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Monte Sarmiento: cenário principal de Extremo Sul


Navio naufragado no Estreito de Magalhães. (foto: Mônica Schmiedt)

A história do monte Sarmiento, cuja escalada é o tema central do primeiro filme brasileiro de alpinismo, se mistura com a história da Patagônia. Conheça os detalhes repletos de aventura que envolvem este cenário.

“Na única noite em que brilhavam as estrelas, desenhou-se, por poucos instantes, o perfil gigantesco da pirâmide do Sarmiento. Ela estava envolta na penumbra de um mistério que a convertia em um espectro branco, aparecido por encanto, para assustar os espectadores.”
Padre Alberto Maria De Agostini, sobre o Monte Sarmiento.

“A esterilidade se estende como uma verdadeira maldição por todo o país. Mesmo a água, ao escorrer sobre um leito de pedras, parece participar deste malefício.”
Charles Darwin, sobre a Patagônia.

A Terra do Fogo fica no extremo sul da Patagônia, que por sua vez fica no extremo sul da América Latina. Para chegar até essa terra, que há três séculos vem endurecendo os corpos e as almas de aventureiros de todo o mundo, Pode-se cruzar 6.000 km de estradas de ripio, da Argentina ou do Chile, ou tomar um avião até Santiago e depois outro até Punta Arenas.

Mas, mesmo de avião, a chegada só será após um longo dia de viagem. No desembarque, o vento e o frio darão as boas-vindas, um prenúncio do clima que se enfrentará mais para o Sul.

A cidade mais austral – Punta Arenas é a cidade mais austral de nosso continente. Antes da abertura da Canal do Panamá – quando o Estreito de Magalhães era o principal acesso para o Oceano Pacífico a cidade era muito próspera, sendo a primeira a ter energia elétrica no Chile. Seu apogeu continua visível nas construções em torno da Praça de Armas, onde estão as casas de Sara Braun e dos Braun Menedez – entre outras -, hoje transformadas em museu e hotel. Essas famílias, de criadores de ovelhas e negociantes, já fizeram parte das maiores fortunas do mundo.

Punta Arenas transpira história pelas ruas e, ainda hoje, segue sendo estratégica para os aventureiros: é ponto de partida de expedições para a Antártida e para os glaciares da Terra do Fogo. É para lá, que se dirigem pesquisadores e alpinistas de todo o mundo, atraídos por montanhas e territórios ainda virgens. Porém, antes de sua fundação, as tentativas de colonização da região foram trágicas.

Em 1580, cerca de 50 anos após Fernando de Magalhães ter descoberto o
estreito que liga o Atlântico ao Pacífico, houve a tentativa de fundar os povoados de “Rei Don Felipe” e “Nome de Jesus”. O espanhol Sarmiento de Gamboa, reputado navegante, foi nomeado Governador e Capitão Geral do Estreito pelo rei Felipe II de Espanha, com o encargo de povoar e colonizar esta região tão estratégica na época.

Assim, 23 navios partiram da Espanha transportando 3 mil pessoas, mantimentos, materiais de construção e toda a espécie de utensílios necessários para a colonização da região. Quatro anos depois da partida de Sevilha, iniciaram o desembarque naquela região gelada já com boa parte da esquadra dispersa ou perdida em naufrágios.

Após a instalação das colônias, a esquadra de Sarmiento foi empurrada pelo mau tempo até o Rio de Janeiro e obrigada a voltar à Espanha para reabastecer. Uma vez lá, Sarmiento iniciou uma longa negociação com o Rei, que não lhe concedeu permissão e recursos para voltar ao Estreito. Enquanto isso, os dois povoados abandonados naquela terra infértil, enfrentavam um clima em que o frio e o vento destruíam qualquer tentativa de cultivo. Esquecidos foram condenados à morte, pelo frio e pela fome.

Em memória ao triste destino desses primeiros colonizadores, o povoado “Rei Don Felipe” hoje chama-se “Puerto del Hambre”. Coincidentemente, ao seu lado, está situada a Baía Mansa, local onde toma-se o barco para ir até o Monte Sarmiento e os canais fueguinos.

Foi provavelmente em Baía Mansa que Sarmiento de Gamboa, ao admirar a paisagem, avistou um monte totalmente nevado, muito alto e isolado, que batizou de “Vulcão Nevado”. Esta montanha, anos depois, foi rebatizada por Parker King – hidrógrafo do barco “Beagle” – de Monte Sarmiento. “Beagle” foi o mesmo barco que transportou Charles Darwin pela Patagônia e Terra do Fogo, na expedição que deu origem à sua obra “Viagem de Um Naturalista ao Redor do Mundo”.

O monte Sarmiento, com 2.404 metros, é uma das montanhas mais misteriosas da América do Sul. Localizada 150 km ao Sul de Punta Arenas, sua altura e isolamento permitem que a vejamos, dessa cidade, em dias de tempo bom. Respeitada e desejada pela elite do alpinismo mundial seus cumes foram escalados 3 vezes desde que Sarmiento de Gamboa erradamente a batizou de vulcão, no século 16.

A primeira e única expedição a atingir o seu cume mais alto foi a italiana, em 1956. O grupo era chefiado pelo Padre Alberto Maria de Agostini, que retornava para a montanha com mais de 70 anos de idade, depois de duas tentativas frustradas em 1913 e 1914. Como, com esta idade, não podia mais escalar a montanha, trouxe com ele Carlo Mauri e Clemente Maffei, dois dos melhores alpinistas da época, que conquistaram o cume com seus precários e pesados equipamentos.

Paisagem inédita – Apaixonado pela região, o Padre já havia morado 30 anos na Patagônia, trabalhando como educador da igreja Salesiana e foi o primeiro documentarista da região. Com paixão pela fotografia e pelo alpinismo, explorou e fotografou uma paisagem inédita aos olhos do mundo civilizado, bem como uma cultura indígena que atualmente só existe nos museus e nos arquivos.

Os índios Onas, Tehuelches, Yamanas e Alacalufes foram os primeiros habitantes da região e sobreviviam àquelas duras temperaturas, vestidos apenas com peles de animais e, na sua maioria, andando descalços. Eles foram caçados e exterminados como animais por homens brancos como Julius Popper, encarregado de matá-los, por comerem as ovelhas do colonizador.

A recompensa por índio morto era contabilizada por pares de orelhas mas foi substituída por pares de mãos quando descobriram que, mesmo sem orelhas, eles eram deixados vivos. Hoje, já sem índios, os canais e fiordes da Terra do Fogo são habitados apenas por zorros (pequenos lobos) e pássaros.

Esta paisagem intacta atraiu os cineastas e alpinistas do documentário “Extremo Sul”. A equipe realizou duas expedições ao Monte Sarmiento. A primeira, em 1998, contou com alpinistas brasileiros e argentinos. Eles estudaram a região para estabelecer a melhor estratégia para escalar o cume da montanha.

Amparada pelos relatos de uma expedição americana, que em 1995 escalou o cume mais baixo do Monte, pôde confirmar o que já suspeitava: devido às mudanças no clima do planeta os gelos, que descem pelas encostas, estão se deteriorando rapidamente. Isso provoca imprevisíveis avalanches que dificultam a escalada e expõem nossos alpinistas a enormes riscos.

Escalar esta montanha é um grande desafio; filmá-la é outro ainda maior. Em março de 2003, quando nossos alpinistas voltarem para a montanha para, assim como o Padre Agostini, para tentar o cume pela terceira vez, enfrentarão os ventos cortantes, as chuvas constantes, o frio enregelecedor e, ainda, terão que fazê-lo em frente às câmeras.

Reconhecimento – Antes da realização desta grande expedição, será necessária mais uma viagem de reconhecimento, que acontecerá em outubro deste ano. Nesta fase de pré-produção, estarão envolvidos além dos alpinistas, a equipe do filme “Extremo Sul”, que tem a missão de planejar a filmagem num lugar onde chove 340 dias ao ano, onde a temperatura média é de zero grau e o vento é inclemente e contínuo.

Assim como fizeram piratas e navegadores, como Francis Drake e Sarmiento de Gamboa, a equipe terá de cruzar o temido Estreito de Magalhães, que ostenta por toda sua costa, carcaças de navios naufragados. Antes disso, no caminho entre Punta Arenas e Baía Mansa, passa-se pelo túmulo de Pringle Stokes, que ao morrer a bordo do Beagle foi enterrado na mesma terra que ajudou a desbravar.

A viagem de barco durará todo um dia, até chegar-se a uma baía segura da Terra do Fogo, que dará acesso a base do Monte Sarmiento. Esta travessia será um prólogo apropriado ao mundo que as equipes encontrarão naquela região remota, onde nenhuma câmera de filmagem, exceto a da equipe do Padre Agostini, disparou e onde a visão, a um só tempo aterradora e arrebatadora, vivenciada pelo padre, é a mesma que aguarda os protagonistas desta nova saga.

Este texto foi escrito por: Webventure