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Pedalando no Atacama


O melhor trecho pedalado sobre rípio (foto: Fabio Zander)

Fabio Zander conta nesta coluna um pouco sobre a ”sensação desértica” que teve ao chegar ao Deserto do Atacama, em sua última viagem. Confira!

Para mim, escrever a coluna é como viajar de bicicleta, deve ser feito com 100% de inspiração, concentração, seriedade e vontade, além do prazer. A verdade é que estou atrasado com a minha coluna, mas entendam, é preciso encontrar a idéia e a vontade de abordar algum assunto.

Eis que a luz surgiu no dia da festa de 8 anos da Webventure e aproveito para parabenizar a mesma e desejar sucesso. Já tinha decidido escrever sobre minha última cicloviagem de Peruíbe a Cananéia, no feriado do Carnaval, com minha irmã, mas escutar pela segunda vez, de nossa editora Cris Degani, que em sua viagem a Bolívia viu cicloturistas “malucos” atravessando o Salar de Uyuni no Deserto do Atacama.

A história fez surgir a luz e a inspiração para escrever essa coluna sobre os momentos que eu vivi sobre duas rodas no deserto mais seco do planeta, o Atacama. Em 2003 parti das margens do Oceano Pacífico em Antofagasta no Chile com destino a Ubatuba a beira do Atlântico.

O objetivo proposto e cumprido foi percorrer a América do Sul usando a linha imaginária do Trópico de Capricórnio como guia, registrando todos os contrastes encontrados nesta latitude e a região que mais me impressionou foi o trecho no Deserto do Atacama.

Depois da festa da Webventure, já em casa tarde da noite, comecei a reler e devorar o meu diário de viagem do “Ciclotrópico Capricórnio”. Lembro-me nitidamente da primeira impressão ao ver o deserto pela manhã dentro do ônibus com destino a Antofagasta.

Fiquei paralisado e num primeiro momento amedrontado. As fotos e imagens vistas da região antes da viagem, não me deram a real grandeza do deserto.

Depois de quatro dias de descanso, parti de Antofagasta com destino a São Pedro de Atacama, pedalando pelo deserto mais árido do planeta, o Deserto do Atacama. O primeiro dia de pedalada foi bastante desgastante fisicamente, com o peso da bicicleta e do equipamento (aproximadamente 50 quilos) e uma espécie de serra a ser vencida para se chegar ao árido deserto. O ar é bastante seco o que dificulta a respiração.

É possível resumir a pedalada pelo deserto com uma única palavra: impressionante. Em alguns trechos do deserto do Atacama não há vida animal ou vegetal, nem sombras e o que prevalece na geografia são pedras, areia e os tons beges e amarelados. As montanhas são o apoio visual e até psicológico durante a pedalada, por estas longas retas.

Pedalei por uma região conhecida como “Pampa del Indio Muerto” e na minha fase de adaptação com o peso e com o ar seco, apelidei a região de “Pampa del Cicloturista Quase Muerto”.

Calama – Chegando em Calama com quatro dias de pedalada desde Antofagasta, já estava totalmente adaptado com o selim e ao peso da bicicleta. As poucas cidades e vilas espalhadas pelo pelo caminho são importantes pontos de abastecimento de comida e água e assim foi até a Cordilheira dos Andes.

De Calama a San Pedro de Atacama pedalei sempre por uma leve subida e antes de chegar ao pequeno oásis que é San Pedro, passei pelo “Valle de La Luna”, com paisagem de outro planeta!

Na pequena San Pedro de Atacama, cheia de turistas europeus, fiquei durante cinco dias em um camping, curtindo a arquitetura e as ruelas da pequena cidade. Existe um museu arqueológico em San Pedro que é imperdível e conta a história da região e de seus antigos indígenas.

Existem inúmeros objetos expostos entre eles duas múmias impressionantes e bem conservadas que foram encontradas no deserto. Na pequena cidade também está a famosa e fotogênica igreja de San Pedro, de qualquer posição que você tirar a foto, ela sairá bem.

Próximo a San Pedro esta o imponente Vulcão Licancábur com seus 5.916 metros de altitude com seu topo nevado, devido a dois dias de mau tempo na região. Sim, tive a sorte e o azar de ter dois dias de minha estadia em San Pedro com chuvas de aproximadamente vinte minutos.

A aduana chilena fica a três quilômetros de San Pedro de Atacama e a partir daqui inicia a parte mais difícil do deserto. A estrada sobe radicalmente, passando ao lado do Licancábur e no “Paso Jama” meu altímetro marcou a altitude de 4.640 metros.

Passando a fronteira com a Argentina a estrada asfaltada termina e sigo por mais cinco quilômetros pelo rípio (cascalho) até a aduana argentina onde passei a noite a 4.270 metros. Pedalei durante três dias por altitudes acima de 3 mil metros nos altiplanos do Atacama, existe certa dificuldade para dormir (acampando), respirar e pedalar.

Estes dias passaram com uma leve dor de cabeça e num deles cheguei a vomitar, devido a grande quantidade de água tomada para aliviar a garganta irritada pelo ar seco.

Próximo a Cordilheira dos Andes a vegetação se faz mais presente, há lhamas e guanacos espalhados pelo altiplano e pequenos lagos salgados. Passei por algumas salinas e a maior e mais impressionante de todas foi a “Salinas Grandes” e imaginar que a tempos remotos tudo foi coberto por um grande mar.

Apesar das dificuldades enfrentadas durante a pedalada pelo Deserto do Atacama, foi este com toda certeza, o trajeto mais solitário e impressionante de todo o “Ciclotrópico Capricórnio”.

Este texto foi escrito por: Fabio Zander