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O senhor do Jalapão

Redação Webventure/ Offroad

A L200 do pai Luiz e da filha Priscilla (foto: Marcelo Krings)
A L200 do pai Luiz e da filha Priscilla (foto: Marcelo Krings)

“Quando eu me casei, eu e minha mulher passamos nossa lua de mel no Jalapão. Comprei um jipe e partimos.” Foi assim que o piloto Luiz Bonacin começou a falar do Jalapão. Aos 50 anos e competindo com sua filha, Priscilla, Bonacin é um dos mais carismáticos participantes do Rally dos Sertões. Em sua quarta participação na prova, ele tem sempre uma história guardada na manga para contar, seja sobre suas participações em ralis, seja sobre histórias de suas andanças pelo interior do Brasil.

Para a etapa do Jalapão, Bonacin já sabe como vai enfrentar toda a areia do deserto do Tocantins. “É só colocar na segunda marcha reduzida e ir embora”, ensina. Segundo Bonacin, é por causa disso que muitos pilotos acabam não completando a etapa: “Na reduzida, o motor fica menos forçado.” Além do motor, outro problema da etapa do Jalapão são as peças nos carros, que depois de um tempo começam a se soltar. “É um espanto quantos pneus um caminhão conseguiria recolher se andasse atrás dos carros lá.” Bonacin explica que o motivo para isso é a areia muito fofa, que acaba formando lombadas na trilha. “O primeiro, o segundo carros, vão bem. Mas depois começam as lombadas e a trepidação fica muito forte. Com isso, as amarras começam a se soltar e no meio da especial é um monte de estepe caindo”, falou.

O conhecimento de Bonacin das trilhas do interior de Goiás vem dos anos 70, quando ele iniciou um projeto de aproveitamento das terras do antigo interior de Goiás, hoje Tocantins. “Conheço essa região como a palma da minha mão. Tenho mais de dez mil horas de vôo por aqui”, disse. Em 1972, quando tinha 22 anos, Bonacin chegou ao Tocantins. “Naquela época, quando você chegava para alguém e oferecia um relógio, voltava com alguns hectares de terra”, diz. O conhecimento de Bonacin da região é tanto, que ele alerta até mesmo para as plantas que podem causar problemas para quem está assistindo a prova: “Cuidado com uma planta baixa, que parece uma palmeira pequena. Ela é espinhosa e se aquilo pegar na perna, chega a inchar até.”

Quando chegou ao Tocantins, no começo da década de 70, Bonacin encontrou um estado deserto. “Era ainda interior do Goiás e as terras não podiam ser vendidas. Só existia o registro paroquial, que era dado pela igreja”, conta. Com isso, saber quem era o dono da terra era uma tarefa difícil. “Tinha gente que chegava até com registros de terra da época do império.”

Apesar da dificuldade de provar a posse da terra, conseguir alguns hectares na região não exigia tanto trabalho. “Era tão fácil conseguir terra, que você comprava um lote de bois e a ganhava a terra junto, como um plus”, brinca. E ele ainda explica como é feita a criação de gado no Tocantins. “Aqui a gente usa o sistema de toca. Os boiadeiros tocam os bois para os locais com comida”, diz.

O isolamento do local era tão grande que Bonacin precisava de um avião para chegar à sua fazenda. “Conheço todas essas trilhas por cima. Andei muito de avião por aqui”, fala. Isso acabou levando a algumas situações inusitadas. Quando voltava para o Paraná, onde vive, Bonacin recebeu uma encomenda de três lambretas. “Eu disse que não tinha como trazer três lambretas para a fazenda. Nem mesmo lugar para andar tinha. Mas aí ele me explicou que lambretas não eram aquelas motocicletas, mas chinelos de dedo”, diz, seguido de uma longa risada.

A região era tão isolada, que algumas cidades não tinham nem mesmo carros. “Em Carolina, eu levei o terceiro carro da cidade”, lembra.

Pó, sujeira e desconforto. Normalmente essa é a situação que os pilotos de rali enfrentam. Mas para Luiz Bonacin, as coisas são um pouco diferentes. Seu carro, uma picape L-200 da Mitsubishi, prima pelo conforto. O carro tem ar condicionado e está sempre muito limpo. “O meu carro é o único que chega em Fortaleza sempre limpinho. É só passar um pano no painel que está tudo certo”, vangloria-se. Segundo o piloto, a receita para isso é uma vedação bem feita. “O ar não fica circulando dentro do carro, só o ar condicionado, mas pelo menos não entra pó.”

Além disso, Bonacin pretende perder 15 kg durante o Sertões. “Todo ano, perco 11 ou 12 kg. Esse ano minha meta é um pouco maior”, diz. Para realizar a façanha, o piloto pretende fazer uma dieta rígida. “Durante o dia, é só água, não dá para comer nada durante a especial”, fala. Depois da especial, no entanto, Bonacin não enche a barriga, como seria o esperado. “Depois, eu só como duas barrinhas de cereais.”

Todo o clã Bonacin participa de ralis. Além de Priscilla, que está competindo no Sertões como navegadora do pai, os outros dois filhos do piloto participam de competições. “O Luiz corre o brasileiro e a Pri e a Alessandra fazem o circuito Mitsubishi. E eu e a Pri corremos o Sertões”, afirma. Para o piloto, isso é motivo de orgulho. “É um esporte que permite uma união entre a família. Geralmente, nos finais de semana, os pais vão para um lado e cada filho toma outro. Mas nós não. No final de semana os meus chegam e falam: Vamos andar de jipe.”

Quem sofre com isso é a matriarca do clã, Sônia Bonacin. Ela é a única que não participa de competições off-road. “Na nossa família, uns são pilotos, outros são navegadores. A função da mãe é chorar”, brinca. “Ela chora de preocupação quando todos partem e chora de alegria quando todos chegam”, completa. No entanto, até mesmo ela já pensa em entrar para o time dos competidores. “Outro dia, ela chegou para mim e falou: Quando eu vou para o rali com vocês? Mas a Pri já falou que comigo não, porque quem vai comigo é ela.”

Este texto foi escrito por: Bruno Doro

Last modified: julho 12, 2001

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