Voltar para a terra só em no mínimo dez anos (foto: Arquivo pessoal)
Suas obrigações na vida: estudar, trabalhar, ganhar dinheiro, ser um bom empregado, fazer sucesso, dar certo na vida, comprar coisas, estar sempre bem arrumado, agradar aos outros. A minha obrigação na vida: ser feliz. Esta experiência, cheia de uma obrigação aparentemente tão simples, é a síntese da aventura do casal Tassinari.
Vivendo no mar há dois anos, Luiz César e Laila viram seus mundos transformados por opção. Deixaram de lado uma vida cheia de conforto e aportaram na realização de um sonho: morar no mar. Hoje, dentro de uma casa que balança, ao sabor das marés, percebem que estão muito transformados e que é preciso de muito menos do que imaginavam para ter uma boa vida.
Como Luiz César faz questão de frisar, porém, toda essa realização exige, mais do que desapego, organização, vontade, disciplina e clareza de objetivos. Não é de uma hora para outra que você largará tudo e sairá para o mar, ou qualquer outro lugar. Saber viver as coisas gradualmente é o melhor a fazer, explica.
Confira, neste Aventura Brasil, a aventura deste casal que está contornando a costa brasileira em um veleiro e entenda um pouco do que leva pessoas como eles deixarem para trás uma vida segura em terra firme. Bem vindo à bordo!
Luiz César sempre teve vontade de morar no mar. Um sonho que vinha da juventude sempre adiado por outras necessidades: ter um bom emprego, uma casa grande e confortável, criar os filhos. Para estar mais perto do mar, comprou um veleiro e, sempre que podia, ia visitá-lo em Florianópolis, Santa Catarina. Nessa época, o gaúcho morava em Curitiba (PR).
Um dia, devido a uma queda dentro de seu barco, Luiz ficou paralisado do pescoço para baixo. Desespero. Angústia. Medo. Eu não sabia o que iria acontecer comigo, se ficaria daquele jeito para sempre. Senti muito medo de não poder realizar tudo o que havia sonhado para mim e para a minha mulher, conta Tassinari.
Foi neste momento de dificuldade que surgiu a promessa: caso voltasse a se movimentar normalmente, colocaria em prática o sonho de viver no mar. Deixaria tudo, todo o conforto do seu apartamento de mais de 300 metros quadrados, um salário superior a R$7.000,00 como consultor financeiro por uma vida simples em contato com a natureza dento de seu veleiro. Em algumas semanas, Tassinari se movimentava sem maiores dificuldades. Havia chegado, então, o momento de agir.
Medo da aventura – Laila, mulher de Luiz César, assustou-se ao receber do marido a notícia de que os dois iriam deixar tudo para, simplesmente, morar no mar. O susto foi tanto que ela chegou a ter uma paralisia no lado direito do corpo. A tensão provocada pela ruptura que estava por vir já começava a fazer seus efeitos. Depois de algumas sessões de fisioterapia e muita conversa, chegaram juntos à conclusão de que era mesmo o melhor momento para a mudança.
Filhos, pais, amigos, todos estranharam a decisão. Eu era um capitalista ferrenho. Vivia para ganhar dinheiro e ajudar os outros a ganharam. Acharam que eu estava ficando meio maluco, algumas pessoas até me pediram para desistir. Quando viram que a coisa era séria, me apoiaram, conta Luiz César.
Menos de um mês depois, já estavam dentro do barco rumo ao Uruguai, primeira viagem realizada pelo casal. Dois meses depois, de volta a Curitiba (PR), perceberam que viver em terra não era mais preciso. Venderam o apartamento, compraram outros para os três filhos, Luiz pediu demissão na empresa em que trabalhava. Com as economias, partiram rumo a um oceano de possibilidades. O destino: as praias da costa brasileira.
Escolhas. Nelas se resumem tudo o que vivemos na concepção do casal Tassinari. A escolha por viver em um barco trouxe novas dificuldades e um dia-dia completamente diferente do que se tinha em terra. A organização das coisas no barco, o dinheiro mais escasso e principalmente o espaço reduzido faziam daquela uma realidade distinta das conhecidas pelo casal.
Distinta também era a paisagem: mar, belas praias como as de Cananéia e da Ilha do Cardoso. É um privilégio no meio do dia poder parar para simplesmente contemplar a vida. Eu e Laila fazíamos isso várias vezes. Sentávamos e ficávamos apenas observando o sol se pôr ou uma gaivota voar por longos minutos, conta Luiz César.
O ritmo da natureza, com tudo correndo de forma mais lenta, trouxe para o casal a lição de que a pressa das grandes cidades não tem a ver com a natureza do próprio homem. Em cidades grandes a dificuldade para ser feliz está em viver de resto. Passamos o dia trabalhando. Quando saímos, precisamos dar um pouco do nosso tempo aos nossos namorados, mulheres, maridos. No fim do dia, com o que nos resta, nos preocupamos um pouco com o que nos interessa, paramos para pensar, assimilar, curtir. Por isso, só nos sobra um resto para cuidarmos da nossa felicidade, explica Luiz César Tassinari.
Um resto é pouco para os Tassinari. Passar por lugares mágicos, como o Canal do Varadouro, uma ligação por rio entre o Paraná e São Paulo, conhecer pessoas que como eles também decidiram morar no mar, estar no oceano, enfrentando chuva, sol, aprendendo a cada dia uma coisa nova. Essa é a vida que Laila e Luiz escolheram para si.
Estamos iguais apenas na cor dos olhos. A nossa pele, o nosso cabelo, as nossas roupas, a nossa maneira de enxergar e aproveitar o mundo estão completamente transformados. Estamos no mar desde fevereiro de 1999. Hoje, não reconheço mais o Tassinari que eu deixei em terra. Ele, definitivamente, não existe mais, conta Luiz.
Mesmo afirmando que tudo o que deixaram de ganhar financeiramente foi devidamente recebido em experiências e aprendizados, os Tassinari precisaram descobrir como viver com um orçamento dez vezes menor do que tinham quando ainda não moravam em um veleiro.
É certo que as necessidades também haviam diminuído muito. Poucas eram as roupas e sapatos, nada de eletrodomésticos caríssimos ou idas a restaurantes chiques. Manter o barco, conseguir comprar roupas novas quando necessário e ter mantimentos, porém, também dependiam de um certo dinheiro. Além de contarem com a ajuda da Spel, foi um talento potencializado que ajudou, e ainda ajuda, a aventura dos Tassinari a prosseguir: as bijouterias fabricadas por Laila, que aprendeu a atividade no barco e fez dela um trabalho e uma terapia.
Aproveitando para comprar material quando pára em alguma cidade maior (na semana passada, ela foi à rua 25 de Março, em São Paulo), Laila passou a fabricar e vender colares, pulseiras e brincos, ajudando no orçamento da família.
Método Tassinari – Mesmo assim, a renda mensal do casal não ultrapassa os R$750,00. Pode parecer pouco para duas pessoas viverem. O dinheiro provoca muito estresse na vida das pessoas. Algumas ainda vivem por ele, querem apenas ter coisas. Outras, não sabem controlar os seus gastos. Compram mais do que podem pagar e depois perdem o sono e, principalmente, a tranqüilidade, explica Luiz.
Para administrarem melhor o dinheiro dentro do barco, e manter a tranqüilidade durante toda a viagem, os Tassinari criaram um método simples mas eficaz. Passaram a dividir, em envelopes, todo o dinheiro que tinham. Eram quatro envelopes no total e cada um deles eqüivalia ao dinheiro a ser gasto em uma semana. Assim, você sabe o quanto tem e o quanto pode gastar. Com disciplina, pé no chão e organização, não temos encontrado dificuldades, conta Luiz César.
Para o futuro, a certeza de no mínimo mais dez anos no mar. Voltar para a terra antes disso? Nem penso nisso. Hoje, não tenho nada a ver com a vida em terra. O meu mundo é o meu veleiro balançando, o que eu posso descobrir, aquela imensidão, o contato com a natureza explica Luiz César.
A primeira tarefa no mar é recortar a costa brasileira, visitando o maior número possível de praias, sem a menor pressa. Depois, continuar velejando, provavelmente rumo à Europa. Estamos com nossos filhos, de 22, 24 e 26 anos, criados. Essa é a nossa chance de aproveitar um pouco melhor a vida. Acreditamos que todos devam ter essa oportunidade, conta Laila.
Na última semana, o casal aportou em Bertioga e já está seguindo rumo a Ilha Bela. Junto com eles vai Wagner, que também sonha em viver no mar e conheceu o casal no porto de Bertioga. Depois de receber os Tassinari em sua casa em São Paulo, ele decidiu sentir um pouco a sensação de morar no mar seguindo o caminho até a ilha.
Multiplicar o desejo de prosseguir no sonho, ensinar o que for possível, como chegou a fazer com eles a família Schurman mostrando as melhores maneiras de seguir a rota escolhida pelo casal, ajudar quem tiver vontade de modificar a vida, as prioridades, o ritmo, as paisagens da rotina. Assim, com esse objetivo, Laila e Luiz César seguem, lentamente, sobre a grandeza e a beleza dos mares.
Este texto foi escrito por: Debora de Cassia