De carona em minha última coluna, vou aprofundar ainda mais o sentimento que esta atividade exerce sobre mim e que acredito, sobre muitos montanhistas. Quando em 1996 escalei minha primeira grande montanha, o Codoriri na Bolívia, lembro-me claramente do frio que passamos na noite anterior a chegada ao cume, do quanto andamos nos dias que antecederam a conquista e do esforço tremendo que eu e meus colegas tivemos que nos sujeitar para pisar, naquela manhã ensolarada de julho, acima dos 5.438 metros de pedra e gelo da montanha. Foram horas de caminhada através de pedras soltas, glaciares, canaletas de gelo e enfim a aresta final, por onde, acima de duas paredes verticais, caminhamos em direção ao cume. Passaram-se exatas nove horas desde o momento em que, às 4 da manhã, abandonamos a barraca, munidos de equipamentos, chá quente, barras de cereais e lanternas.
Primeiro a chegar, logo caí de joelhos vencido pelo cansaço. Apreciava os 360 graus de montanhas geladas e observava o Alê Cardoso que vinha logo atrás. Aqueles 30 metros de corda que nos separavam, ainda me deram 5 minutos de privacidade no cume. Cinco minutos de introspecção: por que estava lá? Por que sofrera tanto para aquilo? Por que estar no cume de uma montanha é tão especial? Quando o Alê Cardoso chegou seguido por nosso terceiro e último parceiro, Lui Jr., em um longo gesto, nos abraçamos e juntos choramos as lágrimas da conquista.
Por que aquelas lágrimas eram tão melhores que outras lágrimas? Por que a sensação de conquista de uma montanha é tão boa? Por que a montanha exerce tanta atração sobre nós? Este último ano, em mais uma viagem, ao Peru, ao chegar ao cume do Pisco, há 5.745 metros, troquei as lágrimas por um grande sorriso que se estampou por horas em meu rosto, símbolo da mais sincera felicidade. Meu colega, Ricardo Laiser, que nesta oportunidade fazia sua primeira montanha, conseguiu esconder, por um tempo de mim e do Alê Cymbalista, sua emoção. Mas a montanha é implacável. Após alguns minutos, ele acabou sentando-se em um canto e com as mãos cobrindo o rosto, chorou por longos 15 minutos. Que sabe pensando e questionando-se, como também fiz, em minha primeira montanha.
O fato é que nas montanhas você faz seu desafio ser único. Se na escalada esportiva você escala quarto grau, curta ele ao extremo, faça valer cada segundo em contato com a rocha. Se você não tem físico para um 8000 tudo bem, caminhe em Itatiaia e faça valer cada passo entre suas montanhas e vales. O grande lance na escalada é que, independentemente de seu feito, sua alma passará pelos mesmos conflitos, esforços, superações e emoções. Você não precisar ser um Waldemar Niclevicks, nem estar no Everest ou K2. Se você quer escalar o Aconcágua e não quer correr os mesmos riscos do Rodrigo e do Victor que escalaram a face sul, vá pela via normal, milhares de pessoas já a fizeram, mas nem por isso sua escalada deixará de ser única. Curta cada segundo em contato com a montanha como se este fosse o último e então, a cada ano, você irá querer mais e mais segundos com ela.
Este texto foi escrito por: Alê Silva (arquivo)