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No mato sem cachorro


Barrados nos parques e até nas praias mesmo sem legislação específica. (foto: Cláudio Patto)

Em 1990, depois de 8 meses de caminhada, o hiker Bill Irwin completou a Appalachian Trail, uma trilha com quase 3.500 km, que cruza os montes Appalaches em toda sua extensão. Bill completou seu percurso graças à ajuda de seu cão Pastor Alemão, treinado como guia para cegos.

Enquanto isto, no Brasil, a entrada de cães em Parques é arbitrariamente vetada. Nem mesmo os cães guias ou os cães dos bombeiros ou polícia podem entrar nestas áreas de “segurança máxima”. É verdade que os nossos Parques Nacionais e Estaduais muitas vezes não permitem nem ao menos as pessoas entrarem, apesar de serem áreas instituídas para o uso do cidadão.

No ano passado, eu e uma amiga fomos barrados em um parque estadual na cidade de São Paulo, pois a entrada da sua cadela Denali foi proibida, apesar de ser treinada, estar andando na guia e com focinheira, como manda a legislação para cães andarem em qualquer lugar público na cidade de São Paulo e no resto do Brasil. Mais do que isto, a Denali carrega em uma mochilinha, além da sua própria comida e água, sacos e uma pazinha para sua dona recolher suas fezes, não deixando sujos os lugares por onde passa. Então qual é o problema com a entrada destes animais?

Segurança das pessoas?
Existe a questão da segurança das pessoas que estão visitando o parque. Entretanto, este problema é o mesmo que pessoas andando em Copacabana, na Avenida Paulista ou no parque Ibirapuera enfrentam todos os dias. Cães mal treinados, fora de controle, sem focinheira e muitas vezes sem guia que podem atacar pessoas ou até feri-las. Este é um problema que atinge a todos, donos de cães e também as pessoas que gostam de passear sem serem mordidas por eles, estando nas ruas, em jardins, em parques ou em florestas.

Desta forma, este não é um problema restrito aos Parques Nacionais e Estaduais ou a qualquer outra área de ambiente natural conservado e por isto não pode ser julgado por quem controla o acesso a estes lugares. O acesso de animais domésticos a lugares públicos não deve ser legislado por diretores ou guardas de parques e sim por toda a sociedade.

Enquanto for permitido aos cães acompanharem seus donos na rua, seja com focinheira ou soltos, eles deverão poder acompanhá-los a todos os lugares que um cidadão comum pode ir e isto inclui os nossos belos parques naturais.

Existem alguns outros aspectos que devem ser pensados quando falamos de ambientes naturais. Os Parques Nacionais e Estaduais são lugares onde procuramos conservar o ambiente natural para que nós e as gerações futuras possam conhecê-los. E os animais domésticos costumam ser considerados, pelos administradores destes lugares, um risco à esta preservação. Eles são vistos como uma ameaça, por poderem vir a caçar algum animal da fauna silvestre, destruir algum monumento natural roendo, cavando ou pulando, ou transmitir alguma doença para os pobres animaizinhos selvagens.

Entretanto, estes administradores se esquecem que, apesar de os parques servirem para conservação de um ambiente natural, eles foram criados para o uso da população, para serem freqüentados pelas pessoas que desejam conhecer estes lugares e entrar em contato com a natureza. Santuários da conservação são as Reservas, onde a preservação do ambiente está acima do lazer da população e nas quais o acesso é restrito a casos específicos como de pesquisa científica ou guarda e policiamento.

E, como áreas de visitação, os parques não devem impedir o acesso das pessoas com seus cães. Podem e devem exigir cuidados especiais para minimizar o impacto deste tipo de visitante, como adestramento, guia, focinheira ou lixinho para fezes da mesma forma que se procura evitar o impacto causado pelos visitantes humanos, que aliás não é pequeno. Afinal, quando se impede a entrada do cão guia, indiretamente impede-se a entrada de quem depende dele ou condena o deficiente visual a depender da ajuda de algum funcionário ou à caridade de um amigo que o guie.

Além disso, o estrago que um cão pode fazer não é maior que uma pessoa mal educada. Um vândalo pode causar uma grande destruição, enquanto um cão bem treinado e guiado por um dono consciente causa bem menos prejuízo que muita gente bem intencionada. Que danos um cão bem educado preso na guia, que não late a toa e cujas fezes são recolhidas pelo dono pode causar? Não pode ser algo pior que crianças correndo sobre a vegetação ou atirando pedras nos esquilos, lagartos ou pegando borboletas e besouros e gritando para todos os lados, ou adultos jogando papel e latinhas de cerveja pelas trilhas ouvindo música alta.

E quanto às doenças que o cão pode transmitir aos animais silvestres? Na realidade, um animal doméstico tem muito menos chance de transmitir alguma doença a eles que o contrário. Um cão bem cuidado é vacinado, vermifugado e sempre examinado pelos seus donos e por veterinários. Se ainda assim o medo persistir, basta exigir a apresentação da documentação comprovando as vacinas ou visitas periódicas ao veterinário.

Misturando as coisas…
Se existem pessoas que têm medo de ser atacadas por cachorros ao andarem nas ruas ou nos parques, ou se não se sentem à vontade dividindo estes lugares até mesmo com animais presos, treinados e bem educados, elas têm o direito de exigir uma restrição de animais a determinados lugares.

Entretanto, elas têm o mesmo direito que pessoas que gostam de andar com seus animais ou que precisam de um cão guia. Mas não cabe ao administrador de um parque ou até mesmo ao guarda que toma conta da entrada destes lugares legislar no lugar dos representantes legais da população. Este papel cabe à sociedade, em debates na mídia e através da figura de seus representantes eleitos.

A propósito, no dia seguinte ao barramento da Denali na entrada de um Parque Estadual, eu voltei a este mesmo lugar, que estava fechado para manutenção, e encontrei uma pessoa correndo com um grande Pastor Alemão, solto, sem guia e sem focinheira. Quando questionei o guarda ele somente me falou: “Mas ele é de um funcionário do parque…” E este é o mesmo parque que não permite a entrada de deficientes visuais acompanhados por seus cães guias, apesar de existir uma lei pela qual estes animais podem e devem acompanhar seus donos a qualquer lugar que ele, como cidadão, possa ir.

E se algum dia alguém se perder na grande área de mata deste parque? Chamaremos o cachorro do funcionário do parque que tem autorização para entrar ou faremos vista grossa quando os bombeiros e os policiais entrarem com seus cães treinados? Aliás, treinados em algum outro lugar, eu espero, porque se depender dos administradores de parques, eles não terão prática alguma neste tipo de resgate.

Este texto foi escrito por: Cláudio Patto