Topo do Condoriri (foto: Arquivo Pessoal)
Localizada a 200 quilômetros de La paz, Quinsa Cruz ou cordilheira Três Cruzes, está na região das minas Caracoles, onde se explora estanho desde o período colonial. Região muito selvagem, sem infra-estrutura e estradas precárias, onde apenas veículos de transporte dos trabalhadores circulam com pouca, ou nenhuma manutenção. Sem dúvida essa é a parte da viagem mais perigosa.
Imbicado no Vale Larancota, o campo base, com seus 4.600 metros, já tinha sido visitado por mim ano passado, onde subi três montanhas e abri uma nova rota com meu amigo Maxi, da Argentina. Esse ano queria explorar as últimas duas montanhas do vale, com 5.400 metros, possivelmente virgens, com amigos brasileiros de Minas Gerais.
Uma semana na cidade de La Paz, Fábio e Nandão já estavam preparados para enfrentar a desgastante viagem de 9 horas em estradas de terra, onde passa um veículo por vez e o risco de cair nos abismos de até 300 metros é sempre uma preocupação constante.
O início – O primeiro dia foi só pra chegar ao campo base, às margens da Laguna Larancota, (Lagoa Azul na língua indígena). No outro dia, preparamos os equipamentos e planejamos nossa escalada. No terceiro, transportamos tudo montanha acima e treinamos técnicas de resgate e escalada em gelo.
No quarto dia atacamos duas montanhas pelo meio, nos dividindo em duplas. Fábio foi para o cume da esquerda com o inglês Maike. Nandão e eu subimos o da direita. Depois nos reunimos no topo que conquistei com Nandão.
Nossa rota com 300 metros em gelo de 60 graus e lances em rocha para proteger com friend´s, fitas e parafuso de gelo, torno-se uma escalada bem delicada e nos obrigou a bater um grampo no topo para a descida. Nessa altitude, a 5.400 metros, um descuido pode ser fatal, ainda mais quando o topo da montanha tem muitas rochas soltas e placas de gelo prestes a cair. Só as 7 horas da manhã chegamos ao acampamento. Fracos e felizes, fomos a primeira equipe brasileira a realizar uma exploração nessa cordilheira.
Dia seguinte – Passamos o outro dia sem comemorar. Nandão com dores de barriga teve de ser descido às pressas em uma caminhonete de mineiros. Nós, com muita sorte, só conseguimos espaço no teto do ônibus até La Paz um dia depois.
Uma verdadeira roubada… esse ano todos os transportes passavam lotados e quase ficamos por lá. Com os problemas do Nandão, eles voltaram ao Brasil. Eu tinha uma semana sozinho até a chegada de outros amigos. Resolvi, solitário, escalar a montanha.
Minha primeira experiência só no gelo: uma montanha a 25 quilômetros de La Paz, com rota fácil, segura e aproximação simples feita até mesmo de táxi.
O Huayna Potosi é a montanha mais visitada de toda Cordilheira Real. O primeiro acampamento Las Pedras tem 5.250 metros e cheguei em apenas 3 horas caminhando. Mais uma hora acima fica o acampamento avançado Argentino, a 5.390 metros.
Escolhi atacar o cume direto do primeiro acampamento. Estava aclimatado e teria maior descanso antes da escalada. Acordei as 2 horas da madrugada, sai uma hora depois com lua cheia e clima perfeito.
Escalada – Depois de horas caminhando, avistei a cidade de La Paz toda iluminada. Uma visão maravilhosa… sozinho na montanha, o único ruído eram dos meus pés quebrando o gelo. As 4 horas, escalei uma parede de 30 metros.
Ao passar para o outro lado, um forte vento tirou minha paz. Muito tempo depois, exposto ao vento e com minhas mãos já congelando, não tive opção a não ser procurar um abrigo. Na última parte da escalada uma rampa de gelo de 300 metros é o ultimo desafio para chegar ao cume.
Uma pequena saliência na base da rampa, formada por uma enorme greta, me serviu de abrigo. Passei duas horas nessa cova de gelo, até meus pés congelarem e as mãos só sentir com golpes na parede da cova.
As 7 horas, os primeiros raios do sol penetraram acima da minha cabeça e sai ao encontro da luz e o calor da superfície.
O topo – O maldito vento não passou, mas a temperatura foi subindo. As 8 horas eu já estava no topo, suado e com muito calor. Uma experiência maluca…
O melhor foi poder movimentar todos os dedos, dar alguns risos e girar 360 graus. Era o único no topo, foi incrível. Na descida, passei por vários escaladores indo ao cume.
As 3 horas da tarde cheguei ao campo Las Pedras. Mais duas horas até o base e, de táxi, cheguei em La Paz. Comer pizza no centro da cidade foi ótimo. Sujo e com uma fome de leão, todas as pessoas me olhavam. O pior de tudo foi não ter ninguém pra dividir as alegrias do dia. Essa é a verdadeira escalada em solitário…
Depois de três dias na cidade, meus amigos argentinos, Maxi e Laura chegaram. Fomos para a região do Condoriri. A adaptação de Maxi não foi muito boa e, passados dois dias no acampamento, eu queria muito escalar.
Depois de muita conversa, Maxi me convenceu a ir somente ao Pequeno Alpamayo. Ao meio-dia sai do campo base e, em apenas 3 horas, subi todo o glaciar da montanha Tarija até atingir o cume pela rota normal.
Não satisfeito e com pouco tempo, subi todo o filo do Tarija e conectei com o Diente, outra montanha. A região é mais rochosa e exposta, com pedras soltas, que me obrigou a continuar. A volta seria mais perigosa.
Medo – Já na roubada e sem corda, resolvi escalar e desescalar até a Pirâmide Blanca. Só às 5 horas cheguei ao cume. Preocupado com a descida e horário, tratei de baixar o mais rápido possível.
No glaciar mais abaixo, muitas gretas complicavam ainda mais minha descida e o medo virou um companheiro constante. Passei por uma ponte de gelo na base de muita reza.
Quando finalmente toquei terra firme, de joelhos, beijei o chão, sai pulando pelo resto do caminho e, gritando, no final da trilha, Maxi e Laura me aguardavam rindo. Eles acompanharam tudo por binóculos.
Comemorei com eles e achei aquele dia muito, muito especial.
Pequeno Alpamayo – Mais um dia na base pra descanso. Maxi já se sentia melhor e foi com Laura ao Pequeno Alpamayo. Passei o dia todo sozinho e pensando no Condoriri.
Às10 horas do outro dia, sozinho, parti para uma escalada bem mais arriscada: a diretíssima do Pequeno Alpamayo, com gelo de 70 graus, sem corda e uma única saída: o topo da montanha.
As 4 horas da tarde e sem olhar pra baixo em nenhum momento, cheguei outra vez ao seu cume. Essa escalada não deu medo, deu muitoooo medo…
No final da rota na parte mais exposta, já estava com dor nos pés e braços. Foi uma escalada muito técnica e de resistência. Cheguei no acampamento acabado e demorei muito na descida, uma prova de como foi desgastante.
Outro dia de descanço no campo base. Maxi e Laura foram para o Diente e eu fiquei admirando o Condoriri, a montanha mais técnica de todo o vale.
Último dia, a montanha mais complexa e longa. Olhei no relógio. Eram 11 horas e eu estava no glaciar aos pés do Condoriri. Subi bem rápido a trilha, troquei os bastões por piolet e ataquei a ala direita da montanha. Ao meio-dia cheguei no cume, avistei nuvens no horizonte e vi que o tempo iria mudar.
Resolvi atacar o cume principal o mais rápido possível e aproveitar aquele dia. Bem mais exposto, a rota normal toda em aresta tem lances em rocha, que torna a escalada lenta.
Só as 2 horas da tarde subi o cume. Não acreditei… uma visão linda de todas as montanhas que escalei e da majestosa Hilimane. Lagos e outros vales surgem atrás da ala esquerda e uma enorme rampa de gelo desce ao encontro das duas montanhas: fazê-la seria um sonho.
Aventura – Não perdi tempo, estava muito confiante e resolvi descer entre as duas montanhas, por uma canaleta de rochas e neve.
Afundei pelo terreno virgem até a linha da cintura. Achei que fosse ficar enterrado várias vezes. Ao tocar a outra montanha, nuvens tampavam o cume principal, mas logo passaram. Na rampa da ala esquerda, o gelo duro facilitou a escalada.
Pude parar muitas vezes e admirar todas as montanhas. Sai no cume em meio a uma virada de tempo. Flocos de neve caiam. Avistava o campo base e o glaciar logo abaixo, com uma greta para saltar. Na descida, perdi muito tempo.
Reta final – Ao falar pra mim mesmo que faltavam alguns metrinhos, só a greta pra saltar e estaria salvo, não dei conta do horário. As 6 horas da tarde cheguei no glaciar. Agradeci, mas não comemorei. Ao saltar a greta, voei como um pássaro, tive o momento mais leve da minha vida e o frio na barriga mais forte.
Já a noite e cansado, cheguei em terra firme. A neve não parava de cair. Com pressa e sem saber bem o caminho da volta, fui pela primeira canaleta de rochas. Acabei no caminho errado e mais exposto, muito inclinado e com uma descida de 600 metros.
Lá embaixo no glaciar da ala sul, quase chorei. Fiz as três montanhas e errei na trilha de cascalho: 300 metros de rochas e areia pra subir até a trilha principal. Coloquei meus grampos, pois só assim conseguia subir a rampa.
Acidentes – No cascalho rasguei minha calça de Gore Tex, esfolei as mãos e quebrei um bastão de caminhada em outro tombo. Sair daquele maldito vale foi um sufoco. Ainda tinha energia e, com muita sorte, pouca neve acumulou no caminho durante aquelas horas perdidas.
Duas horas mais e o chão estaria todo encoberto. No acampamento meus amigos e outros guias acompanhavam a luz da minha lanterna. Essa foi uma escalada pra toda vida, depois dela a temporada terminou pra mim. Não sei quando vai começar a próxima, espero que em janeiro na Patagônia.
A temporada de 2006 na Bolívia foi espetacular. La Paz, capital mais alta do mundo com 3.700 metros, estava repleta de turistas e escaladores. Ao desembarcar no aeroporto, no bairro de El Alto, 4.200 metros, o aventureiro deve tomar mate de coca, que ajuda muito na aclimatação à altitude e não é alucinógeno.
Você ainda pode mergulhar de cabeça na cultura local, visitando os mercados de La Paz, feiras de artesanato e desfrutar os vários roteiros turísticos. Uma dica é visitar as ruínas de Tihuanaco, povo pré-incaico que viveu as margens do lago Titi-Caca.
A viagem dura uma hora e meio e tem 70 quilômetros. Vá na janela do lado direito, pois tem uma bela vista da Cordilheira Real, com cerca de 800 quilômetros e nevados com mais de 6.000 metros.
Nessa parte central você pode avistar os nevados Huayna Potossi, conjuto Condoriri e Chachakumani.
Em La Paz, os hotéis podem custar entre 16,00 bolivianos e 45,00 bolivianos. Um dólar são 8,00 bolivianos. Na calle Sagarnaga, região central da cidade existem vários hotéis e agências de turismo, além do famoso mercado das Brujas. Vale a pena visitar!!!
Gustavo Silvano é patrocinado pela Snake, Trilhas e Rumos e Cordas K2
Este texto foi escrito por: Gustavo Silvano
Last modified: agosto 31, 2006