Além das motos Padre Célio também se aventura com seu Jeep nas trilhas do triângulo mineiro. (foto: Arquivo pessoal)
Neste mês, nosso colunista Jeca Jóia traz para o Webventure a história de um padre pra lá de aventureiro. Direto das terras das Minas Gerais, Jeca apresenta o Padre Célio ou Padre Trilheiro para os mais íntimos. Confira a emocionante história!
Olá, pessoal do Webventure. Nosso destaque deste mês é o Padre Célio Geraldo Pinto, nascido em Patrocínio, interior de Minas Gerais, em 8 de julho de 1970. Ele é padre da Igreja do Santíssimo Sacramento – em Uberaba, e reitor do Seminário São José Uberaba (MG). Mas o fato incrível dessa história é que o Padre Célio pilota motos na trilha, e disputa campeonatos de enduro de regularidade. Confira o texto escrito pelo próprio Padre, que aceitou meu convite.
“Desde cedo, gostei muito de esporte, principalmente dos relacionados ao mundo off-road. Passei minha infância no Sítio Santa Clara, propriedade de meus pais: Belchior e Maria Clara, em Patrocínio MG, o mesmo possui uma pequena trilha para alguns passeios. O primeiro contato com as “nervosas” (motos e carros, foi por esse nome que conheci a primeira moto de trilha) ocorreu por volta dos anos 80.
Imagine só, as “nervosas” daquele tempo, era uma DT 180 e uma TT 125. O meu primo Antônio, que cursava agronomia em Viçosa, viajava sempre a Patos em uma TT 125 – quase impossível pensar nessa aventura nos dias de hoje. Contudo não foi esse o começo. Veio a proibição: nada de motos antes dos 18 anos, lembrava minha mãe e meu pai…
Os anos ecoaram ao longo da faina diária e o contato com motos de trilha só acontecia pela TV. Nessa época, eram muito pouco divulgados os programas de enduros, trilhas. O motocross roubava a cena. Fui para o seminário, estudar para ser padre. O sonho adormeceu. Ser padre trilheiro era inconcebível. Estudei vários anos de filosofia e teologia e me ordenei padre em 1994.
Como o sonho não acabava, fui fazer um trabalho pastoral em Sacramento (MG). Só para lembrar, o município de Sacramento faz parte da Serra da Canastra. Não preciso comentar mais nada: conheci o grupo Los Santos, grupo de trilheiros, jipeiros e por último, agora fizeram algumas gaiolas para radicalizar. O Los Santos possui bons trilheiros: Neto, Robson, Danilo, Juninho, Gustavo, Jacaré, Gilson… Além de serem bons de trilhas, pessoas excelentes.
Por que não reconciliar trilha com a vida de padre? Dois trabalhos sadios. Veio a tentativa. Foi amor à primeira vista. Comprei e equipei um DT 180. Vieram os primeiros tombos, hematomas e cicatrizes. Pensei em desistir, mas como na vida de padre, a persistência é uma característica marcante, permaneci fiel.
Com o passar do tempo, a DT ficou muito a desejar. Todos faziam trilha com XLX 350 e uma KDX. Comprei então uma XLX e depois uma Saara, com a qual trilhei mais tempo. Era um trator, moto pesada, mas muito potente.
Retornei à Uberaba e aqui, onde estou, as trilhas são leves. Comprei uma Cagiva, 125 e comecei a andar em uma pista de Motocross que temos em Uberaba. Não tinha nada a ver. Tive que reaprender andar de moto. A tocada é totalmente diferente. De uma Saara para uma 125; da trilha para a pista. Não consegui esquecer as trilhas. Tentei ir de 125, não consegui, foi um desastre e em pouco tempo “explodi” o motor da pequena Cagiva.
Hoje, tento conciliar um pouco de pista e um pouco de trilha. Sou padre, não posso sair aos domingos, dia de missa, estou procurando um trilheiro que possa andar dia de semana. O dia de descanso do padre é na segunda-feira, está difícil achar alguém disponível. Em 25 de fevereiro, fui a Três Ranchos (GO) participar do Carnacross. Para conciliar trilha e pista, comprei uma CR 250. Como gosto mesmo de trilha, comprei um Jeep – 61, todo equipado para enduros e trilhas, um barato.
Em Uberaba, através do motocross, conheci bons pilotos e a amizade de sempre: Rolando (Pica-pau), Ricardo (Japão), Gustavo, Ceslo (Irmão), Danilo e nosso bom mecânico Engrenagem. O único mecânico que não se suja. Toda vez que você for à sua oficina, ele está limpo. E olha que ele pega na graxa e no óleo; coisas do Engrenagem…
Porque gosto de trilha? O contato com a natureza. Não há como não se impressionar com as belas cachoeiras da Serra da Canastra e da Babilônia; com a nascente do Rio São Francisco e sua primeira queda, a Casca D´Anta; com o Vale da Rio Grande, em Rifânia e com o Famoso morro do Chapéu, em Sacramento.
A amizade também é muito forte: vejo que entre as características mais marcantes de um grupo de trilheiros ou jipeiros estão a amizade, a solidariedade e a união. A descoberta de Deus: Não é pieguice de padre. Não há como negar a existência de Deus através da natureza, do cheiro da terra, no solo e na fauna. Não há como não afirmar a existência de Deus quando se contempla uma cachoeira, uma mata.
Quando fui a primeira vez na nascente do Rio São Francisco, não me contive. Quando percebi, em meio à lama e o barro estava rezando e abençoando as motos que nos conduziram até aquela grande manifestação de Deus através da natureza. As pessoas já me conhecem como Padre Jipeiro e Padre Trilheiro. Causa espanto em alguns, mas a maioria gosta muito. O que mais importa é a felicidade e estou muito feliz.
Este texto foi escrito por: Renato Furmann (Jeca Jóia)
Last modified: maio 3, 2004