Webventure

Privatização do espaço na montanha


Campo 1 do Cho Oyu no Nepal. (foto: Helena Coelho)

Na coluna deste mês, Helena Coelho comenta uma atitude que está se tornando comum nas maiores montanhas do mundo, sobretudo com o aumento das expedições comerciais.

Já estamos acostumados a ver as expedições comerciais que levam clientes para escalar o Monte Everest ou qualquer outra montanha da Cordilheira do Himalaia mandarem os Sherpas subirem no início da temporada e cercarem áreas grandes nos reduzidos espaços dos acampamentos de altitude com cordas e bambus ou estacas, reservando-as para instalar as barracas que serão usadas pelos clientes.

Sempre torcemos o nariz para essa prática e, na verdade, algumas vezes, até pensei em levar um cartaz escrito “toilette” e colocar nesses cercados. Porém, desta vez, quando fomos escalar a montanha chamada Cho Oyu – 8.201m de altitude, sexta maior do planeta – vivemos uma situação peculiar.

Como tínhamos pouco tempo de férias, o negócio foi pular alguns dias de aclimatação e subir rápido para montar os acampamentos de altitude. Fomos para o Campo I – 6.300 m de altitude – levando nossa barraca e algum equipamento mais. Lá, na aresta, já havia três barracas montadas, um espaço preparado e mais um com uma sacola depositada. Além desses espaços, sobrava mais um que não tinha nada, nem terreno preparado e nem corda separando; abaixo no glaciar, havia áreas com as cordas e bambus e algumas poucas barracas.

Esforço – Decidimos montar a nossa no espaço que sobrava e gastamos mais de hora preparando o chão e montando a barraca com cuidado, amarrando bem, pois se tratava de aresta sujeita a ventos fortes. Demos o trabalho por concluído e voltamos para o acampamento base avançado.

Dois dias depois, retornamos ao CI, fazendo mais um transporte de material e encontramos um grupo de Sherpas descendo; eles nos perguntaram se uma barraca VE-25 – com alguns remendos – assim, assim, era nossa. Quando dissemos que sim, preocupados talvez por estar com alguma amarra soltando, os rapazes nos disseram que tirássemos a nossa barraca de lá pois ali era espaço da expedição comercial para a qual eles trabalhavam.

Nós respondemos que não havia nada marcando o local e que, portanto, não iríamos tirar coisa nenhuma. Eles então nos ameaçaram, dizendo que, se nós não tirássemos, eles mesmos o fariam. O Paulo, mesmo sentindo a ameaça, perguntou qual era o grupo deles e reafirmou que não iríamos tirar a barraca.

Decisão – Subimos até o CI, preocupados com a ameaça. Lá, encontramos a nossa barraca e um pacote com a deles na porta da nossa; eu e o Paulo conversamos e decidimos: de fato, nada havia marcando o espaço quando subimos; aliás, havia ainda poucas barracas, tivemos um grande trabalho de montagem, fizemos tudo sozinhos, e que, apesar de que corríamos o risco de perder uma das poucas barracas que temos, não iríamos ceder às ameaças.

Reforçamos atentamente as amarrações e descemos para o campo base avançado. Fomos direto procurar o local dessa expedição comercial. Pedimos para falar com o líder, que aliás não estava lá. Falamos com um dos guias, relatando a situação e dissemos: “Somos independentes, não temos Sherpas, nós mesmos carregamos e montamos nossas coisas e, apesar de discordamos profundamente de privatização do espaço da montanha, respeitamos se tiverem reservado de alguma forma. E que não era isso que tinha acontecido. Que se os Sherpas deles não trabalharam bem, reservando o espaço, eles não tinham o direito de nos ameaçar e, claro, nem de botar um dedinho em nossa barraca. Ainda mais, que, se alguma coisa acontecesse com a nossa barraca, só poderíamos deduzir que teriam sido os Sherpas deles”.

Desculpas – Esse guia pediu desculpas pelo comportamento de seu “staff” e disse que não nos preocupássemos, que eles só falaram mas que não iriam fazer nada disso, etc., etc. É claro que nossa barraca poderia ter sido arrancada de lá por um vento forte, mas, naquela situação, eu não duvidaria nada que eles mesmos fizessem isso.

Bom, a nossa atitude de não ceder às ameaças dos Sherpas nos deixou com receio durante todo o período, mas eles devem ter conversado e a nossa barraca ficou lá o tempo que precisamos. Toda vez que cruzávamos com eles, sempre resmungavam algo e nós somente dizíamos “Namastê”.

Enfim, não é fácil. As expedições comerciais estão cada vez maiores e sobra para nós, além de termos que sobreviver com os poucos equipamentos de que dispomos, também passamos por esses inconvenientes.

Este texto foi escrito por: Helena Coelho