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Projeto Brasil das Águas apresenta resultados


Tamandaré em Pernambuco. (foto: Margi Moss)

O Projeto Brasil das Águas, que teve inicio em outubro de 2003 e tem como objetivo fazer um relatório de recursos hídricos de cada região brasileira já coletou 5.900 amostras e percorreu 120 mil km. E este estudo inédito sobre a qualidade das águas doces do país já apresenta os resultados preliminares das análises.

O projeto utilizou um avião anfíbio equipado com um laboratório aéreo, pioneiro no mundo, desenhado e montado pela própria equipe do projeto, que passou por 1.170 pontos de amostragem em rios, represas e lagos espalhados por todo o território nacional.

No decorrer dos últimos 14 meses, o avião, pilotado por Moss, voou aproximadamente 120.000 km em busca das amostras, uma distância superior a duas voltas no nosso planeta pela linha do Equador.

O reconhecimento da essência do projeto, que combina pesquisa cientifica, tecnologia inovadora e ação social, veio em novembro passado, quando o projeto “Brasil das Águas” venceu o prêmio Von Martius edição 2004, o mais prestigiado e concorrido prêmio ambiental do Brasil, na categoria Natureza.

Tecnologia inédita – O avião da expedição é a primeira aeronave no mundo certificada para coleta e análise de água. O sistema de captação foi desenhado pela própria equipe do projeto, e os dados são processados pelo computador de bordo. O avião capta água em vôos rasantes sobre a superfície do corpo d’água, quando determinadas características físico-químicas (como pH, temperatura, condutividade, turbidez etc.) são registradas por uma sonda multiparamétrica, instalada a bordo.

Uma amostra de 160 ml da água recolhida em cada ponto é separada em cinco amostras menores, posteriormente levadas para serem analisadas por pesquisadores no Instituto Internacional de Ecologia (IIE) em São Carlos (SP), a UFRJ, UFV, USP, UFF e UFBA.

Até o momento foram aferidos alguns resultados preliminares pelos pesquisadores envolvidos no projeto. Confira a análise de nutrientes na água de acordo com a região:

Regiões Norte e Centro-Oeste – Principalmente no que diz respeito aos grandes rios Tapajós, Araguaia e Xingu, com algumas exceções pontuais (como nas proximidades das cidades de Caseara, Pontal do Araguaia, Aragarças e Barra do Garças), foram encontrados níveis baixos de nutrientes, indicando que esses sistemas se encontram, ainda, em bom estado de conservação.

Região Nordeste – Foi encontrado um elevado número de pontos com altas quantidades de nutrientes, acima da média nacional. Mais especificamente no Rio Paraíba e em alguns segmentos do São Francisco. Neste último, averiguou-se que todos os seus reservatórios (entre eles as represas do Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó) apresentaram, em algum ponto, concentrações elevadas de nutrientes tipicamente devido à descarga de esgotos domésticos não tratados ou impactos da irrigação.

Acredita-se que esses resultados acima da média tenham sido provocados devido à relação entre a densidade demográfica e um menor volume de água presente na região. Por outro lado, o Rio Parnaíba se destacou na região pelos baixos índices de nutrientes e pela boa qualidade.

Rio Amazonas – Foi encontrado um nível surpreendentemente alto de nutrientes, que poderiam estar indicando descarga de esgoto doméstico ou impactos das atividades de irrigação o que é muito improvável nessa região. Uma quantidade elevada de nutrientes nem sempre significa água de má qualidade. Mas qual seria a explicação? Infelizmente, será necessária uma maior investigação para se descobrir isso, podendo ter a ver com as raízes da água saindo dos Andes.

Pantanal – Acredita-se que o elevado uso de fertilizantes nas lavouras de soja nas terras mais altas, os dejetos resultantes da pecuária e o lançamento de esgoto sem tratamento em rios como Miranda, Aquidauana e Paraguai tenham causado os tristes resultados para essa região.

“A análise das águas do Pantanal, por exemplo, nos surpreenderam. O local é considerado Patrimônio Natural da Humanidade devido a sua riqueza em termos de fauna e flora, mas metade das águas ali coletadas pelo Brasil das Águas apresentaram níveis elevados de nutrientes, resultado do lançamento de esgoto doméstico não tratado e do uso de fertilizantes em larga escala nas lavouras de soja. Isso pode causar uma redução drástica na biodiversidade”, explica o limnólogo Donato Abe, do IIE de São Carlos.

Região Sudeste e bacia do Paraná – As coletas sucessivas ao longo do Rio Tietê, que na Grande São Paulo é praticamente um esgoto a céu aberto, revelam a grande capacidade de recuperação do rio. Em certos municípios, como Araçatuba, que fica mais abaixo no curso do rio e onde há um louvável esforço no tratamento de esgoto, os níveis de nutrientes são significativamente mais reduzidos. Efeito semelhante foi visto no Rio Iguaçu. Saindo de Curitiba, os níveis de nutrientes estão muito elevados, e caem consideravelmente na parte mais baixa do rio, próximo ao Parque Nacional.

Região Sul – Agonia de alguns corpos hídricos brasileiros como o Mãe Luiza, em Santa Catarina. Poluído pelos resíduos de carvão, o rio muda de cor diversas vezes em seu percurso. Rios como o Itajaí e o Rio do Peixe também apresentaram índices relativamente elevados. No Rio Grande do Sul uma boa surpresa: em Porto Alegre, onde 77% do esgoto é tratado (bem acima da média nacional de 20%), o Rio Guaíba demonstrou qualidade da água moderada, não evidenciando um aporte significativo de esgoto pela cidade.

O Rio Uruguai apresentou estado moderado de conservação. Infelizmente, outros como a Lagoa do Casamento, Rio Caí, Rio dos Sinos, entre outros, apresentaram níveis relativamente elevados de contaminação.

As algas podem ser um ótimo indicador de qualidade de água. As regiões onde foram detectadas a maior presença de cianobactérias (algas azuis) potencialmente tóxicas foram os reservatórios do rio São Francisco e o rio Tocantins.

São destacadas especialmente as águas represadas do São Francisco como estando em estado mais avançado de degradação face à maior ação do homem e ao clima semi-árido da região, os quais favorecem o crescimento destas algas.

Já o rio Tocantins conta com a presença destas cianobactérias, mas ainda em pequena quantidade. Caso ocorra ação humana sem cuidado, por exemplo, com o destino e tratamento adequado dos esgotos de cidades, o rio Tocantins e seus reservatórios poderão também vir a ter florações destas algas potencialmente tóxicas. O Rio Araguaia destacou-se por ter apresentado uma alta riqueza de espécies (alta biodiversidade), bem acima da média nacional analisada até o momento neste projeto.

Estima-se que, até o final do projeto, sejam registradas aproximadamente mil espécies diferentes de micro-algas que flutuam nos rios, lagos e reservatórios estudados (fitoplâncton). Isso pode representar ¼ das espécies de algas do plâncton em águas continentais de todo o mundo de acordo com estimativas existentes na literatura.

Presença de metais – Nos rios Madeira, Purús, Tocantins, Araguaia e Parnaíba foram encontrados teores de cádmio superiores ao permitido pela legislação. Da mesma forma foram encontrados em alguns pontos dos rios Tapajós, Xingu e Tocantins níveis de níquel acima do ideal. Surpreendentemente, mais de dez pontos de amostragem no rio Amazonas apresentaram concentrações de chumbo acima do esperado.

Além da pesquisa sobre a qualidade das águas brasileiras, um importante objetivo do projeto é a conscientização da população sobre os problemas relacionados com a água, visando sua preservação. Os resultados das pesquisas podem ser encontrados no site www.brasildasaguas.com.br. É possível acessar gratuitamente não apenas detalhes sobre a expedição, mas também visualizar as peculiaridades dos locais analisados.

Este texto foi escrito por: Webventure