Padrões são necessários (foto: Thiago Padovanni/ www.webventure.com.br)
O Enduro/Rally Cerapió é uma prova de regularidade realizada há 21 anos por Erhlich Cordão e Galdino Gabriel (nosso amável e querido amigo de tantas outras provas). Com algumas particularidades, é um enduro de regularidade com testes de velocidade em pequenos trechos do percurso.
Por sua idade e pelo enorme número de pessoas envolvidas, é uma prova grandiosa. Para se ter idéia, o credenciamento de pilotos, procedimento constituído de diversas etapas (checagem de documentos, cadastro, pagamento, filiação, médica, distribuição de patchs de identificação, etc) envolvia um grupo enorme de pessoas para cada uma das etapas. Em uma das salas era possível contar 20 pessoas trabalhando. Em outra, mais 10. Em outra mais 6 e assim por diante. Isso, apenas na parte burocrática da prova.
Até o ano passado, a prova levava os pilotos do Ceará ao Piauí ou do Piauí ao Ceará, alternadamente. Neste ano, a prova foi alterada e os pilotos foram levados de Fortaleza a Recife.
De nosso lado, não somos assíduos freqüentadores de provas de regularidade, mas é sempre um prazer à parte fazer apoio nestas provas, pois tudo pode ser planejado com antecedência, precisão e mais certeza.
Ademais, como o desgaste das motos é pequeno, é possível ter uma estrutura mais enxuta e menos custosa (são menos peças sobressalentes, menos motos reserva e menos mecânicos).
Além destes atrativos, a prova passa por lugares lindos!
Como estamos falando do norte do país, as pessoas são receptivas e prestativas. Em todos os lugares que precisamos de informação, as pessoas pararam o que estavam fazendo para nos atender. Ainda que não soubessem a informação solicitada, se esforçavam em socorrer à outra pessoa que pudesse nos ajudar.
Uma prova prazerosa, linda e receptiva.
Parabéns a todos!
Como foi dito, a prova tem 21 anos e, nestes anos, seu trajeto foi Ceará a Piauí e Piauí a Ceará. O nome da prova é Cerapió, onde Cerá é o apelido para Ceará e Pió é o apelido para Piauí. Assim, em um ano, a prova levava o nome de Cerapió e, no outro, de Pioceará.
De forma que a alteração do trajeto de uma prova como esta, que descaracteriza até seu nome, requer planejamento em todos os seus fundamentos. Mais do que isso, requer coragem. Muita coragem. No caso específico, não faltou aos organizadores qualquer destas qualidades. A prova foi bem planejada. E a alteração do trajeto foi positiva.
Além da plástica, a temperatura é mais amena. Como se trata de enduro de regularidade, onde os pilotos e motos são testados em sua resistência e onde a velocidade é diminuta, a temperatura é fator relevante no desempenho da prova. A prova é realizada no auge do verão e no norte do país, onde a temperatura média é de 35º. C. Nos anos anteriores, quando a prova era realizada em seu roteiro original, além da elevada temperatura, não havia vento. De forma que era possível ouvir histórias de pilotos desmaiarem em pilotagem simples, sem maiores esforços, em razão da sensação tão desagradável. Neste ano, os relatos de exaustão extrema não tinham como fundamento principal o calor.
Ademais deste fato, as cidades escolhidas facilitaram o apoio. Eram cidades grandes, com mais estrutura. Em razão desta escolha, as famílias dos pilotos puderam participar ainda mais. Neste ano, era possível ver mais esposas, mais crianças, mais pais, etc. A prova ganhou um perfil ainda mais familiar, permitindo aos parentes conhecer a modalidade e, consequentemente, permitindo que estes apóiem seus filhos, maridos, namorados, etc.
De forma que a organização merece parabéns para coragem da mudança e pela escolha do itinerário.
É fato que o Cerapió é uma prova relevante no esporte motociclístico. Mas, hoje, não se resume a apenas um evento esportivo. É também um evento social importante.
É uma prova que proporciona a reunião de pilotos de todas as modalidades de motociclismo Off-Road e de todas as regiões do país. Grupos de amigos de todas as partes do Brasil participam da prova pelo prazer de andar juntos. Outros vão à prova para rever antigos amigos. Outros não participam, mas viajam junto com a prova para encontrar com os amigos que estão na prova.
Encontramos Gaúcho e Maranhão, de São Luis, amigos e organizadores do Rally Rota MA. Klebinho, querido amigo e organizador do Rally RN 1500. Janio e Geraldo, da ATA, mais do que queridos, amigos de todas as horas. Jean, apesar de não participar de moto, também estava lá para fazer sua estréia de carro. Celsinho, Corona, Peninha, Du Sachs, Fabião, Shoji, etc.
Prova como esta promove o esporte através do encontro de diversidades.
A prova deste fato está nos números: o evento tinha em torno de 200 pilotos e quase 20% deste número eram pilotos de São Paulo. Quase 40 pilotos percorreram 6 mil quilômetros para participar do Cerapió. Uma vitória da prova realizada no norte do País.
Parabéns!
Outro elogio que deve ser feito à organização do Cerapió é sua disponibilidade e simpatia.
Gabriel está sempre disponível, sempre atencioso, sempre sorridente. Flavia esteve sempre pronta a ajudar no que fosse preciso. Cordão é um apaixonado, um romântico do esporte.
Paulo Mello, membro da Confederação Brasileira de Motociclismo (CBM), foi figura importante na prova. Comprometido com a retidão e com o cumprimento do regulamento, engajou-se em atribuir maior publicidade e rapidez aos atos da Diretoria de Prova.
Assis de Aquino, vice-presidente da CBM, comprometeu-se a fazer publicar o Estatuto e as Atas desta entidade, atribuindo-lhes a publicidade apropriada e tão necessária.
Parabéns pelo engajamento!
Ciente de ser repetitiva e cansativa, me arrisco, por princípio, a manter o discurso a respeito da importância do cumprimento da agenda da prova.
Com exceção das largadas, todos os eventos do Cerapió ocorreram com atraso.
É fato que o objetivo final da prova é o percurso. E a largada, por concentrar a matéria tempo, é um evento de grande importância. Nada obstante, os demais eventos da prova podem interferir de forma decisiva no percurso da prova. Em uma prova com largada muito cedo e pontual, a não observação dos horários de eventos noturnos pode ser perigosa. Além disso, favorece as equipes desorganizadas e penaliza as equipes organizadas.
O engajamento de Cordão em corrigir o problema era grande. Mas o fato que é que as equipes ficaram à disposição da prova, sem, contudo, ter qualquer previsão do horário de início dos eventos em questão. De forma que as equipes que se organizaram para cumprir suas obrigações de forma adequada, organizada e tranqüila se viram obrigadas a mudar sua programação interna para adaptar-se à prova.
Alguns dos pedidos de desculpas do atraso vieram justificados por concomitância de eventos importantes. Contudo, a agenda da prova era um fato, estava à disposição de todos de forma que pudessem se organizar e estar à disposição nos horários determinados, fossem pilotos ou organização.
Especialmente no que se refere ao briefing, é importante ressaltar que se trata de evento de extrema importância. Através do briefing o piloto tem acesso à eventuais correções de planilha e aos perigos da prova. Haverá erosão? Haverá lomba em descida? E o radar? Qual a dificuldade máxima do percurso? Haverá muita pedra ou será um percurso com mais areia? Todas as respostas a estas perguntas estão relacionadas à segurança da prova. De forma que, por vezes, o briefing é tão importante quanto a própria largada da prova.
Assim, refaço meu discurso de sempre:
Uma prova de Rally é composta de organizadores, pilotos e equipes de apoio. Cada um com sua função e obrigações a cumprir.
Cada uma destas obrigações tem seu momento de ser executada, requer programação e organização. Este momento é determinado de acordo com a programação do Rally, isto é, com fundamento nos horários determinados pela organização do Rally no Regulamento Particular da Prova e/ou no Briefing do dia anterior.
As equipes, como um todo, se organizam de forma a estar disponíveis para a organização do Rally naqueles horários predeterminados pela prova. Os horários de cada uma das funções da equipe são geridos pelo cronograma da prova. Cada tempo de trabalho e cada tempo de descanso têm como fundamento a agenda do organizador da prova.
Assim, a não observação dos horários pela organização da prova implica, não apenas, no remanejamento do tempo de execução destas funções, mas em cansaço desnecessário dos pilotos e apoio, expondo-os a risco igualmente desnecessário. Deixar pilotos e apoio no aguardo indeterminado priva o piloto de sua logística, prejudicando a preparação da equipe e o descanso necessário à realização de uma prova segura.
O atraso e a mudança na agenda da prova prejudicam esta administração. Prejudicam as equipes e pilotos organizados. E manda uma mensagem que talvez não seja a adequada, qual seja, a de favorecimento e estímulo aos pilotos e equipes desorganizados.
Tendo em vista a preocupação de Cordão durante o decorrer da prova, tenho a certeza de que este problema está sendo corrigido da melhor forma possível.
É indiscutível a paixão de Cordão pelo Cerapió. Está em seus olhos, está em suas atitudes, está nos percursos, está em todos os lugares. Cordão é uma pessoa apaixonada. Uma prova deste tamanho e com esta duração só se faz com muita paixão.
De seu lado, quem participa do Cerapió tem que ser igualmente apaixonado pelo esporte. O piloto troca o convívio da família pela prova. Ao invés de ganhar dinheiro, gasta dinheiro com o esporte. Atravessa 3 mil quilômetros do país para ir à Cidade da largada.
De forma que ambos exigem do outro o cumprimento de determinadas regras. Afinal, ambos fazem sua parcela de sacrifício pelo esporte. Assim nasce o profissionalismo de um e de outro lado.
Se os pilotos querem cobrar dos organizadores profissionalismo, cumprimento de regras, provas mais técnicas, etc, devem ter a mesma atitude em relação aos organizadores. Devem conhecer os regulamentos pertinentes, cumprir horários, utilizar os equipamentos conforme. Seus apoios devem portar-se de forma profissional e conhecer o regulamento.
Testemunhamos relatos de ignorância dos regulamentos da modalidade e da prova. Pilotos contestaram a organização com fundamentos inapropriados e contrários aos regulamentos. É preciso que pilotos e apoio conheçam seus direitos e também suas obrigações. Para que possam exigir do organizador é preciso agir com propriedade.
Assistimos outros pilotos reclamarem que determinado provedor de programa de odômetro não estava disponível da forma adequada. No caso, a organização não participa nesta relação. Ainda assim, disponibilizou, 1 mês antes da prova, as respectivas leituras de passagem em seu site, permitindo que os pilotos pudessem, não apenas, ter acesso à informação útil, como também antecipar-se a esta organização. Equipes devem celebrar provas comprometidas com organização.
Sobre o apoio, não tenho coisas boas para falar. Nesta prova, tive vergonha de pertencer à classe. Vi apoios com bebidas alcoólicas desde cedo. Vi apoios jogando lixo pelas janelas do carro. Nos neutros, som ligado às alturas. Apoios nada profissionais, retirando de nós qualquer respeito e consideração que um organizador possa ter pela classe.
É preciso entender que o apoio é parceiro do piloto e do organizador. Apoio significa suporte, desoneração. Apoio não pode ser fonte – sequer, potencial – de problema. Apoio não pode ser ônus para o organizador ou para o piloto.
É fato que nenhuma destas situações é provocada ou mesmo é consciente. Estão todos na prova com o intuito de ajudar. Mas por trata-se de uma festa, animam-se por demais e esquecem-se que o apoio deve ser, antes de mais nada, incólume, livre de potenciais problemas.
Assim, fica a dica de oportunidade de melhoria para o próximo ano que os apoios ajudem um pouco mais, evitando trazer ao piloto e ao organizador eventuais problemas.
Se nós, apoio, retirarmos este ônus do piloto e do organizador, estes poderão dedicar-se a fazer mais e melhores provas. E nós, apoio, poderemos ajudá-los em mais e melhores provas, num círculo virtuoso.
Vamos mostrar às nossas famílias o que realmente acontece numa prova de Rally: gente séria trabalhando arduamente para um sucesso comunitário, unindo diversão e responsabilidade.
De seu turno, se o organizador cobra atitude profissional de pilotos e apoio, inclusive cobrando inscrição do apoio, deve ter a mesma atitude em relação a estes. A relação é tão típica consumidora quanto qualquer outra. Devem dar tratamento adequado e proporcional aqueles que cumprem seu dever. Devem cumprir horários. Devem respeitar regulamentos e acordos.
Especificamente, briefing de uma prova não pode ser confundido com evento promocional. Briefing é técnico, é item de segurança. Promoção é marketing, é instrumento de venda.
Nomeadamente, o briefing do primeiro dia prova (aquele em que houve mais problemas de segurança, médico e de resgate) foi muito mais uma promoção do que relato da prova a ser realizada no dia seguinte. O fato foi mais grave se considerado que o dia seguinte incluía trecho de altíssima dificuldade, risco de segurança e de alta dificuldade de resgate. Ademais disso, havia previsão de chuva. Diversos pilotos prostraram-se desnecessariamente, muitos ficaram sem hidratação (ainda que tivessem levado Camel Backs) e outros tantos só foram resgatados porque seus apoios entraram por dentro da prova.
É fato que se trata de um esporte de risco. Contudo o risco é uma opção do piloto e não do organizador. Com base nas informações fornecidas pela prova, o piloto decide se corre ou não aquele risco. No momento em que informações não são fornecidas no conteúdo e forma adequados, o organizador retira do piloto esta opção. Sem esta informação adequada, o piloto não tem a opção de escolher correr o risco ou não. O organizador fez uma escolha que não era sua para fazer.
Sobre o apoio, é necessário dizer que, se a prova quer equipes profissionais participando da prova, equipes grandes, de grandes estruturas, etc., é necessário que disponibilize espaços adequados. Adequados no que se refere à segurança, higiene e estrutura (elétrica e hidráulica), como também adequados à exposição da equipe e seus parceiros.
De forma que indico como oportunidade de melhoria a adequação do trato que pilotos, apoio e organização dão um ao outro, de forma a desenvolvermos o esporte.
Outra indicação de oportunidade para melhora é a criação e manutenção de padrões. Padrão no perfil da prova, padrão nas planilhas de provas de regularidade, etc.
Cada piloto que participa de provas Off-Road tem sua preferência. Um prefere percursos mais travados, outro mais rápidos e assim por diante. Cada um deles vai criticar a prova que não lhe apresentar o percurso de seu gosto. Assim é em qualquer esporte.
Mas é um fato que o Cerapió, nestes últimos anos, absorveu todo tipo de participante, possibilitando pilotos de diferentes níveis técnicos participarem da prova.
Foi assim até o ano passado. Hoje, esta não é mais a realidade da prova. É uma prova que requer altos níveis técnico e de preparação física.
Contudo, acreditando neste histórico, diversos pilotos inscreveram-se na prova para divertir-se. Inúmeros destes pilotos não conseguiram completar metade da prova, em razão da excessiva dificuldade da primeira etapa. Pilotos novatos e experientes não conseguiram transpor os obstáculos do primeiro dia. Para se ter uma idéia da dificuldade excessiva e não informada, os pilotos 00 chegaram ao primeiro Neutro com 1 hora de atraso.
É fato que a chuva acresceu esta dificuldade em muito. Mas havia previsão. E ainda que esta previsão tenha sido falha, esta dificuldade deveria ter sido informada aos pilotos no decorrer da prova, por Oficiais e com desvios apropriados. Se os pilotos 00 tiveram problema, certamente, também o teriam os demais pilotos.
Veja, não se discute o fundamento do nível de dificuldade, se a prova deve ou não ter alto nível técnico. Também não se discute a mudança de perfil da prova.
O que se discute é a mudança do padrão sem ciência aos pilotos. Se há uma mudança tão grande de perfil, deveria ser anunciada aos pilotos. Neste caso, aplica-se a mesma regra citada acima a respeito do risco do piloto. A organização tomou para si uma decisão que não é dela para tomar.
A mudança de perfil deve ser anunciada para que pilotos possam fazer sua escolha. Se um piloto que não tem habilidade técnica quiser participar de uma prova que requer nível técnico elevado, é um risco que lhe pertence. O que não pode acontecer é um prova de nível técnico reconhecidamente baixo transformar-se em uma prova de alto nível técnico sem qualquer anúncio.
Outro padrão que merece atenção é aquele da elaboração das planilhas. Pilotos, profissionais e amadores, informaram que obstáculos semelhantes estavam marcados com diferentes padrões. Assim, uma erosão de mesmo nível estava marcada no início da planilha com 3 curecas e no final da planilha ou na planilha do dia seguinte com 1 cureca ou 2 curecas. De forma que, ao ler o perigo na planilha, o piloto não tinha a segurança de se tratar de um obstáculo de baixo, médio ou alto risco. Sua expectativa de leitura era surpreendida. Não havia um padrão de identificação do percurso.
Veja, não se discute o obstáculo ou a interpretação que o course designer tem dele. Discute-se o padrão de identificação do percurso.
Assim, indico como oportunidade de melhoria para os próximos eventos padronização da elaboração da planilha pelo course designer responsável pelo levantamento do percurso.
Estão são as minhas considerações sobre o Cerapió 2008.
Até a próxima!
Este texto foi escrito por: Dea Villela