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Pedalada de despedida sobre trilhos


Pedalando sobre os trilhos (foto: Fabio Zander)

Projetada desde 1889, a Mairinque-Santos, linha que quebraria o monopólio da SPR para ligar o interior ao litoral foi iniciada em 1929 e terminada em 1937, com ligação das duas frentes, uma vindo de Santos e outra de Mairinque. É uma das obras ferroviárias mais reportadas por livros no Brasil.

Já havia, no entanto, tráfego desde 1930 nas duas partes, e o trecho desde Santos até Samaritá havia sido adquirido em 1927 da Southern São Paulo Railway, operante desde 1913. Com o fim da Sorocabana e a criação da Fepasa, em 1971, a linha foi prolongada até Boa Vista, no fim dos anos 80. Houve tráfego de passageiros entre Mairinque e Santos até cerca de 1975, e mais tarde entre Embu-Guaçu e Santos, até novembro de 1997.

A linha opera até hoje sob a administração da Ferroban. Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br

Em 2000 foi a última vez que percorri de bicicleta os trilhos da Mairinque-Santos, pedalando um dos trechos que percorrem a linda Mata Atlântica na Serra do Mar, lugar por onde tanto gosto de pedalar.

Por montes e vales, subindo e descendo,
na estrada de ferro Mairink a Santos
eu vi-o, um dia, sozinho, fazendo
o longo trecho, tão cheio de encantos.

Cumiadas por serras rasgando o infinito,
longínquas paragens no seio das matas,
enormes pedreiras de duro granito
transpôs, sorridente, também cataratas.

Dezenas de túneis que as trevas domina,
os mais esquisitos e estranhos lugares,
e fontes de água, fresca, cristalina,
que corre e modula em tons singulares.

Em curvas suaves, de manso declínio
prossegue a sua rota por entre montanhas,
e, vai, procurando, sem ter um alívio
o porto de Santos, vencendo “campanhas”.

Que construção formidável,
empreendimento arrojado,
que obra indispensável
e que plano arriscado
o nosso ponto de vista,
é ter, no porto de Santos,
a linha que foi prevista
outrora, por outros tantos
engenheiros mui notáveis
que não puderam levar
avante seus planos hábeis,
que fazem, hoje, exultar!

Nessa importante estrada paulista,
esses trabalhos vos apresentamos,
“Melhor e Maior”, é a nossa conquista
esse lema, hosanas cantamos!

Acima, trechos de um poema de Antonio Francisco Gaspar, feito em 1933, em homenagem a linha “Mairink a Santos”. Não anotei de qual livro copiei este poema, lembro-me que na época procurava algo a respeito na Biblioteca Mário de Andrade no centro de São Paulo.

Como estou de mudança para Berlim no início de agosto, resolvi chamar o Pauli e o Haro para fazer a minha pedalada de despedida pelos trilhos de trem e depois seguir, no mesmo dia, para Indaiá em Bertioga onde a avó de minha namorada Daniela reside.

Nos idos de 2000, após cansativa pedalada com mais quatro amigos (Mauricio, Pauli, Danilo e Cláudio), escrevi em meu diário que estaria me aposentando daqueles trilhos e que nunca faria o trajeto novamente.

Não tinha suspensão na bicicleta e a pedalada sobre os dormentes fora bastante dolorido para punhos e braços, mas existe o ditado que diz, nunca diga nunca e eis que para lá voltei no dia 9 de julho de 2005. Cinco anos depois com um equipamento bem melhor, uma ótima bicicleta e uma suspensão salvadora. A pedalada desse ano foi bem menos desgastante.

Além, sobre o dorso da serra do mar,
depois de vencer desiguais altitudes,
foi quando, vibrante sem se impressionar,
galgou essas grotas de enorme taludes.

Por ínvios caminhos se aventurou,
descendo essa serra de ignotos recantos
no firme propósito que o exitou,
idéia sublime Mairink a Santos!

Entre densos nevoeiros,
centenas de cabouqueiros,
tarefeiros respeitáveis,
vão brocando a serra inteira
– do abismo estando a beira –
sempre avantes e incansáveis.
(Fonte: Poema de Antonio Francisco Gaspar)

Começamos a pedalada em Engenheiro Marsilac às margens da Mata Atlântica. Poucos quilômetros depois passamos por Evangelista de Souza, estação onde começa a descida da Serra do Mar e seguimos sobre os dormentes dos trilhos até a Baixada Santista.

Pela estrada de asfalto até a Praia Grande, passamos por São Vicente, Santos e de balsa seguimos para Guarujá. Já noite atravessamos toda a Ilha de Santo Amaro com o objetivo de chegar a outra balsa que nos levou a Bertioga e ao destino final em Indaiá.

Vocês perguntam pelas fotos? Pois bem, para ilustrar esta coluna fui obrigado a desenhar alguns trechos da pedalada pelos trilhos, graças a um bando de seis delinqüentes juvenis armados de paus e revolveres que resolveram nos assaltar a noite, bem próximo ao fim da pedalada em Indaiá.

Roubaram uma bicicleta, duas mochilas, duas máquinas fotográficas digitais, ferramentas, roupas, mapa, o meu chapéu companheiro de várias viagens, etc. Resultado, aproximadamente cinco mil reais de prejuízos. Por sorte a minha bicicleta foi largada na praia na correria dos ladrões assustados.

O que deveria ser uma pedalada de despedida tranqüila, torna-se uma triste lembrança de despedida do Brasil. Depois de anos pedalando pelo Brasil, fazendo cicloturismo e de nunca ter sido assaltado nas viagens, finalmente aconteceu. É essa a reputação do Brasil lá fora, de violência, roubos, corrupção, falta de infra-estrutura… Alguns dos motivos pelos quais cicloturistas de outros países evitam pedalar pelo Brasil.

Estou de mudança com a minha namorada para Berlim na Alemanha e fica aqui o meu comprometimento para no velho continente, por meio de minhas palestras e projetos, fazer o possível para mudar essa visão negativa do Brasil. Espero que essa realidade mude para que eu possa incentivar cada vez mais europeus a praticarem o cicloturismo aqui no nosso país.

Meu site www.zander.com.br será mantido, além da coluna que escrevo no Webventure, que será atualizada com novidades das minhas viagens e vivências na Europa.

Agradeço ao Pauli e ao Haro pela companhia e os 140 quilômetros pedalados entre Engenheiro Marsilac e Indaiá em Bertioga.
Sem esquecer do Rudolf, meu pai, que nos levou até Marsilac.

Este texto foi escrito por: Fabio Zander