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Neruda faz da aventura poesia

“Comenzaré por decir, sobre los días y años de mi infancia, que mi único personaje inolvidable fue la lluvia..La gran lluvia austral que cae como una catarata del Polo, desde los cielos del Cabo de Hornos hasta la frontera. En esta frontera, o Far West de mi patria, nací a la vida, a la tierra, a la poesía y a la lluvia.” Pablo Neruda, Confieso que he Vivido

Diplomata, exilado, político ou aventureiro curioso, ele viajou por países como o Ceilão, Índia, China, União Soviética, França, Itália e até o Brasil. Atravessou os Andes a cavalo como fugitivo, percorreu a América Latina, socorreu refugiados durante a Guerra Civil Espanhola, amou como ninguém as mulheres e foi amigo de grandes nomes das literatura latina como Jorge Amado, Vinícius de Morais, Gabriela Mistral, Rafael Alberti e Federico Garcia Lorca.

Mesmo candidato a presidente do seu país, condição da qual abdicou em favor de Salvador Allende, foi pelo ofício de poeta que o seu nome circulou o planeta e lhe rendeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1971, após uma vida de frenéticas viagens tendo na mala um passaporte de cidadão do mundo.

Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto, autobatizado Pablo Neruda e considerado um dos maiores poetas do século XX, era filho de um ferroviário e nasceu em 1904, em Parral, no sul do Chile, país que como ninguém cantou em prosa e poesia. Humanista, democrata e ferrenho defensor da paz, Neruda foi uma personalidade carismática e popular, tendo pessoalmente recitado seus versos pelos mais recônditos extremos do Chile, ora dirigindo-se aos obreiros de pequenas fábricas, ora a multidões que, magnetizadas pelo seu carisma, chegaram a lotar o Estádio Nacional de Santiago para ouvi-lo, fato extraordinário para nós brasileiros, mais acostumados a homenagear os mestres da bola do que os nossos silenciosos heróis da pena e do papel.

Cores, aromas e seres fantásticos – Meu primeiro contato com a obra de Neruda deu-se ainda na infância, num tempo de chumbo em que a tarja da censura e o patrulhamento político não estimulavam a leitura de um escritor de esquerda, mesmo que a sua obra tivesse como salvo-conduto intelectual o selo do Nobel estampado na capa. Recém trazidas ao Brasil as memórias do poeta, impressionaram meus ouvidos de criança os comentários entusiasmados feitos pelo Dr. Carlos Adolfo Menna Barreto, de profissão médico e velho amigo de meu pai. Um pequeno trecho em especial, antológico, no qual Neruda descreveu tão vividamente os bosques austrais ao sul do Chile, que suas cores, aromas, ruídos e seres fantásticos jamais me deixaram em paz até que conseguisse conhecê-lo anos depois, curioso, emocionado e com a avidez insana de quem entra em um livro de histórias:

“…Bajo los volcanes, junto a los ventisqueros, entre los grandes lagos, el flagrante, el silencioso, el enmarañado bosque chileno… Se hunden los pies en el follage muerto, crepitó una rama quebradiza, los gigantescos raulíes levantan su encrespada estatura, un pájaro de la selva fría cruza, aletea, se detiene entre los sombríos ramajes. Y luego desde su escondite suena como un oboe… Me entra por las narices hasta el alma el aroma salvaje del laurel, el aroma oscuro del boldo… El ciprés de las guaitecas intercepta mi paso… Es un mundo vertical: una nación de pájaros, una muchedumbre de hojas (…)”

As últimas linhas de suas memórias foram a derradeira obra de Neruda, que as escreveu em sua casa de Isla Negra pouco antes de morrer, ferido de morte menos pelo câncer que o consumia e mais pela imensa tristeza ante o assassinato de Salvador Allende, sob uma rajada das mesmas metralhadoras que derrubaram a democracia chilena em 1973.

Publicada postumamente no ano do seu falecimento, a obra que ora indicamos como leitura do mês com certeza agradará ao leitor e talvez nele semeie, assim espero, o mesmo irresistível impulso de conhecer um pouco mais deste continente que chamamos de América, tão bem descrito nas palavras de um poeta que a amou com todo o seu ser:

“Quien no conoce el bosque chileno, no conoce este planeta.
De aquellas tierras, de aquel barro, de aquel silencio, he salido yo a andar, a cantar por el mundo.”


Título: “CONFESSO QUE VIVI”, Livro de Memórias de Pablo Neruda

Autor: NERUDA, Pablo

Serviço: Livro de bolso em português, Ed. Europa-América: 1994, ISBN 9721037028, R$ 16,10; Brochura em espanhol, Ed. Plaza&Janes, 1996, ISBN 8401425212, R$ 28,33. Ambos na Livraria Cultura.

Este texto foi escrito por: João Paulo Lucena