Outono é época de flores e borboletas no cerrado (foto: Rodrigo Telles)
Sempre procuramos locais para viajar de bicicleta nas férias, onde além do cicloturismo possamos praticar outros esportes, como caminhadas ou exploração de cavernas por exemplo. Entre maio e junho deste ano (2004) o lugar escolhido foi a belíssima região nordeste do estado de Goiás.
Possuindo a maior concentração de cavernas grandes do Brasil, o Parque Estadual de Terra Ronca (PETER) permanece ainda desconhecido pela maioria dos ecoturistas, que só agora começaram a descobrir a enorme potencialidade do local.
A partir da cidade de Posse (GO) é possível alcançar o Parque e uma vez lá, estabelecer um ponto de apoio para então rodar com a bicicleta mais vazia para conhecer as cavernas principais. Uma semana é um tempo razoável para fazer este roteiro.
Como dispúnhamos de mais tempo, estendemos a viagem até a Chapada dos Veadeiros. Incluindo o deslocamento em bicicleta até a Chapada e os dias que passamos lá, tivemos um total de 25 dias, revezando pedal, caminhada e exploração de cavernas.
Neste roteiro descrevemos a viagem por Terra Ronca e a travessia até a Chapada dos Veadeiros, e no próximo, os atrativos ao redor da Chapada e também do Parque Nacional de mesmo nome.
Visitar uma caverna é uma experiência única e marcante. As cavernas do PETER em especial são muito bonitas, amplas e ricamente ornamentadas com espeleotemas (formações geradas a partir da infiltração da água calcária para o interior da caverna).
Estas formações, crescendo do chão ou penduradas no teto e paredes da caverna, recebem diferentes nomes, conforme a maneira em que são formados e a aparência: estalagmites, estalactites, canudos de refresco, bolos de noiva e escorrimentos, etc. Os enormes salões, repletos de espeleotemas desnorteiam e encantam ao mesmo tempo.
O ambiente do lado de fora da caverna contrasta muito com seu interior, ainda mais sob o sol do cerrado. Quando saíamos da caverna, o céu brilhava mais azul e o verde da mata era mais intenso.
Utilizamos esta viagem também para testar alguns equipamentos: botas e alforjes. Os alforjes são os de nossa fabricação, Arara Una, que estamos sempre buscando aprimorar.
As botas foram da marca Butcher, fabricadas em Franca. Enfrentaram muito bem todos os desafios que encaramos, tanto em terrenos lisos e molhados dentro da caverna, quanto em caminhadas pelo cerrado. Aprovadíssimos, receberam nossa nota máxima.
Saindo da cidade de Posse, em direção a Guarani, vimos as primeiras veredas e buritis e já tivemos uma amostra do sol quente de Goiás. O asfalto nos acompanhou somente nos 25 primeiros quilômetros, mas vários trechos em obra indicam que o restante estará asfaltado em breve até Guarani.
Passamos a cidade de Guarani e seguimos em direção ao Parque. Há uma outra estrada cruzando nosso caminho, logo na saída da cidade, após uma subida íngreme. Não há placas, fique atento e siga em frente.
Contando a partir de Guarani, em cerca de 30km passamos pelo portal de entrada do Parque. Daqui até a Caverna de Terra Ronca são mais 10km. Logo antes de chegar à caverna temos que atravessar um rio, cuja ponte estava quebrada há mais de um ano, causando dificuldades e isolando toda a população que mora do outro lado. Somente carros com tração nas quatro rodas (e bicicletas, é claro) conseguiam cruzar o rio.
Por dentro da caverna – A Caverna de Terra Ronca, a mais famosa e a que dá nome ao parque, é realmente impressionante. Não é tão urbanizada quanto tínhamos ouvido falar. Algumas pontes, corrimãos de madeira e um altar discreto alteram um pouco a boca da caverna (uma intervenção pequena em comparação com a Caverna do Diabo no Estado de São Paulo, com seus corrimãos de ferro e passarelas de concreto).
Do lado de fora da caverna, alguns postes de iluminação destoam também da natureza local. Na época da festa da santa padroeira, no início de agosto, a área deve ficar bastante insuportável, com os mil e quinhentos turistas e religiosos que a visitam.
Para conhecer o interior da caverna com calma, reserve um dia inteiro. Alternando trechos de escuridão total, com outros de luz, caminha-se quase todo o tempo por dentro do rio. O esforço físico é grande, mas o grau de dificuldade não é alto. Vale muito a pena.
A segunda caverna que visitamos foi a de São Bernardo, distante cerca de 10km a partir de Terra Ronca, voltando em direção a Guarani. Deixando a estrada, uma pequena trilha nos leva até a entrada da caverna. Em três horas de percurso, mais uma vez dentro dágua, somos levados até o belíssimo encontro dos rios subterrâneos, passando por enormes travertinos (represas formadas pelo depósito de calcário) e chão de estrelas (cristais de calcita que brilham com a luz da lanterna).
No dia seguinte, pedalamos até a Caverna Angélica, cerca de 26km pela estrada que vai para a cidade de São Domingos, mais ao norte. Ao longo do caminho acompanhamos a bela Serra Geral, que é a divisa com o Estado da Bahia e pelo povoado de São João, que é bem simples e não possui estrutura turística.
Saindo desta estrada principal para uma menor, pedalamos mais 4km até a caverna. A boca da Caverna Angélica é de uma beleza impactante, com um rio cristalino formando uma praia de areia branca e uma exuberante mata ciliar.
Foram duas horas e meia de percurso no interior da caverna, mas uma vez lá dentro, perdemos totalmente a noção do espaço e do tempo, distraídos observando as cortinas, canudos de refresco e as maravilhosas e delicadas flores de aragonita.
A última caverna que conhecemos foi a São Mateus, a cerca de 9km pela estrada principal e mais 5km por uma precária estrada boiadeira, como são chamadas as estradas onde só se passa a cavalo, jipe, e bicicleta, é claro.
Dentro da caverna, andamos até um salão onde as formações são tão delicadas que dá impressão que até nossa respiração pode destruí-las.
Reservamos mais um dia para um passeio pelas veredas. São áreas planas e com uma fileira de buritis acompanhando os riachos que cruzam os campos de solo encharcado. Parece até um jardim, principalmente em maio, época em que as flores estão abertas.
Passados estes maravilhosos dias em Terra Ronca, partimos em direção à Chapada dos Veadeiros. O trajeto escolhido passava quase exclusivamente por estradas de terra. Voltamos até Guarani e de lá seguimos para a pequena cidade de Nova Roma, passando pela simpática vila de Claretiana e por Iaciara.
Dali pedalamos até um vilarejo que nem está no mapa: Ouro Minas. Chegando lá, os moradores tentaram nos convencer a seguir até o asfalto e chegar tranqüilamente a Teresina. Mas acabaram deixando escapar que existia um atalho por terra que estava muito ruim, mas com paisagens muito bonitas. Não tivemos muita dúvida, afinal de contas tínhamos saído de casa para isso.
Foi o dia mais difícil de toda a viagem, apesar da baixa quilometragem que realizamos. As subidas eram muito íngremes fazendo com que muitas vezes tivéssemos que saltar e empurrar. Além disso, eram cobertas de pedras brancas, que refletiam bastante a luz do sol. Houve muitas travessias de rio também, todos de água cristalina e refrescante.
Tudo foi recompensado, sem falar na possibilidade de acampar no meio do cerrado sob o céu estrelado. Assim, após muitas subidas e descidas, cruzando serras e morros, chegamos à Teresina, onde iniciamos a segunda etapa da viagem, que seria contornar a Chapada dos Veadeiros (próxima coluna).
* Eliana Garcia: Bióloga, completou mais de 10 mil quilômetros em cicloviagens, desde 1988. Dentre estas destacam-se: Expedição Parques del Sur (em que percorreu 4200 km passando pelo Chile, Argentina, Uruguai e Sul do Brasil), Expedição Titicaca, Sertão Nordestino, além das travessias do Pantanal, das Chapadas Diamantina, dos Guimarães, dos Veadeiros e da Serra da Canastra. É fundadora e coordenadora do Clube de Cicloturismo do Brasil e fabricante dos alforjes Arara Una (www.ararauna.esp.br).
Este texto foi escrito por: *Eliana Garcia
Last modified: fevereiro 2, 2005