Webventure

O drama de Fabrício Bianchini no deserto


Mar de dunas onde Fabrício passou a noite. (foto: Gustavo Mansur / Webventure)

Direto de La Serena (Chile) – Passar uma noite no deserto esperando resgate é uma situação considerada comum para pilotos com experiência nos ralis que acontecem no Deserto do Saara. Porém, para Fabrício Bianchini, um dos quatro motociclistas brasileiros que participam do Por Las Pampas Rally 2002, passar a noite em pleno mar de dunas do Deserto de Atacama foi um susto para nunca mais esquecer.

Sua moto quebrou nas dunas e Fabrício esperou mais de 13 horas na imensidão do Deserto de Atacama. Com muito frio, sozinho e sem rádio, o brasileiro chegou a pensar no pior: “Eu realmente achei que não ia sobreviver a uma noite no meio do deserto”, desabafou hoje, já na segurança do acampamento do Mundial de rali, em La Serena. Fabrício foi resgatado à noite por Marcos Moraes e sua equipe de apoio formada por Balasso e Thomas.

Em pleno mar de dunas – Quando o cubo da roda traseira de Fabrício quebrou, o brasileiro estava a 125 km do litoral, em pleno mar de dunas na região de Copiapó, norte do Chile. O dia da especial mais difícil do Por Las Pampas Rally. “Eu quebrei uns 30 km depois de passar pelo Posto de Controle 4. Estava bem no meio de um vale formado por dunas altas com muitas rochas”, contou Fabrício.

Sem ter certeza de seu ponto pelo GPS oferecido pela organização, Fabrício esperou a chegada de outro piloto que o indicou o waypoint. “Eu passei o waypoint direto para o Tiziano Siviero, diretor de prova. Ele me disse que ia avisar ao meu apoio e que eles iam me resgatar”, disse Fabrício. O regulamento do Por Las Pampas explica que o resgate é de inteira responsabilidade dos competidores, não existe carro-vassoura no Mundial do Chile.

A informação sobre o waypoint em que Fabrício estava foi passada a Flávio “Iguana”, que voltava da especial rumo ao acampamento. “Quando ele me disse que tinha passado a posição para o Iguana e que eles é que iam me resgatar, pensei: bom, ele vai demorar muito para chegar até o acampamento, ou seja, meu resgate só vai chegar à noite. A partir, daí eu comecei a ficar preocupado”, contou Fabrício.

“Muitos pilotos que passaram por mim me ofereceram comida, água e perguntavam se tudo estava bem”, lembrou o brasileiro. “Os últimos ser humano que vi naquele dia foram dois chilenos que corriam em um Toyota. Eles pararam e me deram meia garrafa de água com gás, um pacote de bolachas, um chocolate. Já era o fim da tarde, começava a esfriar muito e eu não estava bem agasalhado. Eles me deram uma jaqueta para ajudar”, contou Fabrício.

Às 16 horas, Fabrício ouviu pelo rádio que o Cyril Despres, primeiro a largar, havia chegado ao acampamento. Percebeu que “Iguana” só iria chegar muito tarde da noite e ficou muito preocupado. Decidiu novamente confirmar o pedido de ajuda pelo rádio, porém, logo que foi falar, a bateria acabou.

“Quando o rádio silenciou e eu fiquei só ouvindo o barulho do vento frio nas dunas, bateu um desespero forte. Eu resolvi então escrever um pedido de socorro nas areias, achava que algum avião ou helicóptero podia passar”, explicou.

Fabrício escreveu um grande “Help”, desenhou a bandeira brasileira na areia junto com a palavra “Brasil”. “Ainda tentei andar até o outro lado das dunas para ver onde estava, mas, quando vi minha moto pequenininha naquela imensidão, e percebi que estava longe de tudo, voltei”, lembrou.

Sozinho, enquanto a noite caia sobre o deserto, Fabrício chorou pensando que não ia sobreviver a uma noite exposto ao frio e sem comida. “Eu realmente achei que ia morrer. Pensei em meu pai, minha mãe, pensei no amigos e prometi a mim mesmo ligar para todos os que eu achava importantes em minha vida se saísse dali vivo”, desabafou. “Eu pensei em tudo, até nos filhos que não ia ter se ficasse ali. Eu achava que era um aviso de Deus que eu deveria corrigir a minha vida se saísse vivo dali”, contou, emocionado.

Para a sorte de Fabrício, a noite era de lua, o que não o deixava na escuridão absoluta. Com muito frio, o piloto ligava sua moto e, com o cano de escapamento por dentro de sua camisa, esquentava o corpo. “Eu deitava debaixo da moto onde ainda tinha um pouco do calor do motor”, contou. Desesperado, Fabrício escreveu na camiseta em que usava sua posição no GPS e recados para parentes.

Difícil resgate durante a noite – Enquanto Fabrício vivia um pesadelo no frio do deserto, Marcos Moraes era informado ao chegar ao acampamento que ninguém havia ido buscar Fabrício. “Eu tinha encontrado com ele de manhã, já quebrado. Ele estava bem. Mas, quando cheguei no acampamento já no fim da tarde e vi que ninguém tinha ido resgatá-lo, não tive dúvidas de que eu tinha de ir até lá”, contou.

Na Ford Ranger brasileira de apoio, Marcos, Balasso e Thomas foram até o PC4, no início do trecho de dunas. “Nós tentamos fazer todo o percurso da especial e chegar onde o Fabrício estava, mas não dava para subir algumas das dunas. O jeito foi ir contornando”, explicou.

Por sorte, Marcos havia levado seu GPS de bolso, com toda a rota feita por ele durante o dia, inclusive o ponto exato onde Fabrício estava parado. “Depois de muita luta chegamos até o Fabrício, às dez e meia da noite”, contou Marcos.

Para Fabrício, ver o carro de Marcos chegando em plena noite quando já tinha certeza de não ser resgatado foi como um sonho. “Eu levantei para ligar a moto mais uma vez e do nada apareceu uma luz. A minha primeira impressão era essa: chegou alguém. Mas aí a luz sumiu. Eu até pensei que era um vagalume. Mas um vagalume no deserto?! De repente, a luz voltou e era o carro subindo e descendo os montes de areia. Na hora, voltei a moto para eles e comecei a fazer sinais com o farol. Eu não conseguia sequer falar, não sei dizer o que senti na hora”, contou Fabrício.

“O Fabrício não chorava nem nada, ele estava um pouco fora do ar quando chegamos”, descreveu Marcos. “Foi mesmo um choque muito grande. Nunca imaginei que ia morrer na minha vida”, contou o brasileiro.

Para voltar ao acampamento como peso da moto de Fabrício na caçamba da picape, o grupo teve de realizar um contorno de mais de 100 quilômetros nas dunas. “Ficamos mais de duas horas até encontrar uma saída daquele labirinto em plena noite”, contou Marcos. “Felizmente deu tudo certo.”

Este texto foi escrito por: Gustavo Mansur*