Webventure

Porque o Ceará é um celeiro de kitesurfistas campeões, como Eudázio Silva, que mora em Cumbuco


Eudázio (à esq.) e Carlinhos (foto: Marilin Novak)

Depois de o cearense Eudázio Silva, de 18 anos, garantir fácil a sua vaga na final da categoria freestyle do Volkswagen Kite Tour (clique aqui para saber mais do campeonato, que rola até domingo, 11, no Rio Grande do Norte), foi a vez de outro cearense mandar bem na repescagem: Rafael Souza abocanhou uma chance de competir a final com Eudázio (clique aqui para saber).

Mas, a dominação cearense de coincidência não tem nada. O estado nordestino é um celeiro de kitesurfistas cascas-grossas, na maioria moleques de famílias humildes, que tiveram um dia a chance de “brincar” com os equipamentos dos esportistas gringos que invadiram a região a partir de 2003.

Para se ter uma ideia do potencial do local, os cinco primeiros colocados da primeira etapa do Kite Tour, em agosto, eram do Ceará, incluindo o atual campeão brasileiro Carlos Madson. Eles são, mais precisamente, de um trecho do litoral de mais ou menos 50 quilômetros entre a Praia de Cumbuco e Paracuru, ao norte de Fortaleza. Ali, esses garotos têm como quintal de casa o “Havaí do kite”, uma dos melhores points do mundo para a modalidade de vela.

A seguir, José Santos Da Silva, o Carlinhos, dono da escola Kite Cumbuco e apoiador/treinador de parte desses meninos, conta ao Webventure, em um bate-papo também com a participação de Eudázio, como uma brincadeira de criança virou profissão, com metas bastante ambiciosas: colocar Eudázio (que tem patrocínio das marcas Pena e Airush) para correr o circuito mundial em 2012, com o objetivo de torná-lo “o melhor kitesurfista de freestyle do mundo”.

Como foi o primeiro contato dos moleques locais de Cumbuco com o kitesurfe?
Carlinhos: O primeiro contato começou como uma brincadeira de criança. Os gringos chegaram em Cumbuco, um dos melhores locais do mundo e o melhor do Brasil para o esporte. A gente considera o trecho da Praia de Cumbuco até a Praia de Paracuru o Havaí do kite: são os ventos mais limpos [constante] do Nordeste. Em outros lugares, o vento é muito forte, mas é rajado. Então, os moleques da praia ficaram curiosos ao verem os gringos e aquela coisa [pipa] no ar. Eles tinham a curiosidade de saber como eles conseguiam velejar, como eles faziam aquilo sem trançar as linhas…

Os gringos kitesurfistas chegaram quando em Cumbuco?
Carlinhos: Em 2003, 2004. Antes disso, não tinha kite em Cumbuco. Os primeiros foram o pessoal de fora. E a molecada estava ali, ajudando os gringos. Não havia suporte ao esporte naquela época. Tudo era mais difícil. Não havia como reparar o equipamento, por exemplo. Era um esporte que não tinha chegado ainda no Brasil. Não tinham marcas aqui. Tudo importado. E os meninos iam ajudando os gringos e, aos poucos, aquilo foi se transformando em um pequeno trabalho para eles. Às vezes, como gratificação, eles davam kites usados aos meninos. Muitos deles aprenderam na marra, com os equipamentos bem inferiores. E assim começou o interesse.

As primeiras escolas de kitesurfe em Cumbuco foram abertas pelos gringos?
Carlinhos: Todas as primeiras. Mas, hoje, ainda tem poucas brasileiras. Eu vou chutar que 80% ainda são de gringos. As brasileiras são as nossas. Por exemplo, o Tomás Teixeira, um atleta de Cumbuco hoje internacional [ele já foi terceiro no mundial da segunda divisão do esporte], tem a sua própria escola. Ele está pensando no futuro dele. Ele adquiriu experiência com isso.

Eudázio, com quantos anos você começou a velejar? Como aconteceu?
Eudázio: Eu comecei com 13 anos. Eu tinha um amigo que estava com um kite pequeno na água. Pedi a ele pra brincar um pouco. Mas o kite era de um brasileiro, que morava fora do Brasil, e todos os anos vinha para Cumbuco. E eu fui pedir para ele, pra brincar também, e ele deixou. E então eu comecei a gostar. Todo dia eu estava lá na praia bem cedo, no horário que o cara também estava. Depois, eu peguei um kite maior. E eu aprendi bem rápido. E agora estou aqui, ganhado uma etapa do brasileiro. Eu comecei a competir em 2007, na categoria iniciante. Na primeira prova, fiquei em quarto lugar. Eu fiquei muito feliz. Na segunda, em terceiro. Na outra, em segundo. E 2008, em terceiro no ranking cearense, na categoria open. Em 2009 fui campeão brasileiro. Em 2010, vice. Eu ainda nunca fui competir pra fora.

Carlinhos, quando a brincadeira começou a virar um esporte de verdade na vida dos moleques?
Carlinhos: Quando eles começaram a praticar muito. O kite exige muita prática. E eles, por morarem ali, num local que tem vento todo dia, estavam na água todos os dias, enquanto os gringos vinham uma vez por ano. A experiência dos meninos passou a ser mais do que o dobro da dos gringos. Em vez de 15 dias de velejo, os meninos já tinham acumulado oito meses seguidos, com todos os dias na água. Como ainda acontece até hoje. Todos eles ficam três, quatro horas por dia na água. Por isso eles chegaram onde estão.

E quem foi o primeiro atleta brasileiro de destaque?
Carlinhos: Da região, o Goiaba [Carlos Alexandre Morais]. Ele começou a competir no começo ainda, já em 2003. Ele é considerado um espelho para todos nós. Ele foi o primeiro campeão cearense em competições. Ele ficou muito famoso e, daí, lançou o Evandro Silva, que é sobrinho dele. Com três meses de treinos fortes, ele já começou a ultrapassar o Goiaba. Na sequência, outros dois sobrinhos dele também começaram: o Carlos Madson e o Carlos Máximo [que também estão em Cunhaú]. O Goiaba parou, mas os sobrinhos continuaram. O freestyle é um esporte que exige pessoas bem jovens e flexíveis. Quando o atleta chega a 24, 25 anos, ele se machuca mais rápido. Ele não tem a agilidade que um garoto de 16 anos tem. Mas, hoje em dia todo mundo ainda lembra, do Goiaba.

E aí foi só aumentando a quantidade de bons atletas saídos de lá.
Carlinhos: Sim, uma pessoa foi se espelhando na outra. Depois veio o Tomás, com as competições internacionais e o patrocínio. E o esporte em si também cresceu a cada ano, um pouco mais. Vamos colocar assim: Cumbuco é hoje o local onde tem os melhores atletas do Brasil na categoria freestyle. A maior quantidade de atletas e os melhores.

O Eudázio nunca participou de uma etapa do mundial?
Carlinhos: Ele é um atleta de alto nível mundial. Todas as pessoas do mundo já sabem disso. Agora, a gente vai mostrar isso para a PKRA [associação internacional responsável pelo mundial da primeira divisão, que terá etapa em Cunhaú a partir do dia 18/9, logo depois do brasileiro ]. E a gente está trabalhando para que no próximo ano ele possa correr todas as etapas do mundial, com patrocínio. A gente quer que ele represente não só o estado do Ceará, mas o Brasil. Ainda não está tudo definido, mas eu diria que está 80% de ele fazer todas as etapas, para pontuar no ranking internacional. E gente não quer só pensar em segundo ou terceiro lugar, com todo respeito com os outros atletas, mas ele vai trabalhar para chegar em primeiro e representar o Brasil como o melhor kitesurfista freestyle do mundo.

Como são os seus treinos?
Eudázio: Eu treino todos os dias. Na verdade, este ano eu estou estudando de tarde, o que deixou mais difícil, pois eu costumava treinar de tarde. Mas eu dou todo o meu esforço para sempre estar dentro d’água. Eu costumo entrar ao meio-dia, 1 hora, e sair no fim da tarde, quando está anoitecendo. À tarde é sempre melhor para fazer as manobras perfeitas.

Em que série você está?
Eudázio: Estou na oitava. Estou um pouco atrasado, mas vou conseguir terminar, se Deus quiser. Eu estou atrasando porque sempre estou viajando na época das provas, por causa do kite. Mas, eu falo com as minhas professoras, pra botar um trabalho para mim no lugar. Mas, às vezes fica muito difícil para eu passar. Eu fico em matemática, que eu acho mais difícil.

Carlinhos: Uma coisa muito importante de dizer é que um tempo atrás, a gente fez uma associação com um belga para tirar da rua as crianças. Tirar elas da prostituição e das drogas. Eu e esse belga estimulamos essas crianças a chegarem perto da escola através do kite. A gente dava um curso completo para o melhor aluno do mês, pedia equipamentos usados para os turistas doarem. O diretor falou que os alunos que iam para a escola através do kite fizeram suas notas irem ao “top”. Mas, infelizmente, essa parceria acabou, pois ficou difícil. A gente precisa trabalhar.

E Eudázio, o mundial será igual às outras provas ou você está com um frio na barriga?
Eudázio: Dá um frio sim. Eu nunca competi, a galera tem um nível muito alto, principalmente o Yuri Zoon, que está em primeiro lugar [o holandês já venceu por antecipação o mundial]. E eu acho que vai dar um pouco de nervoso, mas acho que vai dar certo.

Qual é a sua meta na prova?
Eudázio: Eu vou fazer de tudo para dar o meu melhor e, se Deus quiser, vou tirar uma colocação bem legal.

Este texto foi escrito por: Marilin Novak, direto da Barra do Cunhaú