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Por que escalar o Mt. Everest sem sherpas e sem cilindros de oxigênio?

Redação Webventure/ Montanhismo

Acampamento no Colo Norte  a 7.100m (foto: Helena Coelho)
Acampamento no Colo Norte a 7.100m (foto: Helena Coelho)

Nesta coluna, a montanhista Helena Coelho faz uma reflexão sobre a escalada sem oxigênio suplementar acima dos 8 mil metros e sem o auxílio de sherpas antes de iniciar a próxima temporada do Everest em 2006.

Várias pessoas têm nos perguntado sobre as diferenças entre escalar uma alta montanha sem auxílio de cilindros de oxigênio ou de sherpas e as subidas guiadas e/ou com cilindros de oxigênio. É claro que sempre nos dizem se não seria o caso de usá-los. Como não é isso o que queremos, as pessoas ficam nos pedindo para explicar o por que da nossa insistência em dizer que isso é possível.

Posso falar mais de escalar sem auxílio de cilindros de oxigênio e sem sherpas, pois essa é a nossa praia. Mesmo assim, vou falar um pouco dessas diferenças.

A primeira delas está relacionada com o objetivo da escalada: se for apenas chegar ao cume ou se for para escalar a montanha. Essa é uma questão simples, já que os objetivos são pessoais. Mas, do ponto de vista do esporte, chegar ao cume apenas não diz muito. É preciso qualificar essa chegada ao cume. Pois, você sempre pode chegar ao topo do Pão de Açúcar com teleférico… agora, chegar ao topo da mesma montanha escalando, a coisa muda e muito de figura.

Outra questão se relaciona à autonomia na montanha: se você é um montanhista, curte escalar altas montanhas, você irá querer subir ao topo por seu próprio esforço, de forma autônoma, sem depender de sherpas, que hoje em dia são bons escaladores, bons guias, bons carregadores; conhecem as montanhas e as técnicas de escalada, além de serem bastante adaptados à altitude e carregarem peso sem se acabarem tanto quanto pessoas que não vivem acima dos 4 mil metros.

Essa é uma questão que faz toda diferença. Se você é autônomo, você é capaz de carregar sua carga, montar seu acampamento que significa preparar o local e montar a barraca, buscar neve ou gelo para fazer água, preparar sua comida, além do esforço em si da subida e de conhecer a técnica de escalada, sem depender de sherpas ou de guias ou de carregadores.

É claro que fica mais difícil. É bem diferente você chegar no local de acampamento sem ter carregado a carga pesada, e encontrar a barraca montada, água quente, chá, comida…

Se você depende dos sherpas, pode ter dificuldade e poderá colocar sua vida em risco se eles não corresponderem ao que você espera em algum momento durante a sua subida. Na maioria das vezes, as pessoas que contratam os sherpas para ajudar a carregar seus equipamentos e montar as barracas nos acampamentos de alitude, acabam também usando do conhecimento deles para serem guiados na montanha. Deixam para eles decisões tais como a escolha do dia adequado para subir, em que altitude e local montar a barraca, etc.

Algumas pessoas contam com o o auxílio de oxigênio e de sherpas porque querem chegar no cume, não importando o método de escalada. Novamente é uma questão de objetivo. Mas, se você é um montanhista, certamente, irá preferir o caminho da autonomia. Não quer dizer escalar em solitário, mas sim ser auto-suficiente, dominar o processo, ser um montanhista.

Bem, quanto à questão do uso de cilindros de oxigênio nas altas montanhas da Cordilheira do Himalaia, penso da seguinte maneira:

Desde o início do século passado, quando os ingleses ainda tentavam chegar ao cume do Mt Everest, já se falava que o uso de cilindros dá a sensação de estar numa altitude 2000 metros a menos do que a que se está, ou seja, o esforço físico é como se fosse estar escalando no mesmo local em uma montanha de 2000m a menos de altitude. E com toda a diferença que isso representa em termos de esforço em ar rarefeito. Hoje em dia, com cilindros de materiais mais leves e válvulas muito mais eficientes o uso de cilindros certamente reduz ainda mais o esforço para mim, é escalar o Everest com gosto de Aconcágua.

O que acontece na prática é que quando se escala com cilindros de oxigênio é como o doping em outros esportes, pois escala-se muito mais rápido, cansa-se menos e sente-se muito menos frio, o que em altitude é uma grande vantagem.

Porém, os pioneiros, acabaram chegando ao cume em 29 de maio de 1953; Sir Edmund Hillary e o sherpa Tenzing Norgay, numa expedição imensa, com suporte de cilindros de oxigênio e toda sorte de carregadores. As condições eram outras: eram os primeiros alpinistas a chegarem naquela altitude, com equipamentos e vestimentas muito mais precários do que temos hoje.

Atualmente, estamos muito mais evoluídos em barracas, roupas com tecidos técnicos, respiráveis, os mosquetões, as piquetas, etc. Hoje em dia, é tudo muito mais leve, mais resistente e mais eficiente.

Já a partir de 1978, ou seja, há quase 30 anos atrás, quando Reinhold Messner e Peter Habeler ousaram pisar o topo do mundo sem o auxílio de cilindros de oxigênio, o panorama da alta montanha mudou consideravelmente. A partir de então, para os montanhistas, assim como são as marcas em qualquer outro esporte, chegar ao cume do Mt Everest após esse feito deve ser perseguido dessa forma e não mais com o auxílio de cilindros de oxigênio.

Para quem não é montanhista, subir com ou sem tanto faz. Ele está ali para uma realização pessoal e não para curtir toda a dimensão da escalada real acima dos 8 mil metros.

Por outro lado, uma questão sempre presente: o Monte Everest é uma montanha que está muito comercializada, ou seja, em época de temporada, deve haver por volta de 500 pessoas entre escaladores, turistas e sherpas com o objetivo de chegar no topo.

Sem dúvida, o número de expedições comerciais é muito grande. Elas ocupam os espaços, impõem regras… acabam fazendo da montanha um mercado imenso. As agências dizem aos clientes que eles têm apenas que estar preparados fisicamente, que o restante é “deixa com eles”. Ou melhor, a decisão, o estilo, a montagem de acampamentos, o guiar, etc., os profissionais da agência que decidem..

O cliente, que deve ter o preparo físico necessário mas nem sempre a técnica, tem apenas o dever de botar um pé na frente do outro que o resto o staff da expedição comercial guias internacionais, guias locais (que são os sherpas) e carregadores faz.

E isso não sou eu quem digo: Isso) está escrito assim mesmo no site das expedições comerciais. Costuma-se dizer que no Everest, a face sul é acessível para pessoas que não têm grande experiência na montanha, mas que têm meios para pagar o que custa uma expedição comercial ou guiada desse tipo. Para se ter uma idéia, as melhores agências do mundo cobram em média 50 mil dólares para esse serviço, e isso somente saindo de Katmandu. Ou seja, passagens aéreas, equipamentos, vestimentas e outras despesas são à parte.

A questão da comercialização das montanhas, em maior ou menor grau, aparece em todas as montanhas do mundo. Esse fato acontece não só no Himalaia, mas nas montanhas da Europa e mesmo no Brasil. Em São Paulo, por exemplo, para treinar na pedreira em Mairiporã, tem-se que disputar espaço com os rapeleiros que aparecem lá em quantidade com empresas de turismo de aventura.

Isso, na verdade, não é um problema, é bom que mais pessoas possam chegar nesses locais e, apesar de não serem escaladores, tenham a possibilidade de apreciar a beleza dos locais e o visual no topo dessas montanhas. Assim é no Everest, no Mont Blanc, no Aconcágua, no Pão de Açúcar e mesmo na Pedra do Baú.

Ainda assim, o Mt Everest é um ícone para os montanhistas e pode-se escalar sem ser guiado, sem auxílio de cilindros de oxigênio e sem sherpas para se sentir a montanha como ela realmente é. Depende de cada um.

Este texto foi escrito por: Helena Coelho

Last modified: abril 15, 2006

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