Garrafão no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (foto: Helena Artmann)
Fui, talvez pela décima vez, fazer a travessia Petrópolis-Teresópolis , uma das caminhadas mais tradicionais do Brasil, atravessando um dos parques mais importantes do país, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, localizado nas serras fluminenses. A proposta era subir a trilha do Açu e, uma vez lá em cima, por volta dos 2 mil metros de altitude, visitar algumas montanhas fora da travessia. Para isso, separamos dois dias e meio tempo quase suficiente.
Logo na entrada, preenchemos o termo de responsabilidade, tivemos mochilas revistadas e a péssima notícia de que a bagunça ainda reinava nas noites do Açu. A boa notícia é de que eles estão fazendo rondas esporádicas talvez um pouco esporádicas demais. O estado da água lá em cima é de dar nojo… comida boiando e muita sujeira. Por sorte, subimos na sexta e pudemos passar uma noite tranqüila, com visitas de ratinhos que tentavam roubar nossa comida sinal da invasão humana naquele lugar deslumbrante.
No dia seguinte, uma tentativa frustrada de subir uma montanha que eu já havia feito há anos: Pico do Eco. Bonita e quase inatingível, recebe talvez um grupo por ano em seu cume. Ali, bem perto do Açu, o caminho oferece uma vista absolutamente irrepreensível da serra, além de toda a Baía de Guanabara e as montanhas do Parque Nacional da Tijuca.
O que nos separou do cume? Um vale muito fechado, íngreme e que não facilitou, repleto do cortante capim de anta. Lembrei da vez anterior, quando fomos pouco depois de um incêndio e tivemos como descobrir o caminho.
Já que o Eco foi resistente, pensamos em mudar nosso objetivo e ir para o Morro dos Quatis, quase ao alcance das mãos… Mas o capim de anta não deu trégua. Cansados e cortados, desistimos destas montanhas já no começo da tarde. Nesta manhã, um animal (gambá? Quati? Não sabemos…) atravessou a nossa frente e me senti privilegiada primeiro, por estar caminhando em lugares que poucos vão. Segundo, justamente por isso, cruzar com animais selvagens.
Isso me fez pensar o motivo das pessoas não saírem do Açu nem da travessia, de não conhecerem este parque lindo, de não pisarem novas trilhas munidos de bons mapas e bússolas e não encontrei a resposta.
Com as cargueiras novamente nas costas, partimos em direção à travessia. Já era meio da tarde e devíamos achar um lugar para acampar antes do anoitecer não era sensato entrar na parte de navegação mais difícil de toda a trilha à noite. E ainda tinha a água…
Abastecidos no Paraíso (você conhece algum nome mais sugestivo?), subimos o Morro da Luva e erramos a direção. Sorte nossa! Acabamos dando de cara com um simpático córrego, que nos ofereceu um delicioso e isolado local para acampamento. Passamos a noite ouvindo música alta que eu julgo ter vindo do Açu. E agradeci estar afastada dos baderneiros, que não combinam, em absoluto, com aquele lugar.
Outro dia lindo, depois de meses de muita chuva. Já era domingo e cruzamos com alguns grupos fazendo a travessia alguns muito lentos, outros muito grandes. Nós, apenas quatro, estávamos ágeis e terminamos a travessia em pouco mais de seis horas. Após três anos sem pisar em alguns trechos daquela trilha, pude ver as mudanças que o parque andou fazendo, como corrimão para atravessar um rio, duas pontes e uma escadaria de ferro em um dos trechos mais erodidos.
Tenho certeza de que este é o caminho para os parques com muita visitação, como acontece com muitos parques americanos. Nossa vantagem em relação a eles? A apenas uma hora e meia do Rio de Janeiro, ainda conseguimos nos perder em trilhas mal marcadas e cobertas pela vegetação que desandou a crescer com tanta chuva inesperada e um mínimo de sensibilidade e orientação é sempre útil, o que torna toda e qualquer caminhada mais do que um passeio no parque…
A caminhada acabou, mas não a vontade de pisar em cada cume que não atravessou o nosso caminho e ficou ali, impassível, nos vendo passar.
Este texto foi escrito por: Helena Artmann
Last modified: agosto 27, 2004