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Os mísseis não vão nos parar

Os ataques terroristas contra os Estados Unidos causaram um impacto tão grande que até nós, pilotos da Equipe BR Lubrax, inicialmente nos perguntamos se o Rally Paris-Dakar 2002 sairia do papel. Resolvemos começar a série de artigos com este assunto, ainda mais agora com os bombardeios dos americanos e britânicos contra o Afeganistão, neste domingo, porque o tema tem sido uma das maiores preocupações dos nossos interlocutores, sejam eles jornalistas, patrocinadores, torcedores ou familiares.

Desde que nos conhecemos por gente, muito antes de cogitar a participação no maior rali do mundo, as guerras têm sido uma situação constante no cenário mundial. Um ataque ali, outro conflito aqui, e os americanos parecem estar sempre envolvidos por causa da importância daquele país. Portanto, não será a primeira vez que o Paris-Dakar acontece enquanto um conflito armado se desenrola em algum lugar do mundo.

Precisamos lembrar de três coisas:

1. Os países africanos que estaremos cruzando durante o Dakar 2002 (Marrocos, Mauritânia e Senegal) são países muçulmanos e declaram abertamente estar do lado da grande aliança criada pelos norte-americanos contra o terror. Isso nos faz crer que dificilmente o contra-ataque terá como alvo países onde esta religião é o que há de mais importante. Sem falar dos muçulmanos que participam da prova.

2. A África é um verdadeiro barril de pólvora com inúmeros conflitos civis. Em 1988 o rali entrou na África pela Argélia pela última vez. Depois, a caravana da competição teve de ser desviada para afastar a sede de sangue do famigerado GIA (Grupo Islâmico Armado). A partir daí o Dakar passou a desembarcar na Líbia, terra do coronel Muamar Kadafi. Mas devido aos conflitos políticos e embargos econômicos contra aquele país, outro excelente lugar para o rali teve de ser esquecido.

Sem a Líbia como alternativa, passamos a entrar pelo Marrocos, que ao sul do território anexou o antigo Saara Ocidental. Aquele povo local, quando foi expulso de lá, tratou de minar o terreno e, mesmo com todo o cuidado da organização, um dos participantes do Paris-Dakar morreu numa explosão. Em janeiro deste ano, o mecânico português José Eduardo Ribeiro perdeu um pé ao passar com o caminhão em cima de uma mina na fronteira do Marrocos com a Mauritânia. Ele estava fora da rota determinada pela organização da prova.

Por várias vezes já aconteceram ameaças de atentados à caravana do rali, como o da Frente Polisário na última edição da prova. Nunca sabemos se são verdadeiras ou apenas se é um grupo utilizando-se da grande repercussão do Dakar como um trampolim para a imprensa mundial.

3. Para refrescar a memória, em 16 de janeiro de 1991 os americanos abriram fogo contra o Iraque. Já na largada do Paris-Dakar, dias antes, o assunto mundial era a guerra do Golfo. Para piorar a situação, um dos países que apoiavam o ditador iraquiano Saddam Hussein, e segundo boatos abrigava os familiares dele, era a Mauritânia, justamente onde a caravana do rali se encontrava durante o “Dia D”. O medo tomou conta da caravana, era difícil acreditar em um bom censo, alguns temiam tornar-se reféns, mas o Paris-Dakar cruzou a Mauritânia sem problemas e a Equipe BR Lubrax conquistou a primeira vitória na categoria Motos Maratona (André Azevedo).

Acreditamos que se o medo for a chamada “guerra contra o terror” existe pouca diferença entre estar em casa no Brasil ou no meio do deserto. Sem sermos humildes, existem outros alvos muito mais interessantes. Ficar parado e esperar para ver com certeza não é uma solução. Aliás, num momento tão difícil precisamos de distrações, de ânimo, e o Dakar cumpre este papel. O medo é grande, com certeza. A violência é sem sombra de dúvida a pior saída, mas por outro lado não vamos nos render. Vamos viver nossa liberdade.

Quer saber mais histórias interessantes de rali? Então nos ajude a escrever a próxima coluna. Faça perguntas, envie sugestões e tire suas dúvidas. Mande um e-mail: parisdakar@parisdakar.com.br.

Este texto foi escrito por: Klever Kolberg (arquivo)