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O anjo da guarda do deserto

Durante o ano, realizamos quase 70 palestras para empresas no Brasil contando histórias do Dakar, fazendo uma relação entre os desafios do deserto e o mundo dos negócios. Falamos sobre diversos temas, entre eles o planejamento e o trabalho em equipe, que acabam gerando curiosidades, e várias perguntas sobre a participação dos caminhões no rali. Selecionamos duas muito freqüentes e aproveitamos para concluir o tema do regulamento do Rally Paris-Dakar, comentando esta categoria que compete e, ao mesmo tempo, é o anjo da guarda de todos os outros participantes na atuação dentro das equipes de apoio.

Desde a primeira edição ficou claro que o deserto era implacável. Quem sonhasse em vencer sozinho com certeza seria mais um número nas estatísticas dos que não chegaram a Dakar. Os caminhões começaram a ganhar importância como categoria e os fabricantes passaram a investir alto. Mas como o esporte é cheio de pessoas insatisfeitas e que não respeitam os limites, vencer a categoria caminhões não bastava. Como esses veículos aparecem na classificação geral junto com os carros, o desafio passou a conseguir chegar na frente de todos os automóveis.

Por mais absurdo que pareça, o impossível não existe. Por pouco, algumas etapas não foram vencidas pelos caminhões com motores de 1.000 hp. No Dakar de nossa estréia, ainda na década de 80, o caminhão DAF ultrapassou o carro de melhor performance, o Peugeot de Ari Vatanen, numa reta arenosa. Nossos olhos custaram a acreditar, mas tudo foi filmado. Não foi ilusão de ótica. Para fazer uma comparação, era como ver a Ferrari do Schumacher ser ultrapassada por um caminhão na reta.

Vale a pena lembrar que os caminhões levam vantagem devido ao enorme diâmetro das rodas. Ou seja, alguns buracos que atrapalham o desempenho de carros e motos podem ser ignorados pelos dinossauros do deserto que ultrapassavam os 200 km/h na areia. Isso acabou causando acidentes sérios e o pessoal resolveu tirar o pé. Mas estes caminhões continuaram andando muito, principalmente os protótipos que tinham motor central, o que ajudava a equilibrar o gigante. Era o caso do nosso antigo Tatra 815.

Estava prevista para 2005 a extinção destes protótipos, mas como o Dakar muda muito rápido, em junho deste ano ficamos a pé. Foi decidido que a partir de 2002 somente caminhões fabricados em série, com motor sobre o eixo dianteiro e pesando mais de 3.500 quilos, poderiam disputar o Paris-Dakar. Graças à nossa parceria com a fábrica Tatra, da República Checa, conseguimos desenvolver um novo caminhão e estaremos praticamente fazendo um teste neste Dakar, já que tivemos pouquíssimo tempo para construí-lo e fazer desenvolvimento e acertos.

Então a categoria T4 (caminhões) agora é dividida da seguinte maneira: T4.1 para caminhões 4×4 homologados pela FIA (Federação Internacional de Automobilismo); T4.2 para caminhões 6×6 homologados e a T4.3 para caminhões 4×4, 6×6 e 8×8 não-homologados, onde entram os caminhões construídos recentemente, como o nosso e os mais antigos, cuja homologação teve o prazo vencido. A primeira pergunta muito freqüente em nossas palestras é se o caminhão de André Azevedo dará apoio para o Mitsubishi Pajero Full do Klever ou às motos de Luiz Mingione e Juca Bala, os outros dois pilotos da nossa equipe.

Este caminhão da BR Lubrax tem o objetivo competitivo, ou seja, vencer a categoria. Então ele leva apenas um par de rodas para as duas Honda e uma roda para o carro. Para dar apoio teremos um segundo caminhão, que transportam mecânicos e anda muito carregado, portanto perdendo desempenho, além de procurar andar bem abaixo do limite para buscar segurança.

A segunda pergunta é se este caminhão anda do nosso lado. Não. Lá no deserto largam primeiro as motos (uma a cada minuto), seguindo a classificação da etapa anterior. Exceto na partida em Paris, que obedece a ordem numérica. Após a última moto, para dar um pouco de segurança, abre-se um intervalo de meia hora para a largada do primeiro carro ou caminhão que, como comentamos, largam misturados. O sistema de largada é o mesmo das motos. Como o caminhão de apoio é muito carregado, muitas vezes ele larga várias horas atrás das motos ou do nosso Mitsubishi.

Em 1994 também foi criada a categoria assistência. Anteriormente todos os veículos de apoio tinham de percorrer 100% do trajeto original da prova. Isso acabava encarecendo demais as equipes e muitos caminhões acabavam, como os competidores, ficando atolados, quebrados, acidentados ou perdidos. Atualmente, quando há segurança, eles podem fazer circuitos alternativos seguindo o asfalto (quando existe) ou desviando de uma cadeia de dunas.

Desta maneira as equipes procuram criar estratégias quando possuem recursos para isso: um caminhão 4×4 com menos carga faz o percurso todo e, se você tiver sorte, ele poderá te ajudar quando tiver um problema mecânico. Mas é preciso torcer para que este caminhão de assistência não fique antes pelo caminho ou siga uma rota “paralela” no deserto. Outros caminhões mais carregados pegam atalhos ou caminhos mais longos, mas com menor grau de dificuldade, e seguem direto para o acampamento seguinte.

Na próxima edição do Paris-Dakar, como não são mais permitidos mecânicos seguindo a prova em aviões, alguns carros serão inscritos na categoria apoio para transportar esses profissionais. Mas mesmo eles terão suas peças, pneus, lubrificantes, combustível, ferramentas e tudo mais que for prioridade sendo transportado por nossos fiéis escudeiros, os caminhões.

Quer saber mais histórias interessantes de rali? Então nos ajude a escrever a próxima coluna. Faça perguntas, envie sugestões e tire suas dúvidas. Mande um e-mail:parisdakar@parisdakar.com.br

Até a próxima!

Este texto foi escrito por: Klever Kolberg (arquivo)