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Patagônia: Guillaumet e o Mermoz no mesmo dia

Redação Webventure/ Montanhismo

Roberta guiando as ultimas cordadas da  agulha Guillaumet (foto: Sean Leary)
Roberta guiando as ultimas cordadas da agulha Guillaumet (foto: Sean Leary)

A montanhista e colunista do Webventure Roberta Nunes foi a segunda mulher a escalar dois picos da Patagônia em um dia. No relato abaixo, ela conta como foi a viagem de três meses pela Argentina na temporada de verão passado e a subida às agulhas Guillaumet (2.593m) e o Mermoz (2.754m).

Foi em uma conversa entre amigos, em agosto de 2005, que por coincidência tinham o mesmo sonho de escalar o pico Fitz Roy na Patagônia Argentina, que surgiu a expedição “Patagônia 2006”, em agosto de 2005, composta por Maurício Clauzet, Dálio Neto e Roberta Nunes, mais tarde entrou para o grupo o fotógrafo e escalador americano Sean Leary.

Nossa proposta era tentar realizar uma ascenção integral brasileira ao Fitz Roy em seus 3.345m de altitude, uma das montanhas mais difíceis de nosso planeta, fato inédito para nosso país até hoje. Já ocorreram algumas ascenções brasileiras mas nunca uma integral.

Tenho uma longa jornada na Patagônia e esta seria minha sétima temporada. Já estive duas vezes bem próxima ao cume do Fitz Roy , não podendo prosseguir devido a tempestades de neve.

Viabilização – Montei o projeto em cima deste desejo, de forma simples e direta para apresentar aos patrocinadores, tornando-se assim mais viável a sua realização, com a proposta da escalada e de um documentário sobre a viagem de dois meses pela cordilheira andina, vinculados com a televisão: Sportv e Espn.

Foram quatro meses de apresentações e reuniões até firmar os apoios e patrocinadores. Estava tudo acontecendo perfeitamente, paralelamente entramos em um ritmo de treinos, estratégias e organização dos equipamentos necessários para a viagem. Por sorte contamos com o patrocínio da Nissan, nos emprestando um carro confortável, com amplo espaço e forte como o XTerra, seriam 10 mil quilômetros rodados com muita bagagem!!!

Saímos de Curitiba dia 29 de dezembro às 5 horas da manhã com um friozinho na barriga e a sensação daquele sonho tão esperado estar apenas começando. Foram 3 dias de estrada até chegar em Bariloche, Argentina, nossa primeira parada longa.

A estrada se encontrava em ótimas condições e sem muito tráfego, não tivemos nenhum problema. Chegando em Bariloche organizamos tudo e subimos para suas montanhas locais, Cerro Catedral, por dez dias, para treinar e aclimatar-se ao granito rochoso e a instabilidade climática patagônica.

Levamos bastante chuva e neve nas costas, Bariloche não parecia estar no alge de seu verão. Mas com certeza não deixou de ser importante esta fria aclimatação para nossos próximos meses mais ao sul.

No Cerro Catedral tivemos a opurtunidade em um belo e raro dia ensolarado a escalada de seu maior pico, a agulha Principal (2.200m), pudemos filmar toda a aventura e a beleza vista lá do alto. Vimos que era possível desempenhar um bom trabalho de filmagem e uma escalada emocionante.

Dito e feito, as imagens ficaram lindas e como um passe de mágica logo após veio o mau tempo que permaneceu por mais vinte dias nesta região. Hora de trocar de ambiente e ir ao nosso principal objetivo, Fitz Roy, em Chaltén, 1.500km mais ao sul.

Chaltén – Foram um dia e meio de viagem, contando com uma paisagem incrível dos pampas e estradas em rípio proporcionando aquele sabor real de aventura. A maior emoção foi justo quando estávamos há uns 50km de Chaltén, onde podemos ver toda sua esplendorosa cordilheira, imponente, contornada por glaciares que vão de encontro ao gelo continental.

Realmente é emocionante, coração bate mais forte e paira um sentido contemplativo com tal beleza natural. Sim, estávamos todos diante de nosso maior sonho.

Depois de algumas semanas de muito mau tempo no Cerro Catedral em Bariloche, resolvemos prosseguir com nossa viagem ao sul argentino. A viagem pela ruta 40, em Rípio, foi bem tranqüila e produtiva para fotos e imagens devido às maravilhosas paisagens do pampa com o contraste do céu patagonico.

Geralmente esta viagem leva três dias com carros convencionais e sem tração 4X4, graças ao XTerra gastamos apenas 1 dia e meio e já estávamos de frente para as montanhas de Chaltén.

Localizada na província de Santa Cruz, Chaltén, um pequeno povoado rodeado pela cordilheira montanhosa do Fitz Roy e Cerro Torre, atrai todos os anos centenas de trekkers e os melhores alpinistas mundiais com o sonho de galgar seus imponentes cumes. Nós (eu, Sean, Dalio e Mauricio) fazíamos parte agora desta comunidade também, onde estabelecemos diversos acampamentos e estratégias para nossas escaladas.

El Chatén – Como muitos já sabem, Chaltén é famosa também por sua instabilidade climática, chegando a ser extrema muitas vezes em suas montanhas, com ventos que podem atingir 120km por hora! Todo o cuidado é pouco, e tudo deve ser bem analisado logisticamente.

Esta seria minha sétima temporada nestas terras tão inóspitas e tão intensas. Nossa primeira tentativa foi ao Fitz Roy: eu, Mauricio e Dalio, para uma ascenção integral brasileira, fato até hoje inédito para nós. Sean foi tentar a mesma montanha com seu companheiro americano por uma das rotas mais difíceis.

Ataque – Estabelecemos acampamento em Rio Blanco e a partir daí realizamos alguns ataques até o passo superior, local das covas de gelo a seis horas do campo base e mais próximo à parede do Fitz, como duas horas cruzando um glaciar engretado.

Muitas horas de caminhada, com mochilas bem pesadas que às vezes chegavam fácil aos 30 quilos, com todo o material de escalada para rocha, gelo, comida, roupas, sacos de dormir, etc. Sem falar no Mauricio que tinha o peso extra das câmeras para obter um bom material em vídeo.

Estávamos fortes e preparados, mas infelizmente desta vez foi a montanha quem teve a decisão. O Fitz Roy (3.441m) nesta temporada em específico encontrava-se em um estado atípico, em pleno final de janeiro completamente congelado, toda sua parede rochosa!

Expulsando cordadas fortíssimas de todo o mundo, espanhóis, franceses, americanos, alemães; apenas cinco cordadas (duplas de escaladores) das 40 que estavam na tentativa de subir a maior montanha de Chaltén conseguiram, com muito sofrimento, o cume nestes 3 últimos meses.

Acidentes aconteceram, muitos escaladores baixavam com seus dedos praticamente congelados e assustados com as condições da parede. Sem falar nos curtos tempos de melhora climática que não chegavam a completar um dia inteiro…

Devido a todos estes fatores, nossa tentativa não foi muito produtiva, o que nos fez trocar os planos. Dalio e Maurício se mudam para o outro vale, onde tem agulhas menores e que não envolvem tanto o gelo, infelizmente elegeram lindas agulhas que já havia escalado a cinco anos atrás, o que não me motivou muito para repeti-las; buscava o Fitz ou algo novo.

Juntei-me a Sean para um plano um tanto arrojado e mais atrativo que as geladas paredes do Fitz Roy, ficando em outro campo base. Queríamos tentar duas montanhas em um dia, algo quase que impossível para a Patagônia, sendo realizado por dois amigos americanos fortes em menos de 15 horas, o que nos deixou completamente entusiasmados.

Fomos para Pedra Del Fraile, com carga para cinco dias, nosso plano era escalar a Guiullamet (2.593m) e a Mermoz (2.754m) o mais rápido que pudéssemos, pois as condições não apresentavam 24 horas completas de bom tempo. Controlamos com o barômetro a pressão e em um dia tentamos com toda a força e esperança para que tudo desse certo.

Tivemos muita sorte! Conseguimos escalar no dia 26 de fevereiro de 2006 as duas montanhas em apenas dez horas! Tivemos um grande susto com nossa volta, rapelando. Era noite e começava uma grande tempestade de neve. Por sorte meu companheiro é um excelente alpinista e conseguimos nos manter calmos e confiantes até retornarmos para nossa barraca, o que nos tomou um grande tempo.

Ficou para a história – Acabei me tornando a segunda mulher no mundo a realizar este feito, que chega a ser quase que um sonho em Chaltén, de dois grandes cumes em poucas horas. A primeira a realizá-lo foi a americana Steph Davis, uma das mais fortes escaladoras dos EUA, com seu marido Dean Potter nesta mesma temporada, motivo de nosso entusiasmo.

Retornei ao campo base três quilos mais magra, mãos raladas e com uma alegria que explodia em meus olhos por tanta emoção e por estar viva!

Encontrei Dalio, que me contou feliz de suas escaladas pela Saint Exupéry, Mermoz e Media Luna, e Mauricio, que fez a Inominata, nos 20 dias que ficamos afastados em diferentes campos base.

Este texto foi escrito por: Roberta Nunes

Last modified: maio 10, 2006

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