Existe uma pergunta recursiva que periodicamente é colocada à minha frente: o que o atrai nos desertos ?. E isto não começou com a mídia, não, apesar de ser mais impactante quando vem de um jornalista, já que ele espera uma resposta coerente e objetiva. E isto é o que menos consigo dizer nestes momentos.
Como já contei em um artigo, em que o assunto foi a chegada ao Pólo Sul do primeiro brasileiro, Julio Fiadi, lembro-me muito bem das brincadeiras com meu irmão em que viajávamos para as inclementes dunas do Sahara em busca de salvadores oásis, montados em balançantes e rebolativos dromedários (na época, confesso, montávamos camelos…).
Dunas do Arraial do Cabo – Um pouco mais velho, fiquei em estado de êxtase ao contemplar pela primeira vez as dunas de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos no Estado do Rio de Janeiro. Estávamos apenas de passagem mas eu implorei à minha mãe para que parássemos o carro e eu corresse e rolasse pelas dunas de areia finíssima que brilhavam em lindos efeitos visuais causados por um magnífico e inesquecível pôr-do-sol. E lá se vão uns trinta anos…
Naquela tarde eu tive certeza que o meu habitat natural eram os desertos, não interessando se fosse o Sahara na África, o Simpson na Austrália ou o Takla Makan na Ásia. Muito menos influência ainda tinham suas temperaturas, como os quentes Kalahari e Atacama ou os frios Gobi e Patagônia. O que eu desejava era estar nestes lugares mágicos.
Primeiro deserto – O primeiro deserto onde estive foi a Patagônia. Peguei um ônibus no Rio de Janeiro e, com as nádegas quadradas, fiz minha primeira parada na Península Valdez, um imenso point de encontro de elefantes e leões marinhos, pingüins e baleias quando saem da Antártica para o acasalamento. A parada seguinte foi no meio do Deserto Patagônico onde pude deslumbrar-me o quanto tive vontade. Aliás, o primeiro deserto a gente nunca esquece… É claro que não deixei de estar no Glacial Perito Moreno nem em Ushuaia, afinal ninguém é de ferro. E se olharmos uma definição mais abrangente de deserto, podemos incluir as áreas geladas do globo na lista de desertos, graças à sua aridez.
O meu segundo deserto também foi por aqui, o Atacama. Considerado o deserto mais seco do mundo por causa de sua imensa área de sal que absorve toda a umidade do ar em um raio de centenas de quilômetros, este deserto ainda tem uma atração especial, seus vulcões, inclusive alguns em atividade soltando dia e noite aquela impressionante fumaça.
Lá eu fiz um trekking incrivelmente belo, de San Pedro de Atacama até perto do Vulcão Licancabur. Durante um dia inteiro eu caminhei debaixo daquele sol inclemente tentando chegar à sua base mas fui impedido pelas famosas Quebradas, imensos cortes no solo com profundidades superiores a dez metros, que serpenteiam por dezenas de quilômetros impedindo qualquer iniciativa solitária (e sem mapas) de tentativa de ultrapassagem. Depois de quase cinqüenta quilômetros fui obrigado a retornar ao ponto de partida um pouco frustrado, porém admirando ainda mais os mistérios e enigmas dos desertos.
Sede – E nesta noite que seguiu-se à caminhada eu sofri a pior sede de toda a minha vida! Lembro-me dela como se fosse hoje. Não tentarei descrevê-la aqui pois sei que serei derrotado mais uma vez neste intento. Só vivendo-se aquela sensação para entender o que falo. Devido ao cansaço, adormeci aquela noite no albergue sem uma mísera garrafa dágua ao meu lado. Durante a madrugada levantei-me desesperado atrás de um líquido qualquer e lembrei-me que a água da bica vinha do degelo dos Andes, carregando metais venenosos para o corpo humano.
Como não tinha informações suficientes quanto à quantidade necessária para o envenenamento, descartei esta possibilidade e fui à rua tentar comprar uma garrafa de água mineral, tal qual o fumante inveterado mais desesperado que você possa conhecer. Voltei com mais sede ainda já que a cidade estava toda fechada àquela hora. Ao pensar em começar a concentrar-me para espantar a sede e esperar o dia amanhecer, lamentando não ter aprendido Ioga antes, veio à minha mente uma maçã que havia sobrado da caminhada daquele dia e devia estar no fundo da mochila toda amassada. Agora, mais ainda, recuso-me a te descrever a divina sensação que aquele caudaloso e suculento manjar dos deuses me proporcionou, ajudando muito a longa espera dos bares abrirem na manhã seguinte. Quem nunca passou por isto também não entenderá…
Este texto foi escrito por: Carlos Sposito
Last modified: setembro 12, 2001