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Por que desertos? (parte 2)

Redação Webventure/ Outros

Carlos Sposito  um bérbere e Marcos Sposito no Saara. (foto: Arquivo pessoal)
Carlos Sposito um bérbere e Marcos Sposito no Saara. (foto: Arquivo pessoal)

Hoje continuarei o aprofundamento psico-sócio-filosófico a respeito de minha tão grande atração por desertos, escrito há algum tempo em outro artigo nesta coluna (parte 1). Anteriormente, eu havia terminado de escrever no momento em que tecia elogios à maçã aguada que me salvou da maior sede que jamais havia sentido em um deserto.

Neste meio tempo, entre os dois artigos, fui obrigado a rever minha tabela das “Maiores Sedes da Minha Vida”, em função de um fato ocorrido durante a minha corrida-desafio no Deserto de Mojave. Após alguns anos totalmente acostumado com o convívio da descrita sede no Deserto de Atacama como sendo a campeã absoluta, um outro concorrente veio correndo pela ponta tomando-lhe o troféu e o champanhe ao apagar das luzes, ou melhor, do sol.

Não vou contar novamente o sofrimento por que passei nesse episódio, pois você já o leu (ou devia ter lido, pois está muito bem escrito!) no artigo “Trilhas de Coiotes e Desidratação”, última parte da “quatrilogia” do Mojave. Além do que, todas as vezes que falo nesta história, necessito interromper o relato para beber um copo d’água…

Independente do que possa parecer à primeira vista, todo este sofrimento me é muito prazeroso quando observado por uma ótica mais ampla, em que “para o bônus, é necessário o ônus”.

Ficha de Compensação – Em outras palavras, o delicioso sabor único de estar em um local em que o sopro do vento ou de sua própria respiração podem ser os sons mais ensurdecedores que você ouvirá durante horas ou até mesmo dias, normalmente vem acompanhado de uma Ficha de Compensação em que o preço a pagar poderá variar em função de sua sorte ou perícia, às vezes ambas. E, até hoje, eu tenho pago com a satisfação de ter lucrado bastante.

Acompanhando minhas reminiscências em busca de uma luz que responda tão crucial questão (tá bom, crucial para alguns…), me transportei a uma viagem que fiz ao Egito, subindo o Rio Nilo em um daqueles “incômodos” barcos cinco estrelas, com refrigeração central e piscina no deck.

Meu irmão e eu, após desembarcarmos na Represa de Assuã, rumamos até Abu Simbel, na fronteira com o Sudão, lado leste do Saara. O calor de quarenta e oito graus à sombra, em pleno meio-dia, com o ar completamente irrespirável, provocou-me, como sempre, o mesmo deleite inigualável de todas as outras idas a desertos. O mesmo não posso dizer do meu irmão…

Em outra ocasião, durante a Marathon des Sables, também no Deserto do Saara, estive correndo várias etapas da competição sobre imensas dunas que chegavam às vezes a trinta metros de altura. Em uma destas, seqüências passamos perto de um posto médico avançado no qual, como confirmaram vários corredores no acampamento seguinte, registrou-se extra-oficialmente a temperatura de, nada mais nada menos, cinqüenta e oito graus centígrados.

Mais uma vez, independente do excesso de esforço que fiz neste dia, quando corri além do limite de velocidade estrategicamente planejado, recordo-me da temperatura como uma inenarrável satisfação que fazia parte de um contexto maior de sensações.

Incluindo os variados odores da exótica vegetação, os sons das passadas de outros competidores ao longe, a textura da areia e das pedras em contato com o tênis e, o mais deslumbrante de todos os sentidos naquele momento, a visão daquela imensidão de dunas, montanhas e areais sem fim (aliás, até o paladar foi posto à prova, quando degluti uma alvoroçada mosca que insistia em pousar no meu rosto, mas isto é outra história).

Descoberta na Costa Rica – Sem interromper esta inquietante busca, recordo-me de uma ida às florestas tropicais da Costa Rica, onde quase um quarto do país é formado por parques nacionais, ambiente natural completamente oposto a um deserto, à primeira vista.

Independente dos extasiantes locais que por lá conheci, inclusive um alucinante bungee jump feito do alto de uma ponte abandonada com 87 metros de altura, tendo abaixo um rio cheio de imensas e pontiagudas pedras como “amortecedor psicológico”, não me dei por completamente satisfeito até que descobri um microclima desértico nos arredores da capital, San Jose, no cume da cratera do Vulcão Irazu. Naquela noite eu dormi o sono dos justos…

Este texto foi escrito por: Carlos Sposito

Last modified: fevereiro 15, 2002

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