De bicicleta até o topo da América Latina –
Unir dois oceanos e uma montanha. A idéia foi de Rudah Azevedo, 32 anos, e Alexandre Dias, 22. O desafio estava posto e a bicicleta foi o meio de transporte escolhido. Os amigos pedalaram 3.600 km de Torres (RS) a Valparaíso, no Chile, em 1994. O propósito era subir a maior montanha da América, com as bicicletas nas costas. O imponente Aconcágua, com seus 6.959 metros acima do nível do mar, foi vencido passo a passo pela dupla.
A empreitada exigiu um ano e meio de preparo físico. Foram incansáveis pedaladas de 15 km/h a Nova Petrópolis e Gramado – percurso percorrido em ¼ de dia. “O astral de viajar de bicicleta é diferente. A gente fica abstraído; contempla mais a paisagem”, revela Rudah. A viagem consumiu 3 meses. Eles partiram dia 27 de dezembro de 93.
Em 20 dias, aportaram na fronteira do Chile com a Argentina. Durante um mês ficaram acampados em Puente del Inca, ao pé da montanha. Foi uma parada estratégica. Era preciso se aclimatar à altitude e recuperar o desgaste de energias. Cada um perdeu 10 quilos. Eles estavam a 2.720 m de altura. Os dias eram preenchidos com passeios pelas montanhas das redondezas. Num deles subiam o Bandeirito (4 mil metros), outro o Cerro Cristo Redentor (4.200m) e assim por diante.
A entrada no Parque Provincial Aconcágua foi em 17 de fevereiro. Feito o registro, Rudah e Alexandre estavam mais próximos de concretizar a etapa principal do grande sonho. Nas costas, a mochila com 45kg. Levavam saco de dormir em alta montanha, barraca, roupas resistentes a 20 graus negativos, fogareiro, mantimentos, bastões, óculos, botas com grampos para gelo, lanterna de cabeça, protetor solar e máquina fotográfica. No coração, a expectativa. Afinal, como seria o desempenho físico até chegar ao cume almejado? O lado racional estava consciente de que a prática do montanhismo expõe riscos. O uso de equipamentos de segurança e mesmo o acompanhamento de guias especializados, não eliminam as possibilidades de acidentes.
Dos 2.720m até os 6.959m, os alpinistas percorreram o lado noroeste, considerado o mais “fácil”. Não é preciso escalar rochas, eles chegam ao cume caminhando. No trajeto cascalho, neve, frio, glaciar e muito cansaço. Os avanços exigem determinação e decisões corretas. Um erro pode ser fatal. “Escalar em alta montanha é um exercício de paciência. Às vezes é preciso ficar dias acampado esperando passar uma tempestade de neve”, ensina Rudah.
A aclimatação depende do organismo de cada um. A elevação é paulatina. Se preciso for, os montanhistas recuam até equilibrar as condições físicas. Quatro acampamentos antecedem o topo. Até Confluência (3.360m), a caminhada dura 2 horas. Plaza de Mulas (4.200m) é o local de melhor estrutura logística. O hotel mais alto do mundo fica encravado nesta localidade. Há, também, equipe de médicos e refúgios. Muitos montanhistas contratam os serviços de mulas para carregar suas bagagens até este ponto. Daí para cima não há possibilidade de resgate pelos guarda-parques. Quem necessitar deste auxílio tem que se dispor a desembolsar grandes fortunas para equipes particulares.
Na seqüência, a quatro horas, vem Nido de Condores (5.350m) e por último, a duas horas, Berlim (6 mil metros). A partir daí é feito o ataque final. Este termo foi herdado dos militares e consiste em subir até o cume e voltar no mesmo dia. Dependendo das condições do tempo e do terreno – neve compacta ou fofa -, eles dependem de oito horas a 12 horas. Passar a noite neste trajeto pode significar um congelamento.
Nem todos atingem o cume. Como a pressão atmosférica é menor, alguns montanhistas são submetidos a fortes dores de cabeça. Os riscos de edemas cerebral e pulmonar de altitude são as grandes ameaças. Mas quem consegue a proeza conta que não pode expressar em palavras a emoção que sente. O topo da América tem aproximadamente 20 metros quadrados. “É uma alegria ver culminado o esforço”, diz o alpinista.
Três outras faces também levam ao cume do Aconcágua. A oeste, pelo Glaciar dos Polacos, é toda em gelo. A sul é a mais difícil, foi onde morreu Mozart Catão, em fevereiro deste ano. E a leste é uma via de subida mista. Ora a caminhada é sob gelo, ora em cima de pedras. A via é bastante perigosa, por isso pouco repetida. Para se ter uma idéia, em 94 morreram oito pessoas nas diferentes rotas e, em 96 houve quatro acidentes e uma morte.
Rudah começou escalando em rochas em 1988. Mas, aos 32 anos, prefere as altas montanhas. A escalada é mais complexa. Exige paciência. “É preciso administrar o medo. Minha motivação é interior. Escalar uma montanha é mais prazeroso do que acordar todo o dia e ir trabalhar. Tem que ter desprendimento. Minha opção pela montanha é quase que filosófica. No dia-a-dia é impossível tomar decisões sem influências diretas ou indiretas do mundo exterior. Quando vou escalar tenho mais autonomia. Chego o mais perto possível da idéia de liberdade. Me sinto senhor dos meus passos. Fico mais próximo da felicidade”, conta.
O fascínio do alpinista por montanhas é tão grande que pisou novamente no cume em 96. Na segunda vez, teve a companhia da namorada Aline Becker, 26 anos, primeira gaúcha a chegar aos 6 mil metros. Lá nas alturas, o pensamento de Rudah é canalizado para segurança, comida e água. “O tempo que sobra fico tirando fotos e curtindo o local”. Em janeiro (de 99), ele tem planos de escalar o Glaciar dos Polacos e, em fevereiro, volta como guia de uma expedição gaúcha.
Descer canyons exige técnica –
Neyton Reis Filho, 35 anos, é bicampeão brasileiro de balonismo e um dos maiores conhecedores de canyons do Rio Grande do Sul. Nos últimos oito anos fez 69 travessias de canyons com sucesso. O contato íntimo com a natureza surgiu na infância. Gostava de subir as pedreiras no sítio de seu pai, em Viamão (RS). Mas foram os cinco anos de trabalho como enfermeiro na UTI neurológica do Hospital São José da Santa Casa e no Hospital Porto Alegre, entre 1985 e 90, que levaram Neyton a mudar de vida. “Sentia necessidade de desopilar.”
Na companhia de um amigo, inaugurou a nova fase. Eles abriram a loja “Entre-fendas”, vendiam materiais de montanha e ofereciam cursos de trekking em canyons. Na Páscoa de 90, Neyton fez sua primeira travessia. Ele e mais duas pessoas ficaram oito horas e meia dentro do Itaimbezinho. Desceram uns 200 metros pelo vértice e saíram em Praia Grande, em Santa Catarina. Percorreram algo como 5.800m. Lá em baixo, ficavam abismados olhando as paredes de até 720 m.
Um estudo meteorológico é indispensável. A precipitação pluvial é o terror desses esportistas. “As chuvas aumentam o risco de bloqueio de passagens, provocam avalanches e fortes correntezas”, explica Neyton. As dificuldades foram de toda ordem. Muita umidade, terreno escorregadio, excesso de limo, sem falar na fadiga. “A gente movimenta todos os músculos do corpo, inclusive o mais importante – o cérebro.”
O desgaste foi grande. Para vencer a jornada, se alimentavam com pedacinhos de charque e chocolate. Vestiam roupas de brim e calçavam coturnos. A experiência lapidou o conhecimento. Hoje, Neyton virou profissional e também auxilia a Brigada Militar nos resgates de vítimas.
Os cursos, por ele ministrados, duram dois meses. Nas aulas teóricas, os alunos conhecem os equipamentos, recebem informações sobre primeiros socorros e fatores itinerantes. E aprendem a técnica de nós em cordas. Tem nó para tudo. Para rebocar pessoas, para descida por corda, para ancoragem e outros tantos. O complemento vem com as aulas práticas que consistem na travessia do Churriado, Malacara e Fortaleza, no Parque Nacional da Serra Geral.
Este texto foi escrito por: Stella Maris Venezuela