Não hesitamos em adiar o sonho se preciso. A montanha pode esperar (foto: Arquivo pessoal)
Recordista em inscritos em todo o Circuito Webventure, a palestra de Paulo e Helena Coelho reuniu, na noite de ontem, interessados em saber algo mais sobre os mistérios que envolvem a escalada em alta montanha ou, como disse um dos expectadores, “este outro planeta que é a grande altitude”, onde o ar é rarefeito, o cansaço aparece em escala muito maior e até o vento pode ser fatal.
Baseando-se em slides com imagens das investidas que já fizeram à região do Himalaia, onde estão as maiores montanhas do mundo, Paulo e Helena contaram como se preparam para o desafio. “Praticamos a escalada esportiva, ou seja, não usamos carregadores e nem oxigênio suplementar”, avisou Lena, logo no início da apresentação, surpreendendo alguns presentes.
Paulo explicou que a idéia é ter o maior contato possível com a montanha e a essência da escalada em grandes altitudes. “Quando se usa oxigênio artificial, você tem a sensação de que a montanha é menor, é como se trouxesse a montanha à sua altura”, disse.
A longo prazo – Eles destacaram a importância do treinamento físico para a atividade. “Todos os dias, chova ou faça sol, levantamos cedo para correr, pedalar ou remar, além de praticar ioga”, enumerou a alpinista. “Só que muitas vezes estamos treinando para daqui a um ano, quando realizaremos a próxima escalada.”
Mesmo na montanha, a preparação continua. Por causa da menor quantidade de oxigênio em grandes altitudes, que pode causar mal estar, os escaladores fazem a aclimatação gradual e não encaram de uma vez os milhares de metros que têm pela frente. “No Tibet, onde está uma das faces do Everest, a montanha mais alta do mundo, a gente vai escalando os morros que encontra no caminho até o acampamento-base”, contou Paulo. Por “morros”, entenda-se desníveis de mil metros, por exemplo.
Na montanha, a preparação continua. Fica-se por alguns dias no base e, aos poucos, vão acontecendo as subidas e a montagem de acampamentos avançados. “Cada passo é comemorado. Nem sempre, a gente consegue chegar até o fim”, comentou Lena.
A valorização da vida acima de tudo foi a maior lição deixada por Paulo e Helena na palestra de ontem. Neste ano, eles alcançaram os 8.300m dos 8.448m que a montanha possui. Mas por que não conseguiram chegar ao cume? Paulo explicou, com a serenidade de sempre: “Tínhamos energia para isso, mas duvidávamos que conseguiríamos voltar com a mesma tranqüilidade”. No alpinismo, a maioria dos acidentes acontece na descida.
Cientes de sua condição física, eles resolveram pernoitar a 8.300m. “Acordamos ainda mais cansados do que estávamos no dia anterior. Na montanha, você quase não repõe energia”, lembrou Lena. Não hesitaram em desistir do grande sonho. E Paulo justificou a decisão com uma frase memorável: “A montanha não vale uma ponta de um dedo nosso. A gente volta outra vez. Ela sempre vai estar lá, esperando.”
Certamente não vai demorar para que o casal esteja pronto para mais uma tentativa. As férias de Paulo, que é físico nuclear e trabalha na USP (Universidade de São Paulo), são sempre a deixa para ir montanha acima, seja no Aconcágua, uma das escaladas preferidas deles, ou no desejado Everest.
Fim da ‘aula’ – Eram muitas as histórias para contar desses 20 anos de alpinismo. Mas Paulo e Helena preferiram abrir um espaço para que os participantes fizessem perguntas das mais variadas, incluindo questões sobre o lixo deixado por expedições e medicamentos.
“Eu estava curioso sobre quanto tempo se leva para realizar uma expedição dessas”, conta Ricardo Ruy, um dos presentes. Ele gosta de escalada e aventura em geral. E guarda o sonho de chegar a um ‘8 mil’. “Acredito que é possível, que vale a pena a gente ir atrás de um objetivo desses, um dia vou conseguir”, finalizou, mostrando que aprendeu bem a lição do casal.
O evento encerrou o Circuito Webventure de Palestras de Aventura, que contou também com as apresentações do navegador Júlio Fiadi e da Família Goldschmidt, que viajou pela América.
Apoio: Bio Ritmo, Som Maior, Curtlo.
Idealização: Cristina Amaral.
Este texto foi escrito por: Luciana de Oliveira
Last modified: outubro 19, 2001