Pôr-do-sol visto do Complexo do Baú local deve ser preservado. (foto: Tomás Papp)
A época não poderia ser melhor, auge do inverno. O palco é o point serrano que atrai milhares de turistas praticantes de esportes de aventura, o Complexo Pedra do Baú (localizado entre as cidades de Campos do Jordão e São Bento do Sapucaí). O elenco é composto por agências e operadoras de ecoturismo, montanhistas, escaladores e intrometidos. O enredo mistura meio-ambiente, ética no
esporte, exploração sem bom senso e, é claro, o risco da aventura… Afinal, que novela é esta?
Uma empresa de turismo de aventura perfurou a rocha do Bauzinho, alterando três vias (EasyLover 7A, Superman 9B e Selivie 8A) de escalada e despertando uma grande polêmica. “A Pedra do Baú é um dos maiores atrativos ecoturísticos do estado de São Paulo e do Brasil. Ele tem um grande fluxo de turistas que vão sozinhos ou são levados por agências e guias. Nesta época de temporada, um fluxo muito grande de pessoas causa impacto excessivo com um problema da falta de regulamento no uso da área”, explicou Udo Alexandre Wagner, sócio da Altus Turismo, agência que atua no Baú há quase dois anos.
Neste Aventura Brasil, você saberá quando começou e como terminou a disputa entre a seriedade e a falta de conhecimento no montanhismo brasileiro…
Com um grande número de turistas que lotam Campos do Jordão e cidades ao redor atrás de aventura, empresas da capital paulista, especializadas em oferecer adrenalina, abrem ali uma sede temporária na alta estação. Muitas vezes, trazem guias que não conhecem a região como deveriam ou não possuem conhecimentos mínimos de fauna, flora, geografia, história e principalmente a ética dos esportes.
Um exemplo foi a No Limits Adventure Club, estreante nesta temporada. A partir da segunda quinzena de julho, a empresa ofereceu pacotes de trekking da Pedra do Baú até o Bauzinho, culminando em uma descida de rapel.
Com intuito de dar mais segurança aos clientes, a empresa grampeou oito spits (buchas de aço para colocar grampos de extensão) ao longo da trilha que leva ao bico do Bauzinho, “furando a rocha sem critério algum para operar um rapel e unicamente para fazer um corrimão com cordas aos seus clientes, ocupando toda trilha e obrigando todos os outros visitantes a contorná-los pela beirada dessa trilha, o que tornou o passeio mais perigoso”, escreveu o montanhista Luciano Corrêa “Tijolo”, sócio de Udo na Altus Turismo, em um manifesto enviado à comunidade da região.
Sem ética – Segundo Udo, esta grampeação feriu o código de ética do local e aumentou o risco de acidentes na prática de rapel. “O pessoal da No Limits fez uma grampeação considerada antiética na medida que colocou oito spits desnecessários e levou o pessoal para fazer rapel num local que as agências têm evitado por questão de segurança”.
A No Limits ainda colocou três placas de advertência na trilha, e com publicidade institucional, com os seguintes dizeres: “Área de risco”; “Proibido acampar aqui”; “Área de escalada, não jogue objetos morro abaixo”. Segundo Ettore Casoria, um dos sócios da No Limits, “estas placas de advertência foram solicitadas pelo Sr. Benê, que pertence a GRAMBAÚ, uma ONG (Organização não-governamental) que procura manter o local e dispõe de um posto de informação para turistas”.
Foi exatamente no detalhe de grampear a rocha, prejudicando o meio-ambiente e alterando as três vias, e com a colocação das placas, que essa ‘novela’ atingiu o clímax.
Indignada com a situação, a comunidade de montanhistas da região bombardeou o muro de recados do Mountain Voices (www.mountainvoices.com.br, site especializado em montanhismo), acusando a empresa de quebrar a código de ética do esporte e de deixar lixo preso na rocha.
“Todo point de escalada local tem uma ética local que determina onde se pode ou não colocar os grampos, uma vez que o grampo é um lixo que vai ficar para sempre na montanha, na superfície rochosa. Ele vai alterando a rocha e só deve ser usado no caso de extrema segurança. Não se coloca grampo ao lado de fenda, em vias que já foram conquistadas, quer dizer, alguém já passou por lá sem a necessidade. E essa regra foi transgredida no Bauzinho”, argumentou Eliseu Frechou, um dos montanhistas mais experientes do Brasil e proprietário da Montanhismus, escola de escalada no Complexo Pedra do Baú.
Sem experiência – Muitos foram os recados em tom de revolta. Em um deles, o montanhista Luis Clement, afirmou que “é uma infelicidade ver que, por falta de conhecimento, respeito e educação, algumas pessoas de um meio tão restrito, que ainda é o de montanha, tomem atitudes como esta do nosso colega, de sair batendo proteções fixas onde não há necessidade e em local de vias conquistadas”.
Em contrapartida, Ettore Casoria retratou-se sobre o ocorrido e comprometeu a agência a retirar o spits o mais rápido possível. “Admito sim nosso erro com relação à colocação dos spits, erro este que será reparado no fim de semana (dias 5 e 6 de agosto). Em nenhum momento procuramos gerar inimizades, inveja ou faltar com a ética de qualquer um que utiliza o Complexo do Baú”.
A bem da verdade, não existe um código de ética de escalada unificado ao qual todos tenham acesso. Para cada local há um próprio. Mas uma regra é básica: não se pode mexer em uma via já conquistada sem que haja autorização do autor.
No recado mais esclarecedor dirigido à No Limits, o montanhista Silverio Nery explicou os princípios da ética e das técnicas de escalada. “Seu pedido de desculpas foi educado e por isso acredito que você irá refletir mais um pouco sobre o que procuro transmitir. A escalada em rocha é um esporte sem regras escritas, mas que respeita uma ética estabelecida ao longo de anos de conquistas e repetições de vias. Cada área de escalada, como o Complexo do Baú, por exemplo, possui um código próprio, muitas vezes retransmitido verbalmente de escalador para escalador, que se reflete no estilo das escaladas, tipo de proteções utilizadas, graduação das vias, etc.
Dentro da história – No caso específico do Baú, há toda uma história de escaladas que formou esse corpo não escrito de regras, começando com os primeiros conquistadores da Pedra do Baú, na década de 40, e evoluindo para as conquistas do pessoal do Clube Alpino Paulista, nas décadas de 80 e 90, o grupo do Makoto, também nessa época, e o Eliseu Frechou e seus ex-alunos, principalmente a partir da década de 90. O que você fizeram foi uma invasão moral, realmente uma afronta aos padrões de grampeação estabelecidos ao longo de anos. E, apesar das divergências entre os vários membros da comunidade de escaladores que freqüentam a Pedra, vale ressaltar que nunca houve discordância sobre este aspecto entre os diversos grupos.
O que vocês precisam ter em mente é que o rapel, definitivamente, não constitui um esporte independente do montanhismo. É sim apenas uma das várias técnicas de descida utilizadas em ambiente vertical e, como tal, deveria, pelo menos numa situação como essa, subordinar-se à ética mais abrangente dos escaladores da área. Acredito que seria mais lógico se todos os guias de sua empresa fizessem cursos de escalada ou de montanhismo, para entender melhor tudo isso”.
Os grampos e as placas foram retirados pelo montanhistas e as vias continuam no percurso original. De todo o ocorrido, a rocha do Bauzinho foi a única prejudicada. Para sempre, ela continuará perfurada, com os sinais da falta de conhecimento do esporte. Espera-se principalmente que este causo seja o início da seriedade do montanhismo e em todas as modalidades outdoor. Fica aberta a questão: até quanto o homem pode interferir na natureza?
Este texto foi escrito por: Andre Pascowitch