Ser classificado como um aventureiro durante vários anos foi a maldição que alguns profissionais tiveram de carregar. Mas a cultura brasileira está evoluindo e, assim como o esporte, passou a ser encarada como uma profissão digna, e não mais como um hobby. Basta lembrar que de 8 a 11 de novembro irá acontecer em São Paulo a Adventure Sports Fair, um evento dedicado exclusivamente à aventura e aos esportes de ação, com mais de 160 empresas do ramo expondo e gerando negócios da ordem de R$ 40 milhões.
Tudo isso nasceu de um sonho e da garra de alguns que quiseram unir o útil ao agradável, transformando seu laser em trabalho. Mas fazer o que gosta não significa ficar no ócio. Essas pessoas querem enfrentar seus limites, que é a nossa rotina a cada instante quando estamos atravessando o deserto do Saara no rali Paris-Dakar.
Quando você chega neste ponto, o limite, percebe que ele é uma linha muito tênue separando o sucesso da perda de um ano inteiro de trabalho ou, sendo mais pessimista, até uma tragédia. A solução que encontramos foi uma estratégia para ao menos tentar controlar este risco. Você deve evitar o evitável, realizando treinamentos, melhorando sua performance e das ferramentas com que poderá contar, simulando e testando.
Muita gente pensa que o rali Paris-Dakar é um grande campo de testes. Isto até pode acontecer, mas significa que alguma coisa deu errada no planejamento, porque quando tudo está certo, os testes já aconteceram antes e o Dakar serve apenas para certificar e divulgar o desempenho.
Nós, da Equipe Petrobras Lubrax, gostaríamos de neste exato momento estar no coração da África treinando, como várias equipes européias estão fazendo. Mas isto nos custaria muito dinheiro. Então, usando nossa criatividade e recursos naturais brasileiros, desenvolvemos uma estratégia de procurar aqui mesmo regiões que simulem as condições que encontraremos ao atravessar a África.
Para uma melhor preparação de nossa equipe, elaboramos um cronograma de treinamentos onde estaremos visitando a Serra da Canastra, com suas montanhas e rochas de incrível semelhança com as do Marrocos, a Serra do Cipó e o Sertão Nordestino, muito parecidos à região árida e de savana do Mali e Senegal. Na Mauritânia encontraremos as dunas, o terreno decisivo para o resultado do rali. O Brasil tem uma série de regiões com dunas. Por uma questão de logística realizaremos treinamentos nas dunas em Santa Catarina e no Rio de Janeiro.
Mas num passado recente do rali Paris-Dakar, estes treinamentos foram utilizados para objetivos que vão além dos testes e desenvolvimento. Nas décadas de 80 e 90 a vitória no Dakar atingiu um valor comercial gigantesco e logo grandes fábricas começaram a encontrar alternativas para alcançá-la. Nos meses que antecedem a prova, a organização do rali faz várias incursões ao Saara, buscando rotas e passagens nunca utilizadas. Esta caravana era e é acompanhada por guias militares locais.
As grandes equipes, então, não hesitavam e procuravam e encontravam estes guias e contratavam seus serviços para que os mesmos mostrassem a rota da prova. A competição ficava desigual. Por mais de uma vez a organização do Dakar deu de cara lá no deserto uma equipe treinando. É o cúmulo da coincidência. O próprio Hubert Auriol, atual chefe do Dakar, chegou a passar por este constrangimento quando era piloto das maiores equipes.
E conhecendo este procedimento, uma das primeiras medidas que tomou ao assumir o comando da caravana foi de proibir qualquer tipo de reconhecimento e adicionar punições ao regulamento, que levam a exclusão de qualquer equipe que for encontrada realizando treinos nas regiões por onde o rali passará. Agora, antes de seguir para a África, em particular o Marrocos, as equipes têm de avisar a organização de onde estarão treinando.
André Azevedo, 41, e Klever Kolberg, 38, são pilotos da Equipe Petrobras Lubrax e participam do rali Paris-Dakar há 13 anos.
Este texto foi escrito por: André Azevedo e Klever Kolberg, da Equipe Petrobras Lubrax