Planejamento e patrocínio em expedições de bike - Webventure

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Planejamento e patrocínio em expedições de bike

Redação Webventure/ Biking, Expedições

Bom planejamento é essencial para conseguir patrocínio (foto: Arquivo Pessoal)
Bom planejamento é essencial para conseguir patrocínio (foto: Arquivo Pessoal)

Muitas pessoas entram em contato comigo para saber como se planeja ou consegue patrocínio para as viagens de bicicleta. Para estes leitores que eu dedico esta coluna.

Para adiantar posso dizer que achar um patrocinador para a viagem é um saco! Dá trabalho, perde-se bastante tempo e às vezes é bem desgastante. Portanto aquele que escolher essa opção prepare-se, pois o caminho poderá ser longo. Pense bem se vale a pena o desgaste da procura de um patrocínio. Pergunte-se: Não vale a pena trabalhar mais ou economizar o dinheiro para a viagem?

Essa coluna não pretende ensinar os leitores a fazer um planejamento ou buscar e conseguir um patrocínio, apenas escrevi as minhas experiências e conclusões com o negócio. Sim, porque muitos que vão atrás de patrocínio esquecem o essencial: patrocínio é um negócio em que ambos os lados, patrocinado e patrocinador, devem ter ganhos.

Muitas pessoas que entram em contato comigo têm boas idéias, mas começam pecando ao não incluírem em seus projetos um dos pontos principais, as vantagens e o retorno do investimento ao patrocinador. Não seja egoísta, não basta só pedir a empresa o patrocínio. E onde fica o retorno “garantido” da empresa?

Etapas – Em uma viagem em que envolvo patrocinadores, divido o processo em etapas. A primeira e longa etapa é o planejamento da viagem em si, a parte prazerosa. Em cima dessas informações do planejamento monto o material a ser enviado para a empresa. Nessa etapa estão inclusos a procura do patrocinador e o fechamento do negócio.

A segunda etapa é a viagem em si, a curtição. A terceira e última etapa acontecem após a viagem e é o retorno ao patrocinador e a avaliação do projeto todo, isto é, o que deu certo e o que não, o que precisaria ser melhorado e corrigido para um próximo projeto. Envio depois de alguns meses, em data pré-estabelecida no planejamento, um relatório completo da viagem e do retorno atingido a empresa patrocinadora.

Durante as três etapas costumo enviar pequenos relatórios que dão segurança ao patrocinador e faz com que ele se integre ao projeto e saiba o que está acontecendo, podendo até dar opiniões e sugestões. Lembre-se de nunca prometer mais do que possa oferecer. Não se queime.

Acabei retirando um trecho do meu livreto “Pedalada del Fuego” que fala sobre o planejamento e a busca de patrocínio para essa pedalada a Ushuaia. A partir da metade de 1999 iniciei o planejamento da chamada Pedalada del Fuego que, pelos planos iniciais, seria realizada entre abril e maio de 2000.

Das interessantes aulas de geografia dos tempos de escola nunca me esqueci daquelas ligadas à cidade mais austral do planeta e que serviram de inspiração para que eu a escolhesse para a minha viagem. Ushuaia é uma pequena cidade que fica no “fim do mundo”, a aproximadamente mil quilômetros de distância da Antártica e se localiza na Argentina, na Província Tierra del Fuego, Antártida e Islas del Atlántico Sur.

O nome escolhido para o ciclodesafio até Ushuaia foi Pedalada del Fuego e surgiu justamente da idéia de juntar a língua portuguesa e a espanhola, além de inserir o último nome da isolada “Tierra del Fuego”, região que eu percorreria somente na companhia da minha bicicleta.

Antes da Pedalada del Fuego realizei diversas viagens de bicicleta pelo Brasil na companhia de amigos ou mesmo sozinho. Desta forma fui adquirindo conhecimento e me preparando para a solitária viagem até Ushuaia. Acredito que para alcançar grandes sonhos e feitos é de vital importância começar com pequenas realizações, acumulando experiências e a certeza de estar preparado para os grandes desafios, como seria para mim a travessia da Terra do Fogo.

Preparo – Como em todas as viagens incluo alguns novos desafios, com a Pedalada del Fuego não poderia deixar de ser diferente. Meu preparo físico viria das viagens-teste pela Serra do Mar e em Muri, no Rio de Janeiro, nas quais também aproveitava para testar os equipamentos. Já o preparo psicológico não viria com sessões no terapeuta, mas com a própria concentração no projeto e no planejamento. Ter acompanhado todos os detalhes do projeto da viagem me deram a confiança para poder partir com segurança a qualquer momento.

Enquanto planejava a Pedalada del Fuego assisti a duas palestras incentivadoras do Amyr Klink confirmando, assim, a necessidade de atenção com uma boa logística em qualquer projeto que eu fosse realizar. Na época pedi e recebi do Amyr, que fez questão de me entregar com o autógrafo do autor, uma cópia do livro de Gérard d`Aboville, um francês que atravessou o Atlântico Norte a remo, mais um incentivo para eu correr atrás do meu sonho.

Gosto muito da etapa de planejamento, pois é um momento em que leio diversos livros, revistas e jornais, estudo mapas e guias, enfim, exploro a fundo a região que irei percorrer para eliminar ao máximo todos os riscos que possam surgir e estragar a pedalada. Também uso a internet. É incrível como é possível conseguir praticamente qualquer informação na rede. Evito assim a “aventura pela aventura”, pois ela envolve riscos desnecessários e grande cota de sorte.

O gosto por realizar os preparativos e depois acompanhar o desenvolvimento e os resultados dos projetos vem de cedo, do movimento escoteiro. Com nove anos de idade ingressei no Grupo Escoteiro Verde Vale, em Londrina. Mais tarde mudei para São Paulo e entrei no Grupo Escoteiro Bororós onde aprendi muito e passei minha juventude acampando. Depois ainda fui chefe no próprio Bororós e, por fim, no Grupo Escoteiro Embu.

No movimento escoteiro aprendi a lidar com diversas situações, sejam elas no dia a dia ou em viagens. Lobinho, escoteiro, sênior, pioneiro e chefe, estas foram as etapas escoteiras percorridas por mim até 2000 quando me afastei do movimento devido à universidade e as cicloviagens. É claro que uma vez escoteiro sempre escoteiro, portanto faz 18 anos que sou escoteiro, mais da metade de minha vida.

O grande desafio desse projeto era pedalar sozinho fora da estação ideal, que é o verão. A pedalada aconteceu entre o fim do outono e início do inverno, nos meses de abril e maio de 2000 e, por isso, o planejamento foi bastante cuidadoso, pedindo atenção aos detalhes, pois a pedalada exigiria muito do equipamento e também do meu físico.

Planejamento – Pedalando fora de época, com presença garantida de neve e gelo, defini que a partida seria em Comodoro Rivadavia, uma pequena cidade Argentina localizada ao sul de Buenos Aires a aproximadamente 430 quilômetros da famosa Península Valdés e 1.500 quilômetros de Ushuaia. A escolha por Comodoro Rivadavia também se deve à boa infra-estrutura da cidade para os preparativos iniciais e por ser a porta de entrada para uma Patagônia mais selvagem, difícil e isolada.

Além de estar muito clara a noção de que a natureza deve ser sempre respeitada e nunca desafiada (o único que seria desafiado era eu) também contava com a impossibilidade de prever todos os riscos e problemas que pudessem surgir durante a viagem, afinal, um dos principais objetivos dos meses de planejamento era estar preparado para os imprevistos. Dessa forma, podia ter certeza de que a Pedalada del Fuego não seria uma aventura e sim uma viagem para curtir a natureza e voltar inteiro para contar as histórias.

Uma das etapas mais complicadas do planejamento, a captação de recursos financeiros e procura de patrocínios, foi uma verdadeira aventura e, na minha opinião, mais difícil do que a viagem em si. É preciso muita determinação e uma boa dose de paciência e de insistência. Enviei inúmeras propostas para formar parcerias financeiras e recebi muitos “nãos” como resposta, outros tantos me enrolaram por um bom tempo negando tardiamente apoio ao projeto e ainda existem aqueles que nunca responderam e até hoje devem continuar nas intermináveis reuniões. Raros foram aqueles com sinceridade suficiente para dizer que não tinham interesse no projeto.

Sabia desde o início que ao apresentar o meu projeto para uma empresa, ele teria de ser objetivo e claro. Segui à risca um lema: patrocinador e patrocinado devem sair ganhando, pois este é um negócio e nenhuma parte deve ser esquecida. De qualquer forma, concordo que falar é mais fácil que agir.

Enfim, no final de 1999 consegui o importante apoio da Starshine e assim nasceu o meu site (www.zander.com.br). A empresa, que é de propriedade do Cezar Cattani, meu companheiro de pedaladas e do Grupo Escoteiro Bororós, acreditava em meu projeto de pedalada a Ushuaia.

Com grande esforço e insistência consegui em outubro do mesmo ano uma bolsa de estudos (bolsa-atleta) na universidade em que estudava arquitetura. A parceria desde o início foi bastante polêmica e conturbada; fui muito confiante e já divulgava a instituição como patrocinadora do ciclodesafio antes mesmo da viagem efetivamente acontecer, porém, com muita enrolação por parte da faculdade, o contrato não foi renovado no início de 2000 e apenas em abril fui comunicado do corte da bolsa, ficando assim com uma enorme dívida de mensalidades acumuladas e multas.

Depois de tantos mal-entendidos tive que, com grande pesar, decepção e tristeza, cancelar o tão desejado sonho da Pedalada del Fuego para pagar a grande dívida. Reconheço que fui muito ingênuo em não ter insistido para que o responsável pelo departamento de bolsas de estudo e a universidade, que agiram de má-fé, assinassem o contrato.

Com a Pedalada del Fuego cancelada, abandonei o projeto e a bicicleta por seis meses.

Após verdadeira abstinência dos pedais, insistência de amigos, que perguntavam sobre as novas tentativas para a pedalada a Ushuaia, e a minha própria vontade, resolvi reiniciar todo o processo de planejamento e captação de recursos financeiros. Os golpes do passado me deram experiência para montar um novo projeto e novas propostas.

Houve um maior envolvimento de pessoas no projeto; obtive importantes dicas do Sérgio Zurawell, que conheci em outubro de 2000 e que havia feito uma viagem com um Fusca de Angra dos Reis a Ushuaia no inverno anterior.

Outra grande vantagem em dividir o projeto com outras pessoas, em um verdadeiro trabalho de equipe, é que se coloca à prova o projeto em si. Como resultado, algumas modificações foram feitas graças às essas críticas e sugestões. Com um novo projeto e uma proposta clara em mãos, resolvi profissionalizar a Pedalada del Fuego e ir atrás de novas parcerias com a mídia e com empresas que acreditassem no ciclodesafio. A Starshine em nenhum momento me deixou e sempre acreditou na realização da viagem.

Após negociações, consegui importante apoio da Agfa Gevaert do Brasil, que me forneceu todos os filmes fotográficos tipo slide (cromo). Em seguida, com a credibilidade aumentada com as novas parcerias, foi a vez de fechar com a marca BY o fornecimento de roupas esportivas. Por fim, se juntou ao projeto a Houston Bike, empresa de Teresina, Piauí, que me forneceu uma bicicleta especialmente montada para o ciclodesafio, com direito a sugestões minhas para os componentes da bicicleta e que foi entregue pessoalmente pelo meu contato na empresa, o Yukito, em pleno Aeroporto de Congonhas em São Paulo. Tive pouco tempo para treinamento com a bicicleta de alumínio recém-ganha, mas cofiava no Yukito e em sua equipe.

Assim que fechei uma parceria para divulgar boletins diários na rádio Eldorado FM, também consegui meu último patrocínio com a agência Easy Rider Viagens, que me forneceu as passagens aéreas de ida de São Paulo a Buenos Aires e a volta de Ushuaia a São Paulo. O proprietário da agência é o Marcus Vinícius, outro amigo do Grupo Escoteiro Bororós.

Comprei a barraca e bons equipamentos para o frio na Manaslu, em Curitiba, e alguns equipamentos importados, como os alforjes traseiros da marca alemã Vaude. Tudo foi preparado e empacotado para o grande dia, se bem que já havia partido durante a etapa de planejamento, de tão inteirado e concentrado que estava. Partimos de certa forma, antes mesmo de partir.

Este texto foi escrito por: Fábio Zander

Last modified: janeiro 5, 2007

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