Acabo de chegar da padaria, onde mal tive tempo de engolir um pedaço de pizza (aliás, a melhor pizza de mussarela do mundo. Como sinto saudades dela quando estou naqueles lugares onde a suculenta mania paulistana nem aparece em miragens…). Foi tudo na pressa, afinal as 24 horas do dia foram poucas: já tinha visitado a oficina onde o carro está sendo preparado, ministrei palestra em um trabalho voluntário, fiz reuniões e telefonemas, respondi e-mails, ainda precisava escrever este artigo, ir até a academia, fazer a mala para viajar para Rio das Ostras, de onde larga o Rally Terra Brasil, e cuidar da família e da casa.
Mas no pouco tempo que estive saboreando aquelas delícias na padoca, me aparece um sujeito e solta aquela: Você é o cara do rali?. A resposta afirmativa estimulou a segunda pergunta: Quando você vai correr de novo?. Respondi que era naquela semana e para ser atencioso, completei: Vou correr o Rally Terra Brasil, que larga quinta-feira de Rio das Ostras e chega três dias depois em Porto Seguro, na Bahia. Serão 1500 quilômetros…
O cara, na maior, virou para o balconista e soltou aquela jóia: Tá vendo? Estes caras é que levam a vida, disse, enquanto tomava um gole da cerveja que dividia com amigos. E continuou afirmando. Você já pensou viver a vida viajando, cercado de mulheres bonitas, freqüentando festas e lugares que mais parecem paraísos e ganhando uma grana?!.
Como eu percebi que ele estava se divertindo, inclusive com a minha cara, e apesar de ser tarde da noite, eu tinha de voltar para o batente, preferi deixá-lo naquela ilusão e vim registrar meu protesto aqui. Afinal, há 16 anos, quando optei por este modo de vida, me iludi, pensei que seria assim, fácil e divertido (não que às vezes não seja divertido), mas de fácil não tem nada.
Em parte o nosso amigo até estava certo quando ele falou que eu viajo muito, mas quem viaja a trabalho sabe a diferença da viagem de férias. E tem gente que pensa que meus 20 dias por ano no Rally Paris-Dakar são pura diversão.
Cercado de mulheres. Bom, no nosso escritório realmente trabalham algumas mulheres, excelentes profissionais, mas que devido à responsabilidade e aos compromissos, não vestem biquínis ou algo que lembre puro lazer. Mas lá em Rio das Ostras a equipe tem homens em maioria: mecânicos, daquele tipo barbudo, mão cheia de calos que marcam o esforço… Nada contra, mas não fazem o meu tipo.
Sobre lugares bonitos não tenho como discordar. Mas entre nós e a natureza praticamente todo o dia existe uma porta de onde admiro as coisas pela janela. Sempre levo um calção, já que de macacão antichama não é muito agradável um banho de mar ou cachoeira, mas raras vezes temos tempo para o banho de sol. E sobre a grana, nem de binóculos enxergo o Michael Schumacher.
O Rally Terra Brasil, aquele que eu estava explicando para o homem da padaria, é a terceira etapa do Campeonato Brasileiro de Rally Cross Country. O Rally dos Sertões é a próxima etapa, e teremos outras até o final do ano, quando embarco com a equipe Petrobras Lubrax para a nossa 17ª participação consecutiva no Rally Paris-Dakar. Então vou aproveitar para contar tudo o que acontece nestas provas.
Klever Kolberg, 41, é piloto do Mitsubishi da Equipe Petrobras Lubrax
Este texto foi escrito por: Klever Kolberg/Equipe Petrobras Lubrax
Last modified: junho 19, 2003