Webventure

Montanhas, rochas, homens e mulheres


Achamos que somos diferentes por sermos humanos mas somos animais como qualquer outro mamífero terrestre (foto: Antonio Paulo Faria)

Talvez a maior contribuição de clubes, associações e ginásios, depois de promoverem a escalada, é formar casais escaladores. Não vejo isso em nenhuma outra atividade esportiva porque, para escalar, normalmente são necessárias duas pessoas. Escalar com pessoas do sexo oposto sempre gera alguma expectativa extra. Convidar uma mulher para jantar, ir ao cinema ou a outro lugar, vai continuar sendo a forma mais comum de conseguir parceira, mas convidar para escalar pode ser muito melhor. Um dia inteiro escalando juntos e dependendo do tipo de escalada, as pessoas expõe seus medos e emoções, falam com mais sinceridade e ficam mais abertas. A escalada também gera momentos de maior aproximação, cria movimentos sensuais e aguça sentimentos eróticos. Nunca vi isso acontecer jogando futebol, vôlei, surfe ou pelota basca.

O problema é que em qualquer atividade esportiva predominam homens, e a escalada não é diferente. Em média, 20% dos praticantes são mulheres, o que pode oscilar se for escalada esportiva, ou grandes paredes, ou vias alpinas, e isso varia também de país e região. Muitas mulheres usam essa estatística a seu favor. Já ouvi algumas dizer o seguinte: “quer arrumar homens interessantes, fortes e fácil, comece a escalar!”. Mas podem surgir alguns problemas, que veremos mais adiante.

Surgiram muitos casais escaladores que ficaram juntos por muito tempo, ou para sempre. Até os filhos passaram a escalar. Isso chega a ser normal em algumas regiões de países como: Áustria, Estados Unidos, França, Itália, Nova Zelândia, Suíça, etc. Aqui no Brasil é de nota o casal Hollup (Tadeusz e Cyonira). A primeira vez que os vi foi numa festa, em minha casa, em 2001, em comemoração dos 55 anos do Clube Excursionista Carioca, onde compareceu também o fundador, o Ricardo Menescal. Eles se casaram em 1952 e até a data desta publicação, ainda estavam juntos. Os dois iam numa excursão do CEC para a Argentina, mas a mãe da Cyonira disse que ela somente poderia ir se casasse. Como noivos, os dois não poderiam ir juntos. E faltavam dois meses para a viagem. Casaram-se às pressas. Ela ficou preocupada porque as pessoas poderiam pensar que ela estava grávida.

Muitos outros casais duradouros foram formados dentro dos clubes e associações, alguns ficaram famosos, como o Paulo e a Helena Coelho, de São Paulo. Hoje os casais se conhecem nos muros de escalada, na própria escalada, ou em outros eventos ligados à escalada. Lembro de um casal que escalou o Morro da Penha (Rio) para casar na igreja existente no topo, eram Juratan e Denise. Aliás, abriram até um outra via na mesma parede, com o nome Kamikazei. No meu caso, casei com uma escaladora/esquiadora americana numa montanha, o esqui resort Sun Valley, em Idaho (EUA). Quando a mulher que realizou a cerimônia em inglês pediu para eu repetir as palavras “você promete ser fiel (faithful)…” A palavra faithful era nova para mim e de pronúncia difícil. Tentei repetir umas cinco vezes e me enrolei em todas. A plateia, composta de 25 amigos americanos e dinamarqueses, montanhistas e esquiadores, começaram a desconfiar e alguns riam baixinho. Finalmente eu desisti e disse “yeah, yeah… sure… whatever… (tá, tá… concordo… seja lá o que for…)”. A pequena cabana de madeira na montanha gelada veio abaixo com as gargalhadas, todos estavam tontos de caipirinha. Depois, um amigo explicou para a mulher casamenteira “é que ele não sabia se era para ser faithful com a montanha ou com a noiva”.

As pessoas se apaixonam com intensidades diferenciadas. As mulheres tendem a se sentir atraídas por homens que se destacam, não há como fugir disso, é um padrão biológico. Ou seja, os melhores escaladores tendem a ser mais cobiçados, mas depois de um certo tempo começa a cobrança. A mulher espera que ele passe a escalar menos para dar mais atenção à ela. Muitos homens passam a escalar menos, engordam, passam a beber mais… engordam mais. Alguns param de escalar de vez. Mas outros tipos de homens continuam e nem reduzem a intensidade ou frequência, e isso passa a gerar ciúmes. Mas neste caso, ciúmes das montanhas! Obviamente que há casos em que eles gostam mais das montanhas ou das rochas que das próprias mulheres, o que gerou muitas separações “Ou a escalada ou eu!”. Para não ser injusto, o contrário também ocorre, quando é a mulher que prefere a escalada a um relacionamento do tipo tradicional.

Um ex-casal, amigos meus, passou pela a seguinte situação. Ele morava num apartamento muito pequeno, de um quarto. A sala era ocupada por um murinho de escalada. Apaixonados, resolveram morar juntos no mesmo cubículo. Entretanto, um ano depois os problemas vieram à tona. Numa casa grande as bagunças normalmente não são tão visíveis porque ficam diluídas, mas num apartamento muito pequeno, apenas uma cueca jogada no chão vira um zona. Bem, ela começou a reclamar das roupas jogadas nos cantos, banheiro sujo, tampa do vaso sempre aberta, revistas de escalada espalhadas até na cozinha. Ele, por sua vez, aguentava silenciosamente as manias dela. Detestava o cachorrinho nojento, um poodle. Ele gostava mais de gatos. Mas ficava furioso mesmo quando ela pendurava as calcinhas para secar nas agarras do muro de escalada, aquilo era o fim! Obviamente passaram a não escalar mais juntos e logo depois, veio a separação.

No ano 2000, a Mônica, o Zezinho e eu fomos à Chapada Diamantina, mas… o Zé era casado com uma mulher muito ciumenta, a Mônica é casada com outro amigo escalador. Daí segue o plano do Zé:
A minha mulher não sabe que a Mônica vai, mas se ela descobrir, diz que é sua esposa!
Minha mulher!? Tá legal, farei isso, mas avisa pra Mônica que ela vai ser “minha mulher”.

Paralelo à esta situação, o Marcelo, marido da Mônica, irônico, me pede para tomar conta dela durante a viagem, e ela responde da seguinte forma:
Ahh… tá legal, fechado! O AP dorme sempre às 9 h da noite, depois disso eu fico livreeee!

Fomos e voltamos da Chapada sem nenhum incidente, mas uma semana depois encontro o Zé e a esposa ciumenta no cume da Pedra Bonita (Rio), e logo depois aparece outro amigo, o Fajardo, que logo exclama:
Que legal, a Mônica me disse que a viagem de vocês três foi muito legal!
Que Mônica é essa Zé? Você disse que viajou apenas você e o Antonio Paulo! Me conta esta história direito!

Outra amiga, casada e mãe de um filho, escalava sem o marido saber, mas às vezes chegava em casa arranhada. Ela não precisava trabalhar, por isso podia escalar no meio da semana. Certa vez, aproveitando que o marido viajou num sábado, ela foi escalar com mais três colegas no Dedo de Deus. Saíram de casa às 5 horas da manhã, porque teriam de voltar no final da tarde. Como os quatro eram escaladores predominantemente esportivos, de vias curtas, se enrolaram na escalada, demoraram, se perderam. Enfim, conseguiram descer apenas por volta das 10 horas da noite. E o marido ligando, “onde você está?”, e ela mentindo e dando desculpas. Chegou em casa naquele estado. O resto desta história se faz desnecessário.

Mas voltando à estatística, numa atividade onde predominam homens, quando surge uma mulher atraente, inevitavelmente ocorrem problemas. Lembre-se, achamos que somos diferentes por sermos humanos, mas somos animais como qualquer outro mamífero terrestre, basta acirrar a competividade no que se refere a sexo e alimento, sem falar de sobrevivência e cria. Quer ver?

Fui escalar o Pão de Açúcar com Mark, um americano, mas antes sentamos na praça para tomar água de coco, perto de três outros escaladores. Minutos depois, ainda longe, surge uma garota muito bonita que parecia ter saído diretamente da capa da revista Playboy, e merecia! Ela estava indo encontrar os três e vestia um shortinho vermelho e uma camisetinha branca… Foi quando os três rapazes começaram a discutir.
Eu vou guiar ela!
Nada disso, eu vou guiar!

O escalador mais experiente e influente venceu a disputa. Mas o terceiro acabou percebendo que seria melhor guiar a outra cordada, assim poderia subir logo atrás e juntinho daquela escultura. Surge aí nova discussão, quem guiaria a outra cordada, os dois queriam. O Mark, que era de Montana, estado americano muito conservador, ficou com os olhos arregalados. Provavelmente nunca viu nada igual ao vivo. As mulheres que ainda cabem num biquíni naquelas bandas… ou seja, aquele treco feito por um monte de pano… bem… deixa isso prá lá… O shortinho e a camisetinha naquela garota pareciam ser menores que os biquínis de Montana.

Os quatro foram escalar. Mark e eu saímos meia hora depois para subir a via Cavalo Louco. Mas ficamos surpresos quando chegamos na base da montanha, eles estavam subindo a Italianos, que fica logo ao lado. A garota escalava bem e ia rápido com a seguranca do guia, que parou cerca de 60 metros acima. O guia da cordada abaixo passou sufoco para acompanhar a beldade, porque a corda era mais pesada e mais curta, media apenas 50 metros. Sabendo disso, o cara de cima propositalmente parou bem depois da parada normal, para ficar longe deles. Aí começou a discussão na retaguarda, porque o guia da segunda dupla queria continuar escalando para ficar perto da garota.
A CORDA ESTÁ ACABANDO! (gritou o participante que fazia a segurança).
SE ESTICAR, VEM JUNTO! (gritou o guia).
NÃO VOU NÃO!

A corda esticou quando o guia estava no meio de um lance delicado, entre 2 grampos, mas cerca de 10 metros abaixo da garota. E ficou empacado lá.
VEM JUNTO!
NÃO VOU NÃO, AGORA É A MINHA VEZ DE GUIAR! (o cara estava irredutível).

Enquanto isso, subi rápido a Cavalo Louco, que fica ao lado esquerdo da Italianos, mas fiz a primeira parada quase 60 metros acima. O gringo, escalador sólido de vias difíceis, arrumou uma desculpa no meio, dizendo que as sapatilhas estavam muito apertadas. Fingindo, balançava o pés constantemente e parou para afrouxá-las, mas não tirava o olho da via ao lado. Depois nos distanciamos daqueles patetas, mas ainda pude ouvir uma discussão áspera entre eles.

Mark e eu descemos e fomos tomar cerveja na praça. Quase três horas depois passa a escaladora sex, mas estava acompanhada por outro sujeito, novo nesta história. Quinze minutos depois passam os três patetas, mas longe um do outro e com caras emburradas. “Homem é um bicho bôbo”, dizem as mulheres. Mas aquela garota saiu de casa pronta para arrumar uma confusão, ou era muito sem noção.

Às vezes acontece do novo casal apaixonado ir escalar junto, para subir uma via exigente e difícil. Porém, ainda na caminhada de acesso, aquele desejo aflora com certa intensidade. Na base, antes de escalar, ocorre o quase inevitável. Ato consumado. Meia hora depois, talvez mais, o casal volta a descer a trilha, mas sem ter escalado. Isso pode ocorrer porque bate aquela preguiça bem conhecida, ou ele ficou fraco demais, tendo péssimo desempenho no início da escalada, abortando a missão. Talvez a maioria dos escaladores desconhece que, após o sexo, o corpo masculino fica debilitado por gastar muita energia, liberando e repondo o esperma. Esse ciclo pode levar mais de 24 horas para se completar. Isso já é bem conhecido pelos atletas olímpicos. Mas, algumas mulheres bem informadas e mal intencionadas, podem aproveitar dessa fraqueza masculina. Ao tentar acompanhar o parceiro numa escalada em que ela sente medo e incapacidade, na base ela começa aquele ritual de sedução e… pronto, acabou com a escalada!

Para alguns, escalar uma via bonita e inédita ou abrir uma via nova pode ser tão bom quanto fazer sexo, mas isto depende do julgamento de cada um. Como você bem sabe, ou deveria saber, o bom sexo é aquele completo que começa com carícias, com o desejo aumentando paulatinamente. Na percepção masculina, tem um momento sublime que ocorre quando tiramos lentamente aquelas calcinhas sex das mulheres. Depois o processo continua, mas sem pressa. Algumas vias de escalada quase se aproximam disso. Quando vamos escalar uma via de alta qualidade e tranquila, de longe sentimos uma atração enorme, que aumenta na medida em que a estudamos parece um pouco quando iniciamos a relação trocando aqueles olhares maliciosos com as mulheres. A fase de preparar e selecionar o material, e todo o proceso de encordamento, faz com que o coração bata mais forte, aumentando a vontade de subir é uma sensação parecida quando tiramos a calcinha de uma mulher. A subida é como o sexo em si, a cada trecho legal soltamos sussurros de prazer. Mas existe o sexo rápido, tal como as vias esportivas curtas, mas também tem o sexo prolongado, cadenciado, como nas vias longas das paredes e montanhas. Porém, infelizmente também existe o sexo ruim, como escalar uma via horrível e perigosa, que pode fazer nossas pernas tremerem, como as do Elvis Presley. Os escaladores americanos chamam isso de Síndrome de Elvis. A cara de pavor pode ser a mesma que você faz quando a mulher te pergunta com aquela voz de preocupação “você estava usando camisinha?”

Não sou psicólogo, sexólogo ou psicalanista, mas parece óbvio que casais que vivem juntos e escalam juntos tem chances reduzidas de permanecerem juntos. Surge a falta de paciência quando um demora escalando, ou faz alguma coisa que irrita o outro. No início do relacionamento tudo é amor, mas depois de alguns anos… As individualides precisam ser respeitadas e escalar com os amigos pode ser uma boa terapia para voltar pra casa tranquilo(a) e poder dar atenção para a família, mas o ciúme sempre existirá.

Este texto foi escrito por: Antonio Paulo Faria