noite um dos momentos mais engraçados da Cape Epic foi um Tsunami de grilos, eram milhares deles que se chocavam com as pessoas e quando deitamos podíamos escutar o barulho deles se chocando contra as tendas.

7º dia: Villiersdorp Boschendal
Distância – 103,7 km
Subida – 1.875 m

Sétimo e penúltimo dia fomos para a largada com a sensação que o fim estava perto, e com o cuidado que o corpo também já estava exausto. Mas por outro lado me sentia forte, pois o fim estava muito próximo. Uma contradição total: um lado o corpo se sente fraco e do outro a cabeça envia informações para os músculos tipo vamos lá o fim esta ai. O pior eram as 10 primeiras pedaladas a 45 graus para salvaguardar a bunda, mas na décima primeira tudo volta ao normal.

Dois minutos antes do tiro de largada o diretor de prova informou da morte durante a noite de Leon Steenkamp, de 62 anos, de paragem cardíaca. Tivemos um minuto de silêncio em sua homenagem enquanto os sinos da igreja local batiam e a largada foi silenciosa e a velocidade de todo mundo era lenta e até triste para os próximos 103 km e 1875m. No km 15 iniciamos uma subida de duas horas que nos levava ao ponto mais alto da prova, o Mount Lebanon (1201mts).

Começamos com sol na base, atravessamos as nuvens e certa altura estávamos em cima das nuvens. Um visual sem duvida épico, um longo e técnico downwill onde vimos vários acidentes. O corpo estava cansado e se fazia sentir a dificuldade de pilotar as bikes em velocidades superiores a 65 km por hora, até em retas acidentes aconteciam. Pude presenciar na minha frente um pelotão de 6 bikers em plena reta de repente cair inteiro por baterem neles mesmos.

Experiência que felizmente não vivi nesta prova; após 6h53min09 chegamos em Boschendal. Era o aniversário de um amigo e já aproveitamos para comemorar e fomos no bar que estava cheio de equipes já com um sorriso de conquista estampado em seus rostos. Última noite na bolinha (tenda) e a despedida da fila noturna do simulador de foguetes, (apelido dado aos banheiros). No dia seguinte uma cama “humana” e um toalete “humano”.

8º dia: Boschendal – Spier
Distância – 47 km
Subida – 1.210 m

Em clima de festa a largada foi dada para uma das etapas mais técnicas da prova. A subida era de pedra solta, bem difícil, um puxa bike violento na parte final e a descida era simplesmente a pista do mundial de downwill,,e novamente se aplicou uma famosa frase do Paulo: “Cape Epic nunca fica fácil”. Os últimos 15 km foram um Tour através das vinícolas locais até que apareceu a desejada placa, 1 km to finish. Retirei as bandeiras do Brasil e Portugal do meu bolso e lado a lado cruzamos a chegada após 900 km e 8 dias em 56h40min48 de puro pedal, adrenalina e muitos desafios.

Ficamos na posição de 150 de 250 equipes na categoria homens. Uma sensação inesquecível na vida, um belo trabalho de equipe. O espírito de equipe é o combustível que permite pessoas comuns realizarem resultados incomuns, assim como preparo e o apoio de todos patrocinadores Webike Express Web Central Serviços Ciclovece e a força que nossas famílias e amigos nos deram nos últimos sete meses, por todo lado tinha bikers se abraçando, cumprimentando, era coletiva a sensação de conquista e realização no ar.

Às 18 h fomos receber as tão desejadas camisetas de “FINISHER”. Era esse o objetivo final de todos nessa prova, prêmio que só recebe quem finaliza todas as oito etapas da prova e a medalha feita a mão por locais, uma grande festa para 1400 pessoas nos esperava.

A Cape Epic é composta das lendas, dos lugares dos povos e das situações. Pessoas que através da barreira da dor terminam com raça mas sempre com um sorriso, lugares que nós nunca nos esqueceremos como Mont Eco, Grootvadersbos e Groetlandberg e situações, a dinâmica da equipe, a camaradagem, os pelotões em torno de você durante as longas horas no selim sobre oito dias.

Estas são as histórias da Cape Epic 2005 e podem ser ditas com orgulho a quem tiver um pouco de tempo para escutar… Você tem que experimentar a Cape Epic para acreditar!

Leia relato completo na primeira edição da revista Go Outside, em junho nas bancas”

Mário Roma, 42 anos, mora no Brasil desde 1989, é casado com uma brasileira e tem duas filhas. Ele pedala desde 1989 e compete em mountain bike desde 2001.

Este texto foi escrito por: Mario Roma