Foto: Pixabay

Mulheres no Nepal

Redação Webventure/ Aventura brasil

Mulheres vestidas para festival Teej. (foto: Fernanda Preto)
Mulheres vestidas para festival Teej. (foto: Fernanda Preto)

Bem longe do Everest, paisagem mais famosa do Nepal; bem ao lado do Tibet. Essa região foi escolhida por três brasileiras para uma caminhada em setembro deste ano. Upper Mustang, um dos destinos dos trekkers nesta concorrida região, reúne tudo o que tornou este pedacinho do planeta um sonho ou paraíso para muitos: a paisagem incomum e as intensas manifestações de cultura e a religiosidade.

Sandra Palma, Iveth Shimabokuro e Fernanda Preto não foram em busca de aventura. Reconhecem que o percurso feito, em caminhadas longas de até oito horas por dia, partindo do leito do sagrado rio Kali Gandaki, não é dos mais difíceis. O desafio para elas era filtrar durante todo o caminho, as belezas e sutilezas de um povo tão singular captadas pelo olhar de mulheres.

14 dias na trilha – Essa equipe saiu de Kagbeni, famoso ponto de partida para diversos destinos de trekking no Nepal, inclusive para a região do Annapurna, e passou 14 dias na trilha de 90 km, chegando a Lo Manthang e retornando a Jomsom. Nos planos, mais do que a programação para o dia-dia de atividades, a preocupação em reservar tempo para conversar, observar, “curtir”, como Sandra diz.

As brasileiras almejavam saber mais das tímidas e alegres mulheres de Upper Mustang e seu povo. E o Aventura Brasil agora convida você a reviver esta viagem. Provavelmente, trata-se de um privilégio de poucos: “Quando passamos pelo check post de Kagbeni e Lo Mantang, tomamos o cuidado de ler todas as informações estatísticas disponíveis e observamos que apenas um brasileiro esteve em Upper Mustang desde que foi aberto ao turismo, em março de 1992”, avisam as integrantes de “Kali Gandaki”.

O nome Mustang é a aproximação do nome original “Lo Men Thang” e tem vários significados. Um deles é “Terra Proibida”. Aberto ao turismo há 10 anos, o local tem rei e rainha e é habitado pelos Loba*. Hoje recebe trekkers de todo o mundo, num comércio bastante organizado. Um pouco das belezas da região foi conhecido por quem assistiu a “Mustang”, um dos filmes do Banff Mountain Film Festival, festival trazido ao Brasil no segundo semestre deste ano.

A brasileira Sandra Palma conta que para realizar a caminhada é obrigatório contratar um “staff de trekking”, através de agência nepalesa, que inclua uma “sirdar” (guia) e um oficial de justiça. A presença deles, além de facilitar a comunicação com os locais, garantiria que o turista não desrespeite regras como não fotografar o interior dos templos ou consuma em demasia a comida local.

O preço – Por isso é preciso ter dinheiro para experimentar o desafio. Sandra calcula que cada uma das três integrantes do grupo gastou 2 mil dólares para o “staff”, que incluiu carregadoras, e o grupo ainda pagou mais 650 dólares pelo acompanhamento do oficial de justiça e 700 dólares de permit (visto para o trekking), entre outras despesas.

A organização local também limita a presença dos turistas. Hoje Upper Mustang faz parte do Annapurna Conservation Area Project (ACAP), que enfatiza a educação ambiental para a população e visitantes. As caminhadas não podem ser feitas no mês de dezembro, pleno inverno na região, e o número máximo de visitantes por ano é mil. Por isso Sandra não pode passar por lá em sua última viagem ao Nepal, há dois anos. Perseguiu a idéia até 2002 e finalmente formou o grupo que se afinasse com seus objetivos.

A última integrante, a fotógrafa Fernanda Preto, ela conheceu e contactou ao navegar pelo Webventure. “Era um risco ter conosco uma pessoa que não conhecíamos bem, mas tivemos uma ótima surpresa porque ela se adaptou muito bem”, lembra Sandra.

Caminhada ´vigorosa´ – Escolheram o outono nepalês para fugir das chuvas da época de Monção e chegar antes do rigoroso inverno que dá sinais já em novembro. Treinaram por quatro meses para ganhar resistência para a caminhada de 90 km. A líder da equipe caracteriza o trecho como “vigoroso”. Ela explica: “não há grande dificuldade técnica, essa não era mesmo a nossa pretensão. Mas foram etapas longas e chegamos a até 4.100 metros de altitude, o que já causa uma certa reação no corpo.”

Em suas viagens anteriores, que incluíram o trekking até a base do Everest, Sandra aprendeu a lição: “Seguimos dicas básicas como caminhar devagar e com pouca variação de altitude a cada dia não passávamos dos 500m. Além disso, bebíamos quatro litros de líquido por dia.”

Isolamento – Pedra e areia eram terrenos predominantes. Aliás, havia muita areia, o que fez com que turistas norte-americanas que o grupo encontrou pelo caminho brincassem que estavam se sentindo no Arizona. “Havia durante todo o tempo deslizamentos de pedras, algumas até grandes. Com o silêncio absoluto que existia durante os deslocamentos por regiões totalmente isoladas, ouvíamos cada uma das ´avalanches´”, lembra Sandra.

A fauna e a flora na trilha são escassas, exceto nos vilarejos irrigados, que se parecem com pequenos oásis, com traços verdes no meio de uma imensidão árida. “Durante os 14 dias, vimos poucos pássaros, ratos do mato e apenas dois coelhos”. Já para quem quer o contato com os nativos, objetivo maior das brasileiras, setembro é o mês ideal. A vida é evervescente nas vilas, pois se trata do mês da colheita.

(*) Habitantes de Lo (Manthang), o maior vilarejo de Upper Mustang.

Pobreza e alegria. Mulheres tímidas, dois maridos. E muita fé. Todos esses ingredientes se misturaram na viagem feita pelas brasileiras e foram cuidadosamente captados por elas.

A contradição de ser festivo e, ao mesmo tempo, exibir aspectos tristes, como a pobreza, já puderam ser vistos pelo grupo brasileiro logo na capital do Nepal, Kathmandu. Ali Sandra, Iveth e Fernanda participaram de cerimônias típicas de hindus e budistas, duas religiões que convivem pacificamente nesta região do mundo.

“Assistimos a cremações, rituais budistas bastante comuns ali, e uma animada festa de mulheres hinduístas, a Teej. Ambos os acontecimentos, tão distintos, se passam no mesmo local, Pashupatinath”, descreve Sandra. “Nas duas ocasiões, meninos de rua estavam prontos para se aproveitar: vimos um garoto tentando roubar vestes de uma senhora, atiradas no rio durante um dos momentos sagrados do ritual de sua cremação; e, após a festa hindu, outros meninos esperaram a limpeza do templo para fazer uma triagem entre flores e frutas usadas para encontrar e guardar consigo moedas que também foram ofertadas no festival”.

Casamento arranjado – Um dos objetivos da equipe era conhecer melhor a cultura dos Loba, dona de um aspecto bastante curioso: mulheres que têm dois maridos. Descobriram que esta tradição está se perdendo: foram informadas de que hoje há apenas cinco mulheres nesta condição vivendo em Upper Mustang.

Para outras mulheres Loba, o casamento pode ser um momento traumático. Ali ainda se pratica o casamento arranjado. “Tudo segue um ritual. Assistimos a um casamento em que a noiva, uma garota de 16 anos, veria seu marido pela primeira vez. No dia seguinte, seria `entregue` a ele. Ela chorava e soluçava sem parar. Foi desesperador!”, lembra Sandra. “Na cerimônia, ela se sentou ao lado do noivo. Não se falaram, não se olharam, não se tocaram. Ela continou chorando.”

A intérprete – A “sirdar” era a intérprete das brasileiras. Nem sempre isso era uma facilidade. “Às vezes ela não queria fazer perguntas às mulheres locais, mesmo que insistíssemos que este era nosso objetivo ali, que precisávamos saber sobre elas”, conta Sandra. “Outras vezes ela perguntava, a mulher respondia falando bastante, mas a ´sirdar´ só nos dizia: ´Ah, ela não falou nada de importante´!!! Por isso digo que o nepalês é bastante genioso e tem um ritmo bem diferente do ocidental. Ele só faz o que ele quer e do jeito que ele quer”, finaliza Sandra, com um sorriso.

Essa curiosidade pelas pessoas não foi satisfeita em Upper Mustang. A viagem ainda vai virar livro e exposição fotográfica, mas o grupo já planeja expedições pelos sete continentes. A próxima seria na África, “sempre só com mulheres e em busca de culturas diferentes e surpreendentes”, resume Sandra. Então, até a próxima!

A “Expedição Kali Gandaki” teve o patrocínio de Shering do Brasil e apoio de Race Assessoria Esportiva, EcoViagem, Alitália e Curtlo. Site oficial: www.kaligandaki.com.br

Este texto foi escrito por: Luciana de Oliveira

Last modified: novembro 14, 2002

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