É preciso calcular o volume e a intensidade de cada sessão de treinamento. (foto: Arquivo pessoal)
Freqüentemente sou indagado a respeito das diferenças existentes entre a preparação física de um corredor de asfalto e um corredor de trilhas. Sem medo de errar, eu diria que esta fronteira é bastante tênue em algumas situações.
Se você é um corredor de rua que inclui subidas de ladeiras no seu programa de treinamento, está bastante perto de um trail runner. Afinal, qual é a trilha que não tem uma ladeirinha, por menor que ela seja, para quebrar a monotonia?
Uma preparação física séria para um corredor de trilhas deve ser planejada, assim como em qualquer outro esporte, levando-se em consideração o macrociclo, seus mesociclos e microciclos, que culminarão em um, ou alguns, momentos de pico de performance, que devem coincidir com o período de competições ou com aquele desafio pessoal tão ansiosamente esperado por você.
Planejamento – Um desafio, mesmo que solitário, independente de não ser uma competição oficial, necessita de uma data-alvo bastante definida para que o preparador físico tenha condições de fazer os vários cálculos matemáticos que definirão sua carga de trabalho a cada dia, durante todo o ciclo de condicionamento físico.
Na fase de preparação básica o volume deve ser priorizado em detrimento da intensidade. Ou seja, rode bastante em uma velocidade média, deixando para o período de preparação específica o aumento da intensidade (velocidade) com a conseqüente diminuição do volume (tempo total de cada sessão de treinamento).
Comparativamente, isto também se aplica ao treinamento de musculação, quando iniciamos o macrociclo visando o aumento da Resistência Muscular Localizada e, no exato momento em que a ciência determina, passamos a trabalhar Força de Resistência e, em alguns casos bastante específicos, como um desafio em que a presença de subidas é preponderante na trilha, incluímos o treinamento de Força Máxima.
Juntamente com toda a matemática que envolve um programa de preparação física verdadeiramente científico, não podemos perder de vista alguns princípios que norteiam todo o treinamento desportivo:
1) Princípio da Individualidade Biológica
Cada indivíduo é único, possuindo as características do somatório de sua carga genética com suas experiências pessoais. Assim, nem dois gêmeos univitelinos podem ser considerados totalmente idênticos. Infere-se com isto que não existe muito rigor científico em um programa de condicionamento físico grupal, onde todos devem fazer os mesmos exercícios em conjunto.
2) Princípio da Adaptação
Sempre que seu corpo é estressado por uma atividade física (sim, treinamento é um estresse!) ocorre uma perturbação na homeostase, que é o equilíbrio metabólico do organismo. A resposta a isto é uma adaptação fisiológica visando restabelecer o equilíbrio, além de preparar-se para receber em melhores condições um novo estresse. Esta adaptação é exatamente o aumento da performance.
3) Princípio da Sobrecarga
Após um retorno à homeostase o organismo estará mais preparado para receber um novo estresse de mesma intensidade. Com isto, depois de algum tempo recebendo as mesmas cargas, o organismo não se desequilibrará mais, deixando assim de aumentar a performance.
Quem corre diariamente a mesma distância em volta da pracinha do bairro, na mesma velocidade, tem o direito de se considerar condicionado fisicamente. Mas, com certeza, não evoluirá. Ele apenas atingiu um outro patamar de equilíbrio e permanecerá por lá enquanto não desequilibrar novamente sua homeostase aumentando a carga do treinamento, seja em volume ou intensidade.
4) Princípio da Interdependência Volume-Intensidade
Um organismo não agüenta trabalhar por muito tempo um alto volume (grande quilometragem, muitas repetições na musculação, horas de treinamento) com uma alta intensidade (grande velocidade, grande carga na musculação, redução dos intervalos de descanso). Voz comum na Preparação Física, utiliza-se grande volume e pequena intensidade durante a preparação básica, invertendo-se esta situação mais adiante, na fase de preparação específica.
É claro que estes valores são bastante relativos, afinal o que um velocista chama de média intensidade pode ser considerado como altíssima intensidade por um fundista.
5) Princípio da Continuidade
Como já vimos, no exato período em que acontece a atividade física, seja um treino ou competição, o organismo não está executando nada de bom para ele. Muito pelo contrário! Há um estresse físico que, dependendo do nível do par volume-intensidade, pode resultar em cansaço, fadiga, sobretreinamento ou exaustão. Os dois primeiros são esperados e desejados em um programa de condicionamento físico. Os outros dois são indesejáveis e podem colocar todo o planejamento do treinamento a perder.
O estresse provocado pela sessão de treinamento leva o organismo ao buraco em termos energéticos e, em seguida, recupera-se para um patamar acima dos valores iniciais. Porém, esta permanência não é eterna. Se não acontecer o treino seguinte enquanto o metabolismo encontra-se neste ponto, chamado de supercompensação, a tendência é a volta aos valores iniciais, perdendo-se a chance deste treino levar a uma melhora da performance.
6) Princípio da Especificidade
A fisiologia do esforço diz e a prática desportiva de alto nível corrobora que o treinamento deve chegar o mais perto possível do gesto esportivo da modalidade em questão. E isto é verdade tanto em relação à coordenação motora quanto à fonte energética usada. Desta maneira, deve-se treinar um corredor de resistência (um maratonista, por exemplo) com mais volume e menos intensidade. Um corredor velocista (cem metros rasos, por exemplo) deve ser treinado de maneira inversa, com alta intensidade e menos volume.
Nos treinos de musculação para estes mesmos dois atletas devemos pensar em Força de Resistência (baixa carga e muitas repetições) para o primeiro e Força Máxima (carga altíssima e poucas repetições) e Força Explosiva para o segundo.
Se você seguir seriamente estes princípios e calcular corretamente os valores de volume e intensidade de cada sessão de treinamento, considerando-se todo o período do macrociclo, as chances de você completar com sucesso seus objetivos serão enormes. Bons treinos, bons cálculos e boas corridas em trilha!
Este texto foi escrito por: Carlos Sposito, especial para o Webventure
Last modified: setembro 18, 2003